"A gente viveu um sonho", relata a professora Maria das Dores Gomes, 45, lembrando da chegada das águas da transposição do rio São Francisco em Jati. "Foi um deslumbramento com tanta água, tanta beleza. Era a esperança de outra vida, outra agricultura", diz. Na última sexta-feira, no entanto, ela e outros dois mil moradores do município viram o sonho, inaugurado em junho após 12 anos de obras e quatro presidentes, se transformar em pesadelo.
Era fim de tarde, por volta das 16h30min, quando Maria saiu para caminhar com a filha. Já na esquina de casa, no Centro de Jati, percebeu movimentação estranha entre os vizinhos. "Algumas pessoas já estavam discutindo, outras saindo de casa. Um falava que a barragem ia romper e o outro dizia que era mentira, que era fake news. Só um tempo depois que veio gente voltando de lá, dizendo que era verdade. A partir daí, foi um desespero", conta.
Para a fisioterapeuta Kamilla Bezerra Dantas, 25, sensações mais fortes foram de confusão e desamparo. "O pessoal ia passando de moto e gritando que a barragem ia estourar, aí a gente depressa já saiu correndo, só com a roupa do corpo mesmo. Sem rumo, sem saber para onde ir, só seguindo o bolo mesmo. Alguns apontavam para pontos mais altos e a gente ia correndo para ver se arrumava um jeito de escapar. Parecia que a água viria a qualquer hora", recorda.
Kamilla diz que alguns pontos da cidade receberam sirenes e alto-falantes durante a obra da transposição, mas que os equipamentos não foram acionados na sexta-feira. "Era uma sensação desesperadora. Era muita gente gritando na rua, pedindo ajuda. Tinha gente que não podia sair de casa, porque tinha gente acamada. Quem tinha carro ou moto pegou a família e foi embora, quem não tinha gritava por ajuda, não tinha nenhuma assistência."
Ao todo, cerca de dois mil moradores de Jati foram evacuados da cidade na noite da última sexta-feira. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o procedimento se deu de maneira "preventiva", não existindo risco de rompimento da barragem do município.
Maria das Dores e Kamilla, ambas refugiadas na casa de familiares no município vizinho de Penaforte, relatam que o principal problema foi a ausência de fontes oficiais de informação. "A impressão é que não tem nenhum órgão aqui para dar esclarecimento de nada. Só alguns funcionários, como vigias. Engenheiros, técnicos, essas coisas, nenhum mora aqui", diz Maria das Dores.
"Ninguém dormiu da sexta-feira para sábado, só as crianças porque não sabíamos se a qualquer momento a barragem ia romper e arrastar as casas. E acho que ninguém vai dormir tão cedo, porque não é uma coisa que a gente vá esquecer fácil, essa sensação."
Kamilla, que está com a família desde sexta-feira na casa de uma tia, com cerca de outras 20 pessoas, corrobora: "Mais ou menos em julho, chegou a circular um carro de som anunciando que, depois da situação do coronavírus, nós teríamos um treinamento em caso de emergências. Mas isso nunca aconteceu. Na sexta-feira, não houve nenhuma informação oficial, então deu espaço para muito medo, ficou tudo muito incerto", diz.
Segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, a maioria da população de Jati foi para a casa de familiares em municípios vizinhos. Cerca de 100 moradores, no entanto, não conseguiram encontrar abrigo e foram encaminhados para escolas da região, hotéis ou pousadas.(Carlos Mazza)