Destaque internacional pela produção de frutas frescas como melão, o Ceará planeja uma transformação no cultivo e investe para dar uma nova cara ao agronegócio do Estado a partir de culturas de valor agregado que impulsionem as exportações e gerem mais empregos de renda elevada.
O investimento pode resultar em um valor bruto da produção (VBP) agrícola de até R$ 11,21 milhões – três vezes maior que o atual.
A estimativa é da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), que tem estimulado estudos e experiências com frutas como mirtilo (ou blueberry, em inglês, ou arándano, em espanhol) e o abacate hass – variedade típica do México e de alto consumo em países latinos e Estados Unidos.
Soma-se à aposta o desenvolvimento de sementes de grãos, como soja, trigo e milho, de alto potencial produtivo. Os itens despertaram o interesse de pequenos, médios e grandes produtores do Estado, e de fora.
O POVO foi conferir essas iniciativas e mostra, a partir de hoje, em episódios semanais, como os produtores cearenses estão lidando com a nova plantação: o investimento inicial, as dificuldades para fazer as tentativas darem certo e os resultados já obtidos.
As histórias do especial Agronegócio Nobre dão nova cara do agronegócio cearense e vêm da Serra da Ibiapaba e de Crateús, com protagonistas diversos, cujo objetivo em comum é o progresso pessoal e do Estado.
"Temos clima, acesso à água e logística excelentes. Temos tudo para fazer uma agricultura moderna. É essa agricultura que a gente quer ver no Estado. Isso gera a possiblidade de viver no meio rural com qualidade de vida e renda boa, e observamos isso em todo o Ceará."Silvio Carlos Ribeiro, secretário executivo de Agronegócio da Sedet
Amílcar Silveira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), valoriza o empenho, alerta sobre a segurança hídrica e reforça: “Eu acredito na cultura de valor agregado e não tem outra saída para nós. Além disso, o mundo precisa de fruta e a gente está na saída do Oceano Atlântico. Resumindo, o Brasil está engatinhando na fruticultura e a gente está no canto correto.”
Com apoio do setor e de posse de estudos feitos por consultores, o cientista-chefe da Sedet e pesquisadores parceiros, Sílvio Carlos selecionou culturas específicas para a realização de workshops e até de transmissões pela internet ao longo da pandemia.
As projeções, segundo destaca, são promissoras. O clima escolhido para cada nova iniciativa permite uma colheita em janelas de exportação competitivas, nas quais os principais produtores estão sem oferta no mercado internacional e os compradores poderão experimentar os itens cearenses.
Além disso, o investimento e determinadas técnicas aplicadas nas novas plantas, em alguns casos, assemelha-se ao que já é feito no Ceará, dando conforto e segurança ao produtor rural. Para completar o cenário positivo, o secretário executivo assegura que há a possibilidade de abastecimento do principal recurso necessário para a garantia das plantações: água.
Principal gargalo para agricultores e pecuaristas, sejam micro ou de grande porte, o volume de água pode ser ampliado em mais de duas vezes para a irrigação, de acordo com Sílvio Carlos. Atualