Advogada e co-fundadora da Associação Marta, projeto voltado para a conscientização a respeito da violência contra a mulher, Lara Luna exerce a função de diretora de projetos na organização. A iniciativa possui forte presença nas redes sociais, principalmente no Instagram (@associacaomarta) e no Facebook (Associação Marta), e atua com base nos direcionamentos psicológico e jurídico.
Lara conta que o seu interesse na defesa dos Direitos Femininos sempre foi algo latente em seus planos. A advogada confessa que seu verdadeiro sonho é seguir carreira na defensoria pública e, para isso, atua em projetos como a Associação Marta exercendo a advocacia para aprender por meio de experiências reais.
O POVO - Gostaria que você me falasse um pouco sobre você. Qual função você exerce dentro da Associação Marta?
Lara Luna - Meu nome é Lara Luna, sou advogada e uma das fundadoras da Associação Marta. Inicialmente, eu fazia parte da Diretoria Executiva e era responsável pelo contato da Associação com o público externo, mas, atualmente, sou diretora de projetos. Nessa função, eu sou responsável por gerenciar os projetos desenvolvidos pela Associação, organizar e estipular prazos para execução desses projetos, delegar às associadas e voluntárias atribuições e também por manter as ferramentas de gestão de projetos atualizadas.
O POVO - Por que você escolheu seguir carreira na área do Direito e, mais especificamente, na advocacia?
Lara Luna - Que pergunta difícil! (risos). Eu não tinha muita certeza sobre qual carreira seguir no Ensino Médio —acho que poucas pessoas têm. Por influência do meu pai, que também cursou Direito, decidi fazer. Muitas pessoas me diziam que o Direito poderia me proporcionar um leque de opções, pois eu poderia ser advogada, promotora, delegada, juíza etc. Então seria uma boa opção de curso, pois eu acreditava que com certeza me identificaria com alguma das carreiras jurídicas. Sobre ser advogada, na verdade não foi algo que decidi definitivamente para a minha vida, pretendo exercer essa função apenas por um período, porque meu sonho, na realidade, é ser Defensora Pública, mas, para isso, eu preciso de alguns anos de prática jurídica. Por isso, atualmente sou advogada, para conseguir ser defensora daqui a alguns anos.
O POVO - A sua atuação na Associação influenciou nessa escolha ou você sempre quis ser Defensora Pública?
Lara Luna - Influenciou bastante! Desde o começo da faculdade eu achava a atuação da Defensoria Pública muito bela, mas não tinha certeza se queria mesmo seguir essa carreira. No final de 2019, tivemos a oportunidade de criar a Associação Marta e, como uma forma de conhecer mais os órgãos públicos voltados para o atendimento de mulheres, visitei a Casa da Mulher Brasileira. Tive a oportunidade de conversar com a defensora pública Jeritza Braga do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) e fiquei muito encantada com a atuação do órgão e tive certeza de que queria seguir esse caminho. Posteriormente, tive a oportunidade de estagiar na Defensoria Pública do Estado e achei uma ótima experiência, o que confirmou a minha decisão.
O POVO - Então podemos afirmar que você tem como motivação a defesa dos Direitos das Mulheres?
Lara Luna - Sim, a defesa das mulheres é algo que me motiva bastante a trabalhar mais para fazer a Associação Marta crescer, para que as mulheres do futuro possam de alguma forma estar dentro de uma realidade menos cruel do que nós, mulheres do presente. Nós passamos por tantas injustiças, desigualdades, abusos e violências que o que menos queremos é que outras mulheres passem por isso. Não sei se no futuro vou conseguir atuar nessa área na Defensoria Pública, mas com certeza vou querer contribuir de alguma forma.
O POVO - Qual era o relacionamento entre vocês, fundadoras da Associação Marta?
Lara Luna - Nós éramos amigas desde a época do colégio. Depois passamos para a mesma turma de Direito na Universidade Federal do Ceará e ficamos ainda mais próximas. Quando a Damares (a principal idealizadora do projeto) teve a ideia de criar a Associação Marta, lembrou de mim, porque ela sabia que eu tinha muita afinidade com movimentos voltados para a proteção das mulheres. As outras fundadoras também eram amigas da Damares e também tinham interesse no projeto. Tentamos recrutar meninas de cursos variados para trazer mais diversidade para a Associação.
O POVO - Durante a sua vida acadêmica e profissional, você já passou por alguma experiência desconfortável, como uma ocasião em que você foi discriminada ou desacreditada por ser mulher?
Lara Luna - Sim. Alguns professores são conhecidos por tratarem as mulheres de forma diferente dos homens, ficarem mais próximos fisicamente, tratarem de um jeito mais íntimo (mesmo quando ninguém nem deu essa intimidade), além de fazerem piadas machistas e desconfortáveis. Na faculdade, eu também aprendi na prática o que era o mansplaining e o manterrupting, pois era muito comum eu ser interrompida durante uma fala ou então ser corrigida de forma desnecessária por homens. Na vida profissional, tive muita sorte porque não me lembro de ter sofrido discriminações em nenhum dos meus estágios. Quando me formei comecei a advogar em um escritório composto apenas por mulheres, o que era muito confortável para mim, pois eu sempre tive muito medo de sofrer as discriminações e machismos que muitas amigas minhas advogadas sofriam e ainda sofrem.
