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O poder de renascer na crise
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O poder de renascer na crise

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Fotógrafa Ethi Arcanjo com a filha (Foto: Igor de Melo)
Foto: Igor de Melo Fotógrafa Ethi Arcanjo com a filha

Em nenhuma intempérie, em nenhum momento, o sentimento de ser mãe se afasta da força de gerir e de cuidar de um novo ser. A força das mulheres que estão por procriar ou que há pouco tiveram seus filhos se mostra mais forte que tudo e sobre tudo. O instinto de proteger e fazer vingar aquele pequeno novo ser ocupa o útero e vai a todos os neurônios. Não existe explicação muito lógica, ou melhor, existe a melhor explicação de todas: a perfeição da nossa espécie para se fazer sobreviver.

Neste especial, contamos realidades que acontecem em qualquer momento, inclusive no de pandemia. O pulsar do amor maternal não para. É sempre forte.

O medo de superar o novo e os próprios medos de falhar como mãe sempre existiram, mas uma energia maior envolve a todas no momento da maternidade, mesmo aquelas que acham que não saberão o que fazer. Acredite: saberão.

Contar como cada personagem aqui retratada demonstra sua força é uma demonstração de um dos milagres mais lindos do ser humano. O poder de renascer na crise, do amor que não titubeia independente das dificuldades. Se não forem elas e incluo a mim, mãe de dois filhos gêmeos lindos, quem irá proteger as novas vidas?

Por isso, hoje, comemoramos essa data escolhida para homenagear cada mãe, biológica ou de coração, pela coragem de honrar a beleza de parir ou criar um novo ser, uma nova pessoa a ganhar asas e seguir seu caminho como mais um vivente desse nosso mundo.

 

Fortaleza em 08 de maio de 2020, A fotografa Ethi Arcanjo com seu filho, para o especial do dia das maes. (Foto Igor de Melo/Especial para O Povo) DOM 10.05.2020
Fortaleza em 08 de maio de 2020, A fotografa Ethi Arcanjo com seu filho, para o especial do dia das maes. (Foto Igor de Melo/Especial para O Povo) DOM 10.05.2020

Quando Marina ri


Em 20 de fevereiro, o Ministério da Saúde ainda monitorava um caso suspeito do novo coronavírus no Brasil. Às 9h20 daquele dia, nascera Marina. Em um hospital particular, na Aldeota, a fotógrafa Ethi Arcanjo, 35, vicejava a maternidade, com a primeira filha nos braços.
O parto não foi natural como planejado, mas a cesariana não sucumbiu a vontade de fazer do nascimento a festa da chegada. Ela nasceu sob uma luz baixa e músicas de Nação Zumbi e AC DC (banda australiana). “Minha filha veio com muita dedicação e persistência”, conta ao lembrar ter sofrido dois abortos espontâneos devido uma trombofilia. Para guardar a miúda no ventre pelos nove meses, tomava injeções diárias de um anticoagulante na barriga.
Um esforço tamanho que parecia não haver mais o que pudesse atingir aquele mundo orbitando os olhos castanhos, cabelos negros e as bochechas de algodão de Marina.
Quando ela completava o sexto dia, o País confirmava o primeiro caso de Covid-19, em São Paulo. No dia seguinte, a primeira suspeita no Ceará. A situação começou a se agravar enquanto Marina crescia, ensaiava os primeiros sorrisos e silenciava o choro estridente quando pai, Igor de Melo, colocava James Brown para tocar. “Quando ela nasceu, o medo já rondava, mas, com o passar dos dias, o cenário foi mudando drasticamente”.
Ethi também se descobria como mãe, vivenciado as alegrias e dificuldades físicas e emocionais, intensificadas pela pandemia. “O puerpério já traz uma enxurrada de sentimentos e transformações. De um lado, o cansaço, a adaptação com amamentação, poucas horas de sono, oscilação hormonal, falta de energia, a surpresa com o novo corpo”.

“Do outro, a preocupação com limpeza, a restrição de saídas, o nervosismo quando alguém aproxima. Os ‘nãos’ indelicados que somos obrigados a dar para as visitas. Um cuidado redobrado com a limpeza da casa”, complementa.
Surgiu “uma saudade de fazer o básico”. Levar a filha para tomar o banho de sol ou as vacinas, que agora são em domicílio, sob um custo elevado. Ir às consultas da pediatra — hoje feitas via videoconferência. O contato físico com os avós e a família que foi tirado, os meses que vão passando sem os abraços.
“Já perdemos vários momentos que poderiam ser celebrados. O meu aniversário, do pai, mesversários dela,”, diz, acrescentando que compensa com a ajuda da tecnologia. “Por videochamadas, convidamos amigos e familiares para participarem de momentos importantes. Ameniza o distanciamento, mas o calor do abraço e o carinho são insubstituíveis”, diz.
“Eu rio de nervosismo ao falar que a Marina vai ser ‘bichinho do mato’ quando sair pela primeira vez e vê pessoas além dos pais. É desesperador não ter a ideia de quando isso vai acontecer”, lamenta.
O primeiro Dia das Mães não será como o sonhado, a maternidade não tem sido fácil, mas o riso de Marina sempre vem desanuviar. “Eu me perdi em muita coisa, me estressei, chorei, ainda choro. Mas, a cada sorriso que ela dá, não importa o quão tarde seja e esteja cansada, sorrio junto”.

