Para a designer e colagista Maria Rosa, a arte "sempre foi um resgate em meio às vivências problemáticas". Filha única depois dos sete anos, quando seu irmão faleceu, e crescendo no interior de Minas Gerais, buscava no desenho sua forma de expressão. O primeiro contato com a colagem foi na faculdade de Design Gráfico, onde afirmou-se negra e enfrentou diversas expressões do racismo. Em 2015, Maria foi demitida de seu emprego de diagramadora. Decidiu então contar e fazer história em blocos de anotação, cadernos, calendários, adesivos. Surgia o "Arte de Maria", batizado em homenagem a todas as mulheres. Em suas criações, a maioria das representadas é negra: da ex-escravizada Luísa Mahin à atriz Viola Davis, passando pela escritora Conceição Evaristo.
O POVO - Por que trazer mulheres e suas histórias por meio de cadernos e artigos de papelaria?
Maria Rosa - Tenho uma relação afetiva com o papel e não comecei fazendo papelaria, mas com o tempo foi o que mais me identifiquei e segui. A papelaria é apenas suporte para algo maior. Quando terminei a faculdade, tinha o sonho de ser reconhecida como artista. Comecei a me inserir no mundo artístico e de editais e acabei percebendo que é um universo muito tóxico e desleal com quem nunca teve acesso. Então, surgiu a ideia de aplicar minha arte em produtos úteis; dessa forma conseguiria com que ela chegasse até as pessoas levando informação junto. Com o tempo também veio o reconhecimento como artista.
OP - A raça é cada vez mais presente no seu trabalho, tanto nas colagens quanto nos conteúdos das redes sociais. Como tem esse processo para você e como é a recepção do público?
Maria - Minha militância é por raça e gênero e nós somos o resultado da nossa história de vida. Eu cresci sem representação, cresci sem nem saber o que era o negro e o branco, sem me reconhecer por não ter acesso a essa informação. O trabalho que faço hoje é para que outras meninas conheçam nossa história e se sintam representadas de uma forma que eu nunca senti. Quando decidi que meu trabalho seria meu objetivo de vida e que tenho uma grande responsabilidade social com ele, assumi também que minha trajetória seria mais difícil, impregnada de racismo velado, e que perderia muita venda por colocar mulheres pretas e não só o padrão branco que é aceito. Mas tenho criado uma comunidade, um passo de cada vez; tenho criado um espaço de muito acolhimento e tenho percebido uma recepção muito gostosa desse trabalho. Hoje tenho muitas pessoas que me apoiam e estão alinhadas com minha visão de mundo.
OP - O que significa ser artista e empreendedora negra na atualidade?
Maria - Ser transgressora, uma pessoa que não se limita. Significa assumir minha intelectualidade e capacidade pra ir além do que me é imposto. Ser referência para que outras meninas e mulheres pretas entendam que existe essa possibilidade.
OP - "Arte de Maria" tem cinco anos de existência e hoje tem um reconhecimento nacional. Qual o segredo do sucesso?
Maria - Não tem segredo, só trabalho duro, dedicação e persistência. Não tinha muita opção, ou trabalhava muito ou não conseguiria ser notável. Fiz cursos, errei muito pra entender como acertaria, fui pra feira, viajei muito a trabalho para expandir o meu alcance, me dediquei às redes sociais para ter escuta, entre outras coisas. Sempre acreditei na minha capacidade, assim como acredito que toda mulher é capaz de alcançar seus objetivos.
OP - Como você imagina seu trabalho e o impacto dele daqui alguns anos?
Maria - Imagino uma empresa que emprega mulheres e minorias e faz a diferença de uma forma muito mais efetiva. Quero um dia poder contar minha história de vida e influenciar milhares de meninas a se reinventarem e transformarem a sua história de vida em algo muito bonito.
Instagram: @arte.de.maria
Site: www.artedemaria.com