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Escritora Mary Del Priore apresenta novo perfil histórico para a rainha Maria I, " A louca"
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Escritora Mary Del Priore apresenta novo perfil histórico para a rainha Maria I, " A louca"

Em novo livro, a historiadora carioca Mary Del Priore investiga as perdas e glórias presentes na biografia da mãe de D. João VI e desfaz mito de loucura ligado à figura da monarca
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Óleo sobre tela de Maria I, Rainha de Portugal, por Thomas Hickey  (Foto: reprodução)
Foto: reprodução Óleo sobre tela de Maria I, Rainha de Portugal, por Thomas Hickey

"Será que Maria I era realmente insana ou apenas mal compreendida?" É o que se questionava a historiadora carioca Mary Del Priore, especialista em História do Brasil, ao passo em que desenvolvia uma pesquisa anterior acerca das mulheres em torno da figura de Dom Pedro I, o primeiro imperador do Brasil. "À medida em que fui me aprofundando nas buscas, me dei conta de que a imagem da mãe de Dom João VI sempre foi cercada de muitas controvérsias. Ainda há muito a se descobrir sobre ela", aponta a escritora.

Com seu livro recém-lançado D. Maria I - As perdas e as glórias da rainha que entrou para a história como "a louca" (Editora Benvirá), Mary percorreu os fatos da vida da monarca a partir de uma perspectiva inédita. Autora de mais de 50 livros - entre eles, O castelo de papel (2013) e a coletânea em quatro volumes intitulada Histórias da Gente Brasileira - ela questionou a reputação de loucura da matriarca. Afirma, aliás, que ela foi vítima de profunda depressão. Doença que, na época, era confundida com melancolia e insanidade.

Para realizar a pesquisa, a historiadora buscou diversos livros de Medicina do período. "Em toda a segunda metade do século XIX, a melancolia foi algo muito presente e atribuída ao que hoje chamamos de depressão. Em um período de dois anos, a rainha viveu uma série de perdas que debilitaram sua situação psicológica", explica a pesquisadora. Mary se refere à sequência de mortes que abalaram a rainha: do marido, da filha, do genro, do filho mais velho e de Frei Inácio, seu confessor e amigo.

"Esse estado é fruto das tristezas e perdas que ela vivenciou, em uma época em que depressão e melancolia eram confundidas com insanidade - e até mesmo com possessão demoníaca", aponta. A alcunha de "rainha louca" transformou Maria I em uma figura folclórica no imaginário brasileiro - o que ocorreu, também, com outros membros da corte, transformados em caricatura na literatura, nos filmes ou mesmo nos livros de história. "Dom João VI é retratado como um rei comilão, Carlota Joaquina como uma rainha luxuriosa... Todos estes mitos foram criados com o objetivo de ridicularizar a imagem da Família Real, um projeto republicano", elucida a autora.

Durante o ano de pesquisa anterior à publicação da obra, Mary Del Priore passou a conhecer as facetas de uma rainha "muito humana". "Foi uma surpresa ver que ela foi ciosa em seus trabalhos monárquicos, assinou importantes tratados internacionais, criou casas para órfãos e hospitais", elenca. Além disso, conhecer de perto a biografia da rainha a fez refletir sobre como as histórias das famílias reais carregam uma série de conflitos que passam despercebidos pela historiografia nacional.

"Acredito que hoje os pesquisadores estão muito preocupados em dar voz a personagens que permaneceram no limbo da história durante muito tempo", comenta Mary. Seu texto sobre Maria I atravessa a infância em Portugal, a devoção ao catolicismo, a coroação como a primeira rainha portuguesa, além dos primeiros sintomas da depressão e sua morte, em 1816. "Eu sabia muito pouco dela... Conhecia apenas 'a louca'. Hoje conheço uma mulher. E mulher como tantas de nós".

 

D. Maria I, livro de Mary Del Priore
D. Maria I, livro de Mary Del Priore

D. Maria I - As perdas e as glórias da rainha que entrou para a história como "a louca"

Editora Benvirá

224 pág.