  

Juliane Sales
Juliane Sales

Ansiedade por nova vida

Realizar o pré-natal no final da gestação causava receio em Juliane Sales, 18. Afinal, os casos de Covid-19 já tinham chegado em Fortaleza, e ela precisava utilizar transporte público ou de aplicativos para chegar à Unidade de Atenção Primária à Saúde (UAPS) José Barros de Alencar, no bairro Pedras. Assim, cada ida às consultas exigia cuidados como o uso de máscara e álcool gel. Hoje, após o parto, ela tem o cuidado de manter o berço, o carrinho e o bebê conforto constantemente higienizados.

"Se eu pudesse ter deixado ele aqui dentro até passar o coronavírus, teria deixado, mas tê-lo em meus braços é um sentimento inexplicável", conta. Antony Joaquim nasceu há pouco mais de um mês, na madrugada do dia 2 de abril. "Eu estou bem feliz pelo fato de, no meu primeiro Dia das Mães, ele já estar em meus braços, com saúde e alegrando meus dias", conta.

A gravidez, descoberta na oitava semana, não era esperada, pois Juliane tem endometriose, não fez o tratamento necessário e tomava anticoncepcional por conta da dor causada pela doença. "Fiz o teste mais para mostrar que não estaria (grávida). Quando eu vi positivo, não acreditei. Não sabia se ria ou chorava", conta. O sentimento era de não estar preparada para essa nova fase, mas o primeira ultrassom dissipou o receio.

"Vi que era meu rapaz que eu sempre pedi a Deus, e acho que escutar o coraçãozinho me passou aquela paz. Eu passava horas vendo as imagens do ultrassom", lembra. Hoje, com o filho nos braços, a realidade é diferente do que havia imaginado. "Parece que sei o que fazer, sei acalmá-lo quando ninguém mais consegue", diz. Apesar do choque inicial, veio o apoio da família. Hoje, ela mora com André Soares, 30, pai de Joaquim.

Quando passaram as primeiras emoções da descoberta da gravidez, Juliane abraçou a maternidade "com todo amor do mundo". Ansiosa, ela aguardava o final de semana para ir ao centro da Cidade comprar o que tinha planejado e pesquisado, em meio à rotina de estudo, para o quarto de Joaquim. "Para dormir à noite era uma briga. Ficava até umas cinco horas da manhã acordada. Acho que por isso ele me aperreia muito nas madrugadas", brinca.

Em 1º de abril, Juliane já acordou sentindo as primeiras dores e foi para o hospital às 22 horas. Em um parto humanizado, Joaquim nasceu às 3h16min do dia seguinte, com 46 cm e 3,370 kg. "Foi a melhor experiência da minha vida. Queria ter registrado o momento que eu o vi pela primeira vez e o momento em que ele olhava pra mim como se já me conhece há anos. Sem dúvidas, o tal amor à primeira vista é esse de mãe e filho."

A pandemia, porém, ainda não permitiu que a avó materna conhecesse o neto, que só teve a oportunidade de ver por foto e chamada de vídeo. Quando tudo isso passar, junto com a necessidade de manter o isolamento social, Juliane quer levar o filho para conhecer a família. "Eles estavam tão ansiosos para conhecê-lo", diz.

Fortaleza em 08 de maio de 2020, A cerimonialista Denise Martins, posa para foto com seus tres filhos, Amanda(na barriga), Maria Vitoria e Juan Peres, para o especial dos dias das maes. (Foto JL Rosa/O Povo) DOM 10.05.2020
Fortaleza em 08 de maio de 2020, A cerimonialista Denise Martins, posa para foto com seus tres filhos, Amanda(na barriga), Maria Vitoria e Juan Peres, para o especial dos dias das maes. (Foto JL Rosa/O Povo) DOM 10.05.2020

Momentos de incertezas e calmaria na fé

A terceira gravidez de Denise de Paula, 39 anos, tornou-se a mais desafiadora a partir de março deste ano. Ao descobrir a pandemia da Covid-19, a recepcionista de eventos começou a conciliar, em casa, o isolamento social e a licença maternidade. Agora, ela divide a gestação apenas com a mãe e os dois filhos. O namorado ajuda a distância, evitando contato por trabalhar com serviços essenciais.

