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Ataques são um contrafluxo às conquistas democráticas
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Ataques são um contrafluxo às conquistas democráticas

| REDES SOCIAIS | Conectividade influencia nos ataques a jornalistas
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"As mulheres sempre tiveram seu espaço de fala e autonomia desacreditados, o que temos de diferente agora é que estamos em um momento de contrafluxo às conquistas democráticas dos últimos anos", opina Cynara Mariano, professora de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). "O que observo são ataques que se voltam não só contra as mulheres, mas contra todos os 'filhos da democracia". Para ela, desde a Constituição de 1988, o País viveu "muitos anos com políticas públicas relativamente eficientes para a inclusão, defesa e emancipação de grupos vulneráveis" e agora há um período de ataque à democracia.

Em relação às mulheres, Cynara afirma que há uma questão cultural e antropológica a ser compreendida. "Tudo o que é tido como feminino é a negação do que foi constituído como masculino. As mulheres não tiveram autonomia para definir aquilo que as caracteriza", expõe. "Então quando uma mulher se coloca como firme e assertiva, características que nos foram negadas, há uma tentativa de cercear novamente." A professora exemplifica a situação relembrando o poder simbólico alcançado quando Dilma Rousseff assumiu a presidência e um maior número de mulheres foram eleitas parlamentares. "O contrafluxo veio de muitas formas, são exemplos aquela colocação de 'bela, recatada e do lar' e agora as propostas de políticas cerceando a sexualidade."

A cientista social Paula Vieira também aponta o destaque conquistado pelas mulheres como uma das explicações para os ataques. "Quando nosso trabalho e vivências eram invisíveis, não havia motivo para retirar, simbolicamente ou não, a fala das mulheres", afirma. "Hoje, com a inserção das mulheres no trabalho e em posições visíveis, elas têm se sentido mais impulsionadas a falar e se colocar nos espaços de poder. É aí que sentimos a resposta da violência estrutural da dominação masculina - que também afeta os homens."

Outra explicação vem da chamada hipersocialização advinda das redes sociais. Um estudo recente da Anistia Internacional, em parceria com a empresa de inteligência artificial Element AI aponta que, em 2017, a cada 30 segundos uma mulher sofreu algum tipo de abuso no Twitter. Foram analisados 288 mil tuítes enviados a 778 mulheres da política e jornalistas do Reino Unido e Estados Unidos naquele ano. Segundo o levantamento, o foco dos ataques era direcionado a jornalistas e políticas presentes na rede social, mas também atingia usuárias comuns. Além disso, a pesquisa mostra que a chamada "patrulha de trolls" é mais propensa a atacar mulheres negras: elas foram 84% mais mencionadas em mensagens abusivas. Um em cada 10 tuítes mencionando negras era violento ou problemático, comparado a um em cada 15 para brancas.

"Aumentamos o poder de socialização na hiperconectividade e os discursos se ampliam. Quando pessoas que têm alguma identificação com essas práticas as enxergam nesses espaços, se sentem fortalecidas", explica Paula, que é integrante do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia da UFC.

 


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