O POVO - Você foi uma das organizadoras do projeto Marta Escuta, certo?
Lara Luna - Fui sim! O projeto Marta Escuta é um projeto que envolve todas as diretorias da Associação Marta, mas é executado principalmente pela diretoria de projetos, que fica encarregada de organizar os atendimentos, fazer treinamentos, ficar nos plantões com as advogadas e psicólogas voluntárias, além de recepcionar as mulheres que tenham interesse em nossos serviços. Como é um projeto que demanda muito tempo, já que os atendimentos ocorrem das 8h às 22h, as associadas de outras diretorias também auxiliaram na execução. Além disso, durante a preparação do projeto, contamos com a participação da diretoria de gestão de pessoas para fazer o processo seletivo das voluntárias e com a diretoria de marketing para fazer a divulgação dos nossos projetos nas redes sociais.
O POVO - Como funciona essa colaboração entre psicólogas e advogadas? Vocês trocam informações depois de um atendimento?
Lara Luna - Os atendimentos do Marta Escuta funcionam da seguinte forma: a mulher entra em contato conosco por meio das redes sociais ou pelo nosso número institucional e manifesta seu interesse pelo atendimento. A gente manda um formulário para ela preencher com algumas informações e, logo depois, já a encaminhamos para a advogada ou psicóloga, dependendo do atendimento que ela escolher. Se ela quiser agendar o atendimento para outro horário, também é possível. Assim, a advogada ou psicóloga atende a mulher e, após o atendimento, comentam conosco sobre como foi. Em alguns casos, elas também tiram dúvidas e conversam com outras profissionais pelo grupo que a gente tem. Portanto existe muita conversa entre as voluntárias e as associadas da Associação Marta, de modo que a gente possa sempre proporcionar o melhor atendimento possível para a mulher que nos procura. O objetivo é atender ao máximo as necessidades das mulheres que sofrem violência para que elas saibam que não estão sozinhas.
O POVO - Tinha visto uma fala sua em uma matéria dizendo que a quantidade de atendimentos na segunda edição do Marta Escuta não havia atingido as expectativas e que você esperava uma terceira edição mais forte; isso, de fato, ocorreu?
Lara Luna - Aconteceu! Tivemos mais atendimentos na terceira edição do Marta Escuta do que nas duas outras edições juntas! No total, foram realizados 64 atendimentos nas quatro semanas de Marta Escuta.
O POVO - E vocês têm alguma ideia de como isso aconteceu? A divulgação foi mais ampla?
Lara Luna - Isso. A gente, pela primeira vez, conseguiu divulgar em mídias de maior alcance, como no Bom Dia Ceará e no Jornal Nacional. Antes, a nossa divulgação estava ocorrendo mais em redes sociais, mas percebemos que a maioria das mulheres que precisa de nós não está no Instagram, por exemplo. Muitas delas não tem nem redes sociais, então as divulgações em jornais foram essenciais para a ampliação do número de atendimentos.
O POVO - Durante as quatro semanas de duração do projeto, vocês descobriram algo novo em relação à violência doméstica? Algo mudou desde o início dos atendimentos lá da primeira edição para a terceira?
Lara Luna - Nós percebemos bastante o que eu já mencionei sobre as mulheres que precisam de ajuda não estarem nas redes sociais. Antes, só atendíamos pelo Instagram, mas, pela primeira vez, passamos a atender com um número de WhatsApp institucional e recebemos mais demanda por lá. Percebemos também que as mulheres estão com muitas dificuldades em acessar os órgãos públicos por conta da pandemia. Muitas vinham pedir a nossa ajuda porque não sabiam, por exemplo, como estava funcionando a Delegacia da Mulher. Infelizmente, a pandemia está dificultando bastante o acesso das mulheres à justiça. Muitas vezes a gente encaminha essas mulheres para a Defensoria Pública, por exemplo, mas muitas reclamam da demora do atendimento. Sabemos que a demora agrava ainda mais a situação da mulher em violência.
O POVO - Adentrando agora nessa área jurídica, você pode explicar para nossos leitores como funciona esse aconselhamento jurídico? O que você faz depois de ouvir a mulher atendida? Com qual órgão você entra em contato?
Lara Luna - A assessoria jurídica desempenhada pela campanha Marta Escuta é um serviço de direcionamento e esclarecimento sobre o que a mulher deve fazer diante de seu caso concreto. Então, a mulher conta sua situação para a advogada e a advogada vai orientá-la sobre como ela pode resolver juridicamente seu problema. O objetivo da advogada do Marta Escuta não é fazer acompanhamento de processos nem protocolar nenhum processo para a mulher (ela pode fazer isso, mas só se quiser, não é o objetivo da campanha), o seu objetivo é disponibilizar os contatos dos órgãos públicos que podem auxiliar a mulher no seu caso. Então, por exemplo, recebemos muitos casos de mulheres que sofrem violência doméstica, mas não sabem o que fazer diante dessa situação. Então, a advogada informa à mulher que ela tem direito a medidas protetivas para afastar o agressor do lar; como ela pode fazer para se divorciar; como funciona o processo de guarda, então é um serviço de informação e direcionamento. A gente geralmente não entra em contato com os Órgãos da Mulher, mas, se for necessário, também realizamos esse serviço para ela, situação que já aconteceu antes.