Desde o dia 24 de fevereiro, quando o presidente russo Vladimir Putin invadiu o vizinho território ucraniano, sob o pretexto inicial de proteger regiões separatistas simpatizantes ao seu regime, os dias que se seguiram foram acompanhados de uma rodada sem precedentes (ao menos neste século), de sanções contra um país, não apenas por parte de governos, mas também de dezenas de grandes multinacionais.
A primeira reação veio com o fechamento do espaço aéreo europeu a aeronaves que tivessem partido da Rússia. Na sequência, alguns dos principais bancos russos começaram a ser desligados do Swift, principal sistema de conexão entre bancos do mundo. Mais recentemente, a União Europeia e o Reino Unido anunciaram planos para eliminação gradual da importação do gás e do petróleo russos.
Já os Estados Unidos deram um passo além e anunciaram a proibição da compra desses produtos. A Rússia contra-atacou passando a utilizar sistemas de pagamento e bancários alternativos, notadamente, chineses, bem como barrando a exportação de insumos para países hostis.
Entre alguns dos efeitos imediatos das sanções recíprocas e da guerra econômica, que se seguiu aos enfrentamentos militares no Leste Europeu, estiveram a alta da cotação internacional do petróleo que chegou a superar os US$ 130. Também a moeda norte-americana sofreu valorização no comparativo com outras moedas, incluindo o real.
O mercado de ações foi outro a viver uma gangorra. Na Rússia, então, os primeiros reflexos foram devastadores com quedas históricas na bolsa e na cotação do rublo, além de cidadãos correndo aos bancos para sacar dinheiro. Nem é possível calcular, então, os prejuízos econômicos do lado ucraniano, para além de toda a destruição sofrida.
Para o pesquisador de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais no Rio de Janeiro (IBMEC-RJ), Márcio Fortes, “essa guerra é, muito claramente, uma guerra de custos compartilhados, apesar de termos basicamente apoio logístico e militar, mas sem envolvimento direto de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou dos Estados Unidos."
"Não há o custo direto de envolvimento na guerra, mas há perdas econômicas em todos esses países, advindas do bloqueio de negócios com a Rússia. Na medida em que o Ocidente impõe sanções, efeitos colaterais acontecem.”
Entre esses efeitos colaterais, o pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto, destaca sobretudo, um choque de preços, ou seja, a guerra tende a provocar um processo inflacionário na economia mundial, que já vinha sofrendo com aumentos generalizados, especialmente no campo da energia.
"Tanto na Europa como nos Estados Unidos e, também no Brasil, o preço petróleo, por exemplo, já vinha subindo desde o final do ano passado. A guerra na Ucrânia acelerou esse processo, que inclui todos os derivados do petróleo.”
O engenheiro de petróleo e diretor da RPR Engenharia e Consultoria, Ricardo Pinheiro, lembra que a
a Rússia é um dos maiores exportadores de gás e petróleo do mundo. “Substituir o mercado, que hoje ela possui, é muito difícil. Não é como aplicar sanções ao Irã ou à Venezuela. É tanto que, logo que se falou nas sanções, o preço disparou”, observa.
Ele acrescenta que “a Europa não queria parar de receber o gás russo e, antes de todo o imbróglio, a expectativa era que entrasse em operação um segundo gasoduto que quase triplicaria o fornecimento de gás da Rússia para o continente.”
Outro efeito imediato do conflito entre russos e ucranianos é a oscilação no mercado de capitais. Para o especialista em investimentos da Magnetis, Lucas Taxweiler, é impossível prever as direções tomadas diariamente.
“Vamos ter muita volatilidade nos preços, porque o mercado não sabe como precificar o que está acontecendo. Todos os dias temos novas ameaças, desfechos negativos ou positivos. O investidor que está entrando agora em ativos de risco tem que estar consciente de que este é um setor que vai sofrer e este cenário pode ser mudado no curto prazo ou não”, afirma.