O maior desafio é a higiene diária. “Álcool em gel direto e higienização em tudo que compramos. Além de água sanitária na casa sempre que alguém entrar” diz. Depois, veio a preocupação com o pré-natal, interrompido por um mês e meio. “No começo da pandemia eu fiquei sem consulta. O médico pegou uma virose e então ele voltou a ficar de quarentena. Mas graças a Deus tá tudo bem” afirma.

Denise revela que o desafio é lidar com a falta de contato e apoio emocional dos amigos e familiares distantes, o que faz do momento algo “totalmente diferente das outras gravidezes” “Antes a gente fazia questão de mostrar a barriga. Nas outras gestações meus amigos acompanharam, eu sempre saia com eles, tirei fotos” conta. As experiências e lembranças anteriores da maternidade trazem a saudade de detalhes como a escolha do enxoval e dos itens de decoração. “Quando você engravida sonha bem direitinho, é totalmente diferente você olhar e pegar do que apenas ver uma foto. Não tem a mesma emoção”, reflete.

Mesmo com a oscilação emocional causada pelos “hormônios à flor da pele”, o sentimento maternal foi capaz de tornar momento ainda bastante especial. Junto com o isolamento de fazer um chá virtual. Há uma semana, a iniciativa já colabora no recebimento de doações em dinheiro e itens importantes para a gestação. “As pessoas ligam ou entram em contato no WhatsApp da loja. Deixei amigos e familiares bem a vontade, quem quiser ajudar ajuda, até porque está difícil pra todo mundo” revela.

Apesar das incertezas do mundo, a contagem regressiva para o parto - agendado para meados de junho - aproxima Denise do carinho com os mais próximos. “Eu prefiro não pensar tanto nisso tudo, mas em ter minha filha. Nem que a gente faça todo o amor e carinho dentro desta casa”. Às outras mães, ela transmite a mesma fé. “Eu acho esse momento que a gente tá passando requer muita fé em Deus e calma. Há momentos em que a gente se desespera por está mais frágil. É entregar tudo na mão de Deus” afirma.

Frase: “Eu acho esse momento que a gente tá passando requer muita fé em Deus e calma. Há momentos em que a gente se desespera por está mais frágil. É entregar tudo na mão de Deus”

 

 

Fortaleza, Fotos do arquivo pessoal de JCamila Silveira, para o especial de dia das maes. (Foto Arquivo Pessoal) DOM 10.05.2020
Fortaleza, Fotos do arquivo pessoal de JCamila Silveira, para o especial de dia das maes. (Foto Arquivo Pessoal) DOM 10.05.2020

Daqui a quatro semanas

Camila Silveira só foi sentir a falta de um liquidificador em casa quando precisou ficar em isolamento social obrigatório por causa da gravidez. Daqui a quatro semanas, a companhia de Gael será presente em sua vida e a de sua família em meio aos cuidados com o novo coronavírus. Para a assessora, vivenciar momentos integrais no lar, antes tido apenas como um dormitório, é uma sensação única. Afinal, quem estava preparado para lidar com o conforto e o confronto de estar em casa?
O malabarismo entre os cuidados com Eva, a filha de dois anos, com o teletrabalho e com a gravidez gera uma insegurança em Camila, que vem relatando a rotina diária de gravidez em meio à crise sistemática de saúde em um diário, que pretende ler para Gael quando o menino bem entender a situação. Como a boa cearense que é, escreve sobre a saudade de estar “encangada” com familiares e amigas e justifica o motivo do filho não ter tido o famoso chá de bebê. “Enquanto isso, tento lidar escutando uma boa música e curtindo um pouco mais de tudo. Estamos cuidando de tudo o que podemos”.
O poder, mesmo que tido como obrigatoriedade, de estar em casa traz a tona a necessidade de vivenciar momentos pequenos e detalhes a todo instante. A união virtual entre as mulheres de sua vida ajuda a lidar com a saudade, mesmo que nada se aproxime de um carinhoso abraço ou da companhia durante o parto, que estará suspensa devido à alta possibilidade de contágio. Por hora, Camila percorrerá esse caminho sozinha.

Em meio às incertezas e indecisões futuras, conseguir acompanhar integralmente a rotina dos filhos em casa vem sendo um exercício diário gratificante. "Nesses tempos antes da pandemia, passamos a terceirizar redes de apoio. Cuidar integralmente de Eva e Gael é uma oportunidade que eu nunca achava que teria em minha vida".

A pandemia ensinou a mamãe de segunda viagem a enxergar a brevidade do tempo e a dar mais importância às trilhas da vida. Organizar virtualmente as compras além se adaptar a nova rotina são alguns dos eventos que fizeram a também militante pelos direitos humanos se emocionar por causa das circunstâncias da pandemia. Para o futuro, pretende comprar um novo liquidificador para fazer uma torta e voltar a se “encangar” com amigas e familiares. Mas, por enquanto, vem nutrindo em si e em Gael a sensação de que as coisas vão melhorar e de que tudo isso vai passar quando chegar o então esperado momento, daqui a quatro semanas.


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