A vida foi, aos poucos, perdendo a razão de ser. Zilar Amaro deu de um tudo e instruiu, com afinco, os cinco filhos e ajudou no que podia na formação dos netos. Não porque esperasse recompensa. Mas porque assim desejava fazer. Com os rebentos criados, agora a mulher de 60 anos pôde se dedicar ao afazer que elegeu: a massoterapia holística. “Fiz o curso já adulta e me encontrei ali”, comemora. Os riscos da pandemia do novo coronavírus havia fechado temporariamente os atendimentos no Movimento de Saúde Mental Comunitária, no Bom Jardim, onde Zilar atendia, e aberto feridas que ela achava que havia cicatrizado, como a depressão.
“Eu não conseguia dormir. Passava a noite inteira rolando na cama. Minha sanidade estava no limite. Foi muito, muito ruim”, conta. No início da pandemia e do isolamento social, em março deste ano, o temor da massoterapeuta se concretizou. O ficar isolada em casa com o marido, e sair das atividades da rotina trouxe como presente de grego o retorno da depressão e da ansiedade. “Fechar a clínica foi como um banho de água fria. Eu não podia sentar na calçada, não podia encontrar as minhas amigas, não podia fazer mais nada. A gente sabia que era importante e fundamental (o distanciamento social), e entendia essa razão. Mas deixar de beijar e abraçar seus netos é ruim demais”, diz.
Não poder sentar com a cadeira na calçada era, para a mulher, uma tortura. O acalento vinha quando as netas Vitória, 14, e Ariele, 8, apareciam na janela da avó para perguntar se estava tudo bem e mandar um beijo e um abraço. De longe. Mas a pandemia e o isolamento, de certa forma, aproximou a família. Os filhos que moram em outras cidades e estados agora telefonavam com mais frequência e a conversa toda era feita por chamadas de vídeo. “Antes (do isolamento), eu só usava o telefone para ligar e receber chamadas. Aí tive de aprender a receber chamada de vídeo. Ver meus filhos e meus netos foi bom demais”, felicita-se.
O medo de Zilar tinha uma razão. Ela havia passado, há 20 anos, no ano 2000, por uma das piores experiência da vida, segundo ela: a depressão. A morte da mãe levou consigo a vontade e a esperança. “É muito difícil. É uma briga com você e com o mundo. Você sabe que é uma doença, que você precisa de tratamento, mas não tem vontade nem força para se cuidar.” Calcula, na fala, que não tinha esforço ou estímulo que a fizesse melhorar. “Não era só falta de vontade. É uma doença”, atribui. A mudança veio com a medicação passada por um psiquiatra, sessões de terapia, apoio da família e a realização de algo com paixão.
No período do endurecimento da pandemia, chamado de lockdown, quando estava trancada em casa, dona Zilar se lembrou desse outro momento. Era difícil para a mulher evitar, sozinha, vivenciar toda essa experiência mais uma vez. Porque, ao contrário do que muitas pessoas pensam, a depressão não acontece por falta de vontade. Ao contrário. Querer que alguém se livre do transtorno por vontade própria, de acordo com o psiquiatra e professor da Universidade Sem Fronteiras Rino Bonvini, é o mesmo que desejar curar de um câncer sem tratamento.
“Eu busquei ajuda profissional quando percebi os primeiros sinais. Passava a noite inteira acordada, numa angústia, num desespero…”, conta. Mesmo com consciência, foi muito difícil o transtorno não voltar. Com o retorno às atividades, à academia onde faz esteira, alongamento e ioga, dona Zilar pôde interromper a ameaça. “Precisei tomar medicação, de ajuda da família e dos amigos. Essa doença não é fácil. Foi preciso me sentir útil de novo e estar próxima das pessoas que amo”, comemora.