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Alvo de debates
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Alvo de debates

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O sucesso começou às vésperas de 1995. Carla Perez, a primeira dançarina do É O Tchan - mais tarde seria substituída por Sheila Melo, com companhia de Jacaré e Scheila Carvalho - ganhava os aplausos do País. Coleções de moda que faziam referência aos dançarinos estavam no guarda-roupa de crianças e adultos. A coreografias eram ensaiadas à risca pelos fãs. O hit Pegue no Bumbum Pegue no Compasso era um dos mais pedidos nas rádios. A idealização da mulher com "corpo de violão", performática e, muitas vezes, loira, era o padrão de beleza indiscutível. Um outro Brasil. 

"O É O Tchan fala muito sobre a erotização do corpo feminino. Mas essa questão não é nova. O corpo da mulher sempre foi retratado na história da humanidade. Acontece que na década de 1990, o Brasil passava por um processo novo, o de pós-ditadura. As pessoas começaram a ter liberdade e a ideia era entender o que o povo gostava, já que tudo era muito limitado, até então. O É O Tchan veio com essa proposta. Naquele momento, ninguém estava querendo problematizar. A ideia era sair dessa questão da censura. O grupo foi um grito de liberdade, as performances, as músicas, tudo era uma forma também de dizer não para a repressão", comenta o professor de História da Arte da UFC, Jailson Pereira.

Talvez, o contexto histórico possa explicar o motivo de grandes questionamentos virem à tona apenas anos após o surgimento do grupo baiano. A sociedade atual caminha em um outro sentido e, por mais que a luta também seja por liberdade e quebra de censura, o olhar contemporâneo botou na mesa novas discussões. E, de acordo com Jailson, debates atuais muito têm a ver com a importância em entender e analisar a erotização.

"Precisamos falar sobre isso. É importante separar a objetificação do corpo da erotização. Por que a mulher não pode se divertir rebolando a bunda, como as dançarinas da banda faziam? O erótico não necessariamente é tratado como objeto. A banda, com suas músicas e performances, possivelmente, não seria bem aceita se lançada atualmente, por pessoas que não entendem o contexto do objeto e do erótico. Uma coisa não tem simetria com a outra e acho importante destacar isso, quando a sociedade atual ainda tem grandes dificuldade em enxergar dessa forma", pontua Jailson.

Outra questão também a ser discutida nesse cenário parte do olhar psicológico para o universo infantil. As músicas e performances do É O Tchan poderiam ter sido um grande tabu na década de 1990, mas não foram. De acordo com a psicóloga Catarina Maciel, a geração de pais da atualidade está mais atenta a esta questão, que não entrava com força em pautas há cerca de 15 anos, por exemplo. O crescimento da Internet, com suas diversas possibilidade de acessos, pode ter sido um fator relevante nessa mudança de comportamento a partir do olhar dos pais para seus filhos.

"Eles perceberam a importância de observar os conteúdos que estão favorecendo o processo de adultização, uma vez que as crianças são extremamente observadoras e se apropriam do que consomem em termos de música e vídeos. Por estes meios podem aprender valores reproduzindo padrões de linguagem e construindo sua autoimagem baseada em uma noção de corpo que não é seu, mas, sim, de um adulto, imprimindo precocidade no processo de desenvolvimento infanto-juvenil. Isso, sim, tende a ser prejudicial", explica a psicóloga.

Mas, antes de problematizar de um modo geral e condenar conteúdos de contexto erótico, Catarina analisa o diálogo e instrução sobre os limites do corpo de acordo com a faixa etária como uma boa saída. "Além da proibição ou total permissividade, é relevante trazer a possibilidade de verificar se a criança realmente entende o significado de tal coisa que está assistindo e dialogar de acordo com a faixa
etária", comenta.

Os assuntos que giram em torno da analise do É O Tchan nos dias de hoje também poderiam render outros diversos olhares e direções. A mensagem que fica, possivelmente, é de uma atualidade que, em meio à nostalgia que o grupo traz para os palcos, ainda nos dias de hoje levanta, com mais clareza, as discussões por trás de letras, músicas e performances. De diferentes formas, olhares e sentidos.

 

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