O POVO - Como surgiu a ideia de estudar tupi antigo?
Suene Honorato - A proposta surgiu de alguns estudantes durante aulas de literatura brasileira. Nas aulas eu costumo falar do livro O Selvagem, do Couto de Magalhães. É uma obra de 1875 que apresenta um curso de tupi, na época chamado nheengatu, e aí eu brincava que quem quisesse aprender tupi tinha ali um curso. Nessa brincadeira alguns estudantes se motivaram e passamos a nos encontrar desde o começo do ano para discutir o livro Método Moderno de Tupi Antigo, do tupinólogo Eduardo Navarro, e aprendermos juntos. Porém só conseguimos dedicar uma hora a esses encontros.
OP - Como se dará o encontro nas próximas quintas-feiras?
Suene - No início, nenhum de nós, nem eu nem os estudantes, já havíamos estudado ou sabíamos tupi antigo; estamos aprendendo juntos. Aos poucos encontramos algumas pessoas, um rapaz que estudou por conta própria e uma moça que tem origem indígena e aprendeu um pouco com a avó. Ao mesmo tempo, nem todo mundo conseguia ir todas as semanas e acabava desistindo. Desenvolvemos estratégias para acolher pessoas que estão em vários níveis na aprendizagem. Assim o curso está aberto a todos e a gente avançará no estudo coletivo.
OP - O que mais as pessoas podem esperar do curso?
Suene - Muita gente que tem interesse pelo curso chega, mais ou menos como o Policarpo Quaresma, com a imagem de que o tupi é a origem do que é genuinamente brasileiro. Ele faz sim parte da constituição das nossas expressões do cotidiano. Entretanto, não podemos fetichizar; existe muita violência no processo de imposição do tupi como língua geral nos aldeamentos indígenas e na forma carregada de ideologias como os jesuítas sistematizaram essa língua. Então pensamos sobre isso. Outra coisa é que, ao aprender uma língua, a gente aprende também uma visão de mundo. O tupi, por exemplo, não tem denominação de posse sobre a natureza; você não pode dizer "minha árvore" ou "meu rio". Isso mostra uma outra relação com a natureza, muito diferente da nossa. A gente também, embora estude o tupi que não é mais é falado, esse estudo nos abre para entender que o Brasil não é monolíngue. Diversas etnias que perderam suas línguas vem em um movimento de resgatá-las e inclusive algumas cidades, como São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, têm línguas indígenas como suas línguas oficiais junto ao português. A gente precisa falar desses processos de violência e de resistência.
O POVO - Aprender o tupi antigo é, claro, a principal proposta do curso, mas o que mais as pessoas podem esperar das discussões que você já desenvolve?
Suene - Muita gente que tem interesse pelo curso chega, mais ou menos como o Policarpo Quaresma, com a imagem de que o tupi é a origem do que é genuinamente brasileiro. Ele faz sim parte da constituição das nossas expressões do cotidiano. Entretanto, não podemos fetichizar; existe muita violência no processo de imposição do tupi como língua geral nos aldeamentos indígenas e na forma carregada de ideologias como os jesuítas sistematizaram essa língua. Então pensamos sobre isso. Outra coisa é que, ao aprender uma língua, a gente aprende também uma visão de mundo. O tupi, por exemplo, não tem denominação de posse sobre a natureza; você não pode dizer "minha árvore" ou "meu rio". Isso mostra uma outra relação com a natureza, muito diferente da nossa. A gente também, embora estude o tupi que não é mais é falado, esse estudo nos abre para entender que o Brasil não é um país monolíngue. Diversas etnias que perderam suas línguas vem em um movimento de resgatá-las e inclusive algumas cidades, como São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, têm línguas indígenas como suas línguas oficiais junto ao português. A gente precisa falar desses processos de violência e de resistência.
OP - Além de propor esse curso, a senhora coordena o Cine Descoberta, que divulga produções audiovisuais de cineastas indígenas ou sobre movimentos indígenas. Qual a importância dessas iniciativas no Brasil atual?
Suene - Eu acredito que tanto estudar o tupi quanto estudar as representações indígenas na literatura brasileira e no audiovisual são iniciativas importantes para, primeiro, lidar com a Lei 11.645 de 2008 que institui a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas e em todos os níveis de formação. Essa é uma determinação que ainda é muito pouco obedecida ainda que ela exista porque, claro, existe uma demanda concreta de quebrar estereótipos que vêm sendo construídos há 500 anos. Essa demanda é muito atual: os estereótipos colocam o indígena como parte de um passado e despossuídos de cultura, história, língua ou civilização; assim, o indígena do presente é facilmente tirado da nossa experiência e seu genocídio passa despercebido ou, até mesmo, é justificado. A gente precisa entender que o indígena é parte do presente e nesse contexto de fechamento de visões é ainda mais necessário.
Curso livre de férias sobre Tupi Antigo
Data: todas as quintas-feiras, a partir do dia 19/12
Horário: das 14h às 17h30min
Local: Sala 1 do Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Mais informações: suenehonorato@letras.ufc.br
Gratuito e aberto ao público. Sem inscrição. Não oferece certificado