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Quarentena: o que aprendemos até aqui?
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Quarentena: o que aprendemos até aqui?

Mudanças nos hábitos de consumo, novos olhares para os relacionamentos, cuidados com a saúde e transformações no uso da tecnologia passaram a acontecer em dois meses de isolamento
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Dona Leda: cada vez mais conectada (FOTO: AURÉLIO ALVES) (Foto: Aurelio Alves/O POVO)
Foto: Aurelio Alves/O POVO Dona Leda: cada vez mais conectada (FOTO: AURÉLIO ALVES)

Já se passaram dois meses desde que a rotina dos cearenses começou a mudar em decorrência da pandemia de Covid-19. No dia 16 de março, o Governo do Estado publicou o decreto que suspendeu atividades como eventos que reunissem mais de 100 pessoas e aulas presenciais de instituições públicas. Desde então, outras medidas passaram a ser adotadas, e a população foi convidada a ficar em casa.

Muitos encontraram no distanciamento físico a motivação que faltava para adquirir novas habilidades. É o caso da pedagoga Sônia Maria Araújo Gonçalves, 61, que precisou aderir ao home office e aprender a participar de videoconferências, enquanto antes usava o celular apenas para contatar familiares pelo WhatsApp ou pelo Facebook. Ao mesmo tempo, a necessidade de realizar atividades remotamente faz emergir a desigualdade social do País, pois nem todos têm acesso à internet e, consequentemente, às mesmas oportunidades.

Esse contraste de realidades existentes no Estado, no País e no mundo torna-se ainda mais visível quando as medidas para se proteger do coronavírus exigem hábitos básicos de higiene. Três bilhões de pessoas em todo o mundo, 40% da população, não tem lavatório com água e sabão em casa, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Para quem tem acesso aos itens essenciais, o cuidado com a troca de roupa ao chegar em casa e com a higiene das mãos e das sacolas de compras, por exemplo, mudou completamente. Atenção total com a saúde.

As relações interpessoais também são afetadas, quando se vive um momento de tantos sentimentos despertados ao mesmo tempo. Compartilhar preocupação, ansiedade, dúvidas e medos com quem divide o mesmo teto pode ser fator de união. Quando as direções são opostas, segundo a psicóloga e professora Susana Kramer, vice-coordenadora do Laboratório de Relações Interpessoais (L’ABRI) da Universidade Federal do Ceará (UFC), os laços podem enfraquecer. O fato é que, antes da Covid-19, as relações já pediam atenção.

Aumentar o tempo na cozinha e se arriscar na execução novas receitas também tem sido comum durante a quarentena. A impossibilidade de sair de casa para realizar atividades antes costumeiras, como almoçar ou jantar em restaurantes, melhorou a rotina alimentar na casa do pedagogo Emerson Rezende Albuquerque, 31, e despertou a consciência para gastos supérfluos. No contexto em que tantos brasileiros já foram afetados financeiramente ou temem perder o emprego, as prioridades e os hábitos de consumo mudaram.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 15.05.2020: Carlos Delano, professor que mudou hábitos de higiene após o coronavírus .   (Fotos: Fabio Lima/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 15.05.2020: Carlos Delano, professor que mudou hábitos de higiene após o coronavírus . (Fotos: Fabio Lima/O POVO)

CUIDADOS DO DIA A DIA COM A SAÚDE

Por Filipe Pereira

A pandemia do novo coronavírus no Brasil, sem dúvidas, impõe aprendizados consideráveis no cotidiano domiciliar. Um deles é a preocupação com a saúde pessoal no dia a dia, apontada por organizações internacionais como um dos principais métodos para evitar contágios. A cada orientação que chega aos lares, mudanças bruscas acontecem.

É o que vive o professor Carlos Delano Rebouças, 46 anos. Há quase dois meses vivenciando o isolamento social, foi em casa que os hábitos começaram a mudar drasticamente junto com a família, a esposa e dois filhos. Agora, as poucas saídas de casa exigem atenção à caixa de luvas e ao álcool em gel presentes na porta de entrada. "Somos quatro e isso é algo que não nos deixa esquecer da questão do cuidado", afirma.