Quanto: R$ 39,90

Informações:

www.benvira.com.br

Ponto de vista: Estereótipos construídos

A narrativa histórica não é isenta de valores e posicionamentos políticos. No Brasil, por exemplo, sempre foram criadas e recriadas versões sobre determinados períodos e processos históricos. Falar de uma família real exótica, atípica e jocosa, por isso, foi parte de um projeto que envolveu um segmento social e político restrito e determinado a reafirmar um novo momento político: o Brasil República.

Disso resultam todas essas desqualificações acerca de determinados personagens da corte como Dom João VI, Carlota Joaquina e até mesmo a rainha Maria I, recursos usados para justificar um momento inaugural, uma "nova etapa" e desconstruir a imagem deixada pelo sistema de poder anterior - absolutista e monárquico. Tudo isso ainda é, de certo modo, reproduzido em nosso imaginário, nas salas de aula, na historiografia. Esses registros são, também, uma percepção do cotidiano do Império, um período curto e extremamente tencionado da História do Brasil.

Esses estereótipos se estenderam, anos mais tarde, para outros chefes políticos, como os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart. São narrativas construídas sobre o Brasil. E muito mais importante que nos perguntarmos se existe "fundo de verdade" nessas afirmações, cabe a nós pensar criticamente sobre quais são os interesses políticos em torno dessas narrativas, olhando de um modo mais amplo para as conjunturas sociais que as cercam.

Claudia Freitas, historiadora e professora do Departamento de História da UFC. Pesquisadora em História do Brasil Imperial

Marieta Severo; Eliana Fonseca
Marieta Severo; Eliana Fonseca

Carlota Joaquina - Uma rainha devassa?

"Na Corte de Lisboa, a mulher de D. João lembrava uma gata eternamente no cio ( ... )". Tal é a descrição feita pelo cronista carioca Luiz Edmundo (1878-1961) acerca de uma controversa figura pertencente à corte no Rio de Janeiro: Carlota Joaquina de Bourbon. Os estereótipos atribuídos à esposa de Dom João VI são particularmente reforçados pela interpretação da atriz Marieta Severo no filme Carlota Joaquina, princesa do Brazil (1995). Seu nome é associado à figura de uma mulher perversa, má e depravada. No entanto, o livro Carlota Joaquina - Cartas Inéditas", da historiadora Francisca Nogueira de Azevedo, mostra uma mulher de grande visão política, atuante em suas atribuições monárquicas.

 

Marco Nanini interpreta Dom João VI em Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995)
Marco Nanini interpreta Dom João VI em Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995)

Dom João VI - Guloso e covarde?

"Não havia memória na Casa Real, em Lisboa ou no Rio de Janeiro, de D. João ter tomado banho de corpo inteiro", escreveu o historiador Tobias Barreto em 1927. Esse foi apenas um dos muitos estereótipos ligados à figura de Dom João VI: cabeça enorme, corpo roliço, pernas curtas, mãos e pés minúsculos. A imagem do monarca filho de Maria I devorando coxas de frango está gravada não só imaginário popular, mas também na filmografia nacional, cujo exemplo maior é o longa Carlota Joaquina, Princesa do Brazil" (1995), da diretora Carla Camurati. Em diversas cenas do filme, duas características atribuídas à sua figura são constantemente sublinhadas: covardia e gula.

 

Glória Menezes; Tarcísio Meira
Glória Menezes; Tarcísio Meira

Dom Pedro I - As facetas do imperador

No filme nacional mais assistido de 1972, Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, a interpretação de Tarcísio Meira deu ao primeiro imperador do Brasil a imagem de um herói sem defeitos. Em 2002, o monarca reaparece de modo bem distinto na série O Quinto dos Infernos (2002) - boêmio e mulherengo, vivido pelo ator Marcos Pasquim. Nos anos 1950, o escritor pernambucano Otávio aprofundou-se no estudo da biografia do imperador e o descreve como um homem que vivia em atividade, não conhecia repouso, tédio e tampouco fadiga. Em sua obra A vida de D. Pedro I", o autor resume: "Esse lascivo não tinha ócios, esse amoroso detestava lazeres".

 

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