Risco de prolongamento da crise, sequelas da Covid e tendências pós-guerra
Além dos efeitos imediatos sentidos nas primeiras duas semanas de conflito na Ucrânia, desde o fim da Guerra Fria, nunca se havia falado tanto no risco de uma escalada militar de proporções internacionais como agora.
No mínimo, há a preocupação de um prolongamento do conflito nos moldes do que ocorreu no Iraque após a invasão norte-americana ou na guerra civil síria, onde Estados Unidos e Rússia já ensaiavam trilhar caminhos geopolíticos opostos. Some-se a esses temores, um cenário em que o mundo mal experimentava uma recuperação após dois anos de uma pandemia.
Neste sentido, o pesquisador da UFRJ, Eduardo Costa Pinto, ressalta que a economia mundial já estava saindo da Covid-19 cambaleando, com aumento de desigualdade. Para citar o exemplo do Brasil, até 40% do salário-mínimo já estava sendo gasto com energia.
"Com esses novos reajustes anunciados durante a última semana essa proporção vai aumentar. Aqui e ao redor do mundo, se o conflito se prolongar a tendência é que os estados nacionais passem a subsidiar combustíveis, por exemplo.”
Além de eventuais subsídios dos governos, questões como a própria dinâmica da oferta e da procura fazem com que um cenário como o alardeado pelo presidente russo Vladimir Putin, que chegou a cogitar que o preço internacional do barril de petróleo possa chegar a US$ 300 é considerado improvável pelo engenheiro de petróleo, Ricardo Pinheiro.
“É impraticável. O produtor de petróleo também não quer ficar sem seu mercado. Isso só ocorreria se grandes economias entrassem diretamente na guerra”, pontua.
Por falar nisso, há consenso entre os analistas ouvidos por O POVO que a China tende a sair beneficiada da crise. O pesquisador do IBMEC-RJ, Márcio Fortes, afirma que a situação chinesa é muito confortável.
"Ela serve de válvula de escape para a Rússia, enquanto permite que alguns bancos locais adotem sanções alinhadas com o Ocidente. Então, deve se consolidar como potência mundial e, ainda, tem a oportunidade de observar eventuais consequências e alternativas, caso decida futuramente investir sobre Taiwan”.
Curta ou prolongada, guerra vai acelerar transição energética
Outro ponto que é visto como caminho sem volta no pós-conflito entre Rússia e Ucrânia, independentemente da duração das hostilidades bélicas, é a aceleração da transição energética.
Antes vista como uma necessidade de cunho ambiental, por conta do objetivo de reduzir os efeitos das mudanças climáticas, agora a questão é encarada também como um meio de redução da dependência do gás e do petróleo russo e garantir segurança energética.
Neste sentido, o Ceará, que já vinha em negociações avançadas com diversas empresas internacionais, notadamente da Europa, para a implantação de um hub de hidrogênio verde, destaca-se.
Para o economista Jaime de Jesus Filho, “quando os combustíveis fósseis se tornam mais caros, outras fontes de energia passam a ser viáveis e há aumento de investimentos nela”.
“O Ceará pode se beneficiar por ser forte em energias eólica e solar. Além disso, o que até agora foram assinaturas de memorandos de entendimento para investir-se no hidrogênio verde vão precisar sair do papel e sairão, invariavelmente. O que pode atrasar um pouco é a questão da Alemanha, que depende muito fortemente do gás russo e não é possível prever a velocidade com que reduzirão esse consumo”, explica.
Apesar de oportunidades para o Ceará, Jaime de Jesus Filho, que é também pesquisador do projeto Monitor Fiscal, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), vê impactos para a economia local, notadamente no que se refere à arrecadação, com os projetos que preveem redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aplicada aos combustíveis.
“Para cada ponto percentual que você reduz na alíquota do ICMS, há perda de arrecadação da ordem de R$ 145 milhões para os cofres do estado do Ceará”, cita. Ele conclui afirmando ainda que o conflito deve impactar no preço dos alimentos no Estado, que é um grande importador de trigo, por exemplo.