Segundo Delano, são rígidas as medidas de higiene, prioridade no momento. "Passamos a ter mais cuidados com utensílios domésticos, adotando até garrafinhas (para cada um). Temos o cuidado de lavar as mãos, sempre com o hábito de usar antissépticos, como o asseptol, além do uso de álcool em gel. Já as luvas descartáveis são sempre usadas no descarte de lixo," diz.

O mesmo vale para as roupas, geralmente lavadas de forma coletiva. "Na hora que chegamos temos um local para o descarte da roupa. Adquirimos o sistema de lavagem de várias ao mesmo tempo e logo depois a regra é tomar um banho de imediato", relata. A higienização pessoal, segundo ele, acontece já sem os calçados, que ficam sempre próximos à porta de entrada.

A atenção para a alimentação também foi reforçada, principalmente devido aos "bombardeados aplicativos", que, segundo Delano, podem causar hábitos não saudáveis. "Apesar de não ter idade de risco, tenho sobrepeso, então a minha alimentação sempre foi um problema. Bateram muito na tecla aqui (em casa) e hoje passei a ter mais consciência dos efeitos da obesidade."

A família toda, segundo ele, procura sempre se atualizar dos efeitos e cuidados que a Covid-19 exige. "Temos um grupo da família de WhatsApp onde compartilhamos informações de higiene e segurança. Estamos nos percebendo com mais compromisso e consciência. Quando alguém descuida, o outro chega e puxa a orelha", afirma.

Segundo o psicólogo clínico Raymundo Neto, os sentimentos de cuidado na pandemia são importantes à medida que alertam a população para uma situação real e que exige medidas constantes. "O que a gente precisa entender é que negar a realidade é uma grande falha, pois assim acabamos vivendo uma fantasia. Quando buscamos agir em função de situações reais, a gente consegue ter uma segurança maior para agir no presente", avalia.

O especialista, todavia, alerta que a busca exagerada pelo sentimento de controle ou segurança pode trazer prejuízos à saúde mental. "Tive uma notícia de uma mãe que estava lavando um pão carioquinha. Devido às incertezas, é possível querer antecipar um fato futuro para o presente, que pode ou não acontecer. Assim, querendo o sujeito controlar o que pode ser incontrolável", completa. Segundo Raimundo, a adaptação com cuidados é importante, contudo, buscando solucionar situações já presentes.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 15.05.2020:  Ana Karyne e Emerson Rezende e seu filho Ian, empresários que mudaram comportamento após a covid-19. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)..
FORTALEZA, CE, BRASIL, 15.05.2020: Ana Karyne e Emerson Rezende e seu filho Ian, empresários que mudaram comportamento após a covid-19. (Fotos: Fabio Lima/O POVO)..

VIVER COM MENOS PARA VIVENCIAR MAIS

Por Bruna Damasceno

Durante o isolamento social, os almoços e jantares em restaurantes que se repetiam ao longo da semana tiveram de ser suspensos da rotina do pedagogo Emerson Rezende Albuquerque, 31, da professora Ana Karyne Fernandes, 29, e do pequeno Ian, 2. As refeições agora feitas em casa são mais saudáveis e econômicas. O que antes parecia ser um momento de lazer já não faz mais sentido e não voltará a ser como antes mesmo quando os estabelecimentos abrirem as portas novamente.

"Estamos nos alimentando melhor em casa e gastando menos. Bateu o start. Decidimos economizar e priorizar as viagens, além disso, poupar para emergências como essa que estamos passando", relata Emerson. Os custos dessas saídas, que tinham frequência média de três vezes na semana, agora serão redirecionados para idas ao litoral e serra do Ceará, e à primeira viagem internacional da família, que será para Portugal.

Eles também começaram a reavaliar todos os gastos que ultrapassam o necessário. A meta é alinhar as finanças. "Queremos zerar o cartão de crédito e ter dinheiro guardado para quando acontecer situações como essas." Os equipamentos eletrônicos serão os primeiros a saírem das listas de compra.

Emerson relata que o isolamento social traz situações emocionais complexas e, às vezes, surge o impulso de comprar algo, mas a consciência do consumo, a relação com o tempo e meio ambiente são mudanças que despontam na quarentena. "O isolamento gera uma ansiedade. Mas percebemos o que é mais importante e queremos investir em viagens e vivências que estimulem o desenvolvimento do Ian", acrescenta.

O pedagogo não está sozinho. Muitos consumidores mudaram a percepção neste período. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Industrial (CNI) mostra que três em cada quatro pessoas vão manter redução no consumo adotada hoje no pós-pandemia.

Parte dos novos hábitos foi forçada pela perda ou diminuição da renda e, também, pelo risco dessas possibilidades. Metade dos trabalhadores (48%) tem medo de ficar sem emprego. Somado ao percentual daqueles cujo temor é médio (19%) ou pequeno (10%), o índice chega a 77%. Muitos já foram atingidos financeiramente pela pandemia.

Do total, 23% já perderam totalmente os ganhos, outros 17% tiveram redução do salário. O estudo, realizado pelo Instituto FSB Pesquisa, ouviu 2.005 pessoas (a partir de 16 anos) de todas as Unidades da Federação, entre os dias 2 e 4 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Além dos aspectos socioeconômicos, os ambientais, que já eram importantes para o consumidor contemporâneo, agora se reafirmam. Professor do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves explica que desponta um olhar mais crítico. "O acesso ao supérfluo está restringido. Claro, não desaparece porque tem o comércio eletrônico que ainda dá vazão às compras, mas as pessoas estão mais cuidadosas", aponta. Este cenário gera um processo de conscientização associada ao instinto de sobrevivência.

Aécio avalia como uma idiossincrasia influenciada pelos episódios vistos em meio à quarentena obrigatória, como o ressurgimento das tartarugas na Baía de Guanabara, o ar de São Paulo menos poluído e as águas límpidas nos canais de Veneza, na Itália. "Isso vai fortalecer esse movimento do consumo consciente e ele vai crescer bastante no pós-Covid."

Para o escritor e consultor empresarial, Alexandre Teixeira, as transformações observadas hoje são resultado da aceleração de um movimento mercadológico já em curso, e, embora ainda seja cedo para assegurar que serão mantidas com a mesma intensidade após a crise, a tendência é que tenham mais capilaridade que antes. Dentre elas, a pressão do consumidor sobre empresas que têm responsabilidade social.


“Os empresários que adotaram uma postura de minimizar os riscos da pandemia estão falando para uma minoria. As que estão buscando esforços para para serem a solução e não parte do problema, estão tendo visibilidade pela postura cidadão”, pondera, adicionando que, no Brasil, o boicote às marcas ainda não é uma realidade, mas isso pode gerar mais exigências durante a compra.

A doutora em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professora da UFC, Claudia Buhamra, frisa que pesquisas atuais refletem as instabilidades diante do isolamento social. Portanto, não há como prever o comportamento na volta das atividades.

Ela acredita que o nível de consumo será o mesmo, sendo reduzido apenas para parte da população desempregada. Os que mantiveram o padrão da renda serão, no entanto, mais seletivos. “As empresas estão tendo a oportunidade de mostrar que têm alma. As que estão se
mostrando isso neste momento serão as escolhidas amanhã. Eu vejo uma grande mudança no comportamento, mas não pela quantidade e sim pela escolha das marcas de maior consciência de sustentabilidade”, pontua.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 13-05-2020: Dona Sonia Gonçalves, foto para o DOM, Sobre o que mudou na vida em relação à tecnologia nessa pandemia. (Foto: Aurelio Alves/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 13-05-2020: Dona Sonia Gonçalves, foto para o DOM, Sobre o que mudou na vida em relação à tecnologia nessa pandemia. (Foto: Aurelio Alves/O POVO)

DESCOBERTAS PARA A VIDA TODA

Por Lais Oliveira/ Especial para O POVO

A pedagoga Sônia Maria Araújo Gonçalves, de 61 anos, nunca esperou um dia precisar fazer home office. A pandemia fez ela deixar a rotina na assessoria técnica da Coordenadoria de Protagonismo Estudantil da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc), onde trabalha há 25 anos. As dúvidas eram recorrentes no começo, mas Sônia garante que já "tira de letra" as webconferências, até então desconhecidas. Na quarentena, a internet foi ainda mais incorporada ao cotidiano de quem está em casa; oportunidade de descoberta e aprendizado.

Antes o celular era só para contatar os familiares no WhatsApp ou no Facebook. Hoje Sônia comemora sua mais recente descoberta virtual participando de uma live na qual comentou sobre a experiência da aprendizagem cooperativa. "Fiquei muito nervosa, mas deu certo. Quando terminei, me senti mais realizada. Estou me sentindo mais jovem e isso é muito bom", relata.

Agora, a pedagoga é quem ensina o "bê-á-bá" da cultura tech aos familiares menos experientes, entretanto ela confessa que a adaptação teve seus reveses. "Tive que aprender e fui me virando. Nos primeiros dias eu era tão nervosa! Achava que ia cair o sinal e não ia ter mais jeito", conta aos risos. Com a ajuda do genro e da filha, ela entendeu que o temor não era necessário.

Para o futuro, quando se aposentar, Sônia já faz novos planos: abrir seu próprio restaurante, divulgar na internet e convidar a clientela mais próxima via chamada de vídeo. "Abri minha mente. Antes eu não tinha essa ideia, acho que esse foi um aprendizado."

Diferentemente de Sônia, a aposentada Maria Leda Lopes Menezes, 70, já estava habituada às videochamadas. Por causa de um dos filhos que mora na Alemanha há 12 anos, ela se sentiu “na obrigação” de adentrar no universo digital antes mesmo da pandemia. “Para mim foi muito importante porque o relacionamento ficou mais próximo. A saudade, de alguma forma, diminui porque a gente tá sempre em contato”, aponta.

Porém, quando veio o confinamento, Leda percebeu que ainda havia o que “aprofundar e crescer” na área. Ela descobriu com a ajuda da filha, Juliana, que era possível acompanhar as missas transmitidas ao vivo pela paróquia que frequentava. “Eu nunca tinha usado Instagram. Agora eu uso mais, assisto à missa, rezo meus terços. Tenho até valorizado mais [a tecnologia]”, diz.

Para Leda, entretanto, o uso dos eletrônicos pede equilíbrio. “Não sou de passar o dia todo ‘pendurada’ no celular não”, avisa. Para levar os dias de tensão com mais leveza, a aposentada organiza o dia a dia entre ler, rezar e conversar com os familiares e amigos que estão longe.

Assistir aos filmes da Netflix também tem ajudado a enganar o tempo, mas Leda garante que a experiência não se compara com a ida ao cinema, uma das coisas que mais sente saudade. Como pessoa idosa e hipertensa, ela está no grupo de risco da Covid-19 e sabe que o melhor a se fazer no momento é ficar em casa.“É preciso ter muita calma e serenidade para lidar com a situação atual”, ensina.

Democratização no acesso à tecnologia ainda será desafio

Reencontrar os familiares à distância, realizar uma consulta virtual, fazer compras pelo aplicativo do supermercado ou mesmo solicitar o auxílio emergencial do Governo Federal. A necessidade de estar presente na esfera online, como teve Sônia,  e de ter acesso à internet se evidenciou com a pandemia, expondo também como a desigualdade atinge quem está do outro lado do abismo digital no Brasil.

A professora Lis de Maria Martins, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), considera que o cenário atual pode abrir caminho para o reforço às políticas públicas de acesso democratizado às tecnologias. O País ainda tem 20,1% da sua população sem acesso à internet, segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada com dados de 2018.

Para a pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Multimeios da UFC, outro ponto é o diálogo suscitado entre gerações de jovens conectados com os idosos, "colaborando para a inclusão digital desses sujeitos sociais". "Creio que estamos incorporando essa 'cultura' de distanciamento social necessária. Talvez levaremos um tempo para retomarmos aos abraços apertados, e as relações virtuais sejam reforçadas. Penso que, após a quarentena, teremos incorporados outros modos de sentir, estar, viver no e com o mundo."

 

FORTALEZA - CE, BRASIL, 15-05-2020: juliel e Lygia começaram a morar juntos à 5 meses e durante a pandemia estando 24 horas juntos a conhecer ainda mais um ao outro. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)
FORTALEZA - CE, BRASIL, 15-05-2020: juliel e Lygia começaram a morar juntos à 5 meses e durante a pandemia estando 24 horas juntos a conhecer ainda mais um ao outro. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)

O DESAFIO DE OLHAR MAIS PARA O OUTRO

Por Flávia Oliveira

Whindersson Nunes e Luísa Sonza, Anitta e Gabriel David, Mariana Ximenes e Felipe Fernandes, Timothée Chalamet e Lily-Rose Depp...os nomes são conhecidos por muitos, posto que são celebridades, mas dessa vez, as notícias deles foram em relação a uma mesma coisa: a separação. Os prováveis motivos? Desentendimentos anteriores agravados pela convivência forçada da quarentena e o fato de que as relações precisavam de mais atenção e cuidado.

"Amor, então, também, acaba? Não, que eu saiba. O que eu sei é que se transforma numa matéria-prima que a vida se encarrega de transformar em raiva. Ou em rima." O poema de Paulo Leminski bem que poderia servir para ilustrar não só a vida desses casais, mas também a história de muita gente comum que, de uma hora para a outra, se viu atada à rotina doméstica, ao cuidado dos filhos, aos trabalhos feitos de casa e ao confinamento 24 horas por dia com o(a) companheiro(a), algo que pode, a exemplo do poema, servir de catalisador para a separação ou união.

Para Juliel Veras, 23, e Ligia Freitas, 27, o isolamento social os acertou em cheio. Namorando há três anos e meio e morando juntos há apenas cinco meses, o casal viu a rotina mudar radicalmente: em vez de se encontrarem apenas no começo e no final do dia, depois de uma longa jornada que envolvia trabalho e aulas na faculdade, o publicitário e a jornalista agora passam juntos semanas a fio, separados apenas pela sala de estar. Negociações para decidir quem vai para a cozinha ou de quem é a vez de fazer a faxina são recorrentes, e alguns desses impasses só são resolvidos quando os jovens decidem pedir uma pizza para cumprir a missão de jantar.

"A gente gostava muito de estar um com o outro, mas estar nesse contexto, em isolamento, é um verdadeiro desafio. Com a convivência prolongada, descobrimos pequenos detalhes de cada um, como o fato de que ela fica irritada bem rápido e de que (segundo ela) eu sou bem mais bagunceiro do que imaginava", brinca Juliel. "Mas de modo geral, nos descobrimos mais próximos um do outro, respeitando nossos espaços e dividindo melhor as tarefas", avalia.

Para a psicóloga e professora Susana Kramer, vice-coordenadora do Laboratório de Relações Interpessoais (L'ABRI) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a quarentena tem efeitos diferentes de acordo com as dinâmicas anteriores dos casais: "Se eles sempre queriam uma oportunidade de estar mais em casa e não se sentem apavorados na pandemia, por causa do medo de adoecer, o isolamento pode ter um efeito benéfico na vida dos dois, que é aumentar a união. Ou mesmo que se sintam ameaçados, se eles se unirem nos cuidados, na busca de formas de lutarem juntos para saírem dessa, isso também vai uni-los mais, porque existe um objetivo comum", explica.

Juliel e Ligia trabalham, faxinam, cozinham, cuidam do cãozinho Pingo e do James, o filhote de gato que adotaram. Discutem, como qualquer casal, mas estão aprendendo a fazer leituras de si e do outro de forma mais precisa. Ainda que possuam somente cinco meses juntos, o que na tradição de bodas seria apenas chamada "de chocolate", os jovens têm alcançado o que muitos não conseguem: tornar a vida mais doce em meio ao caos.

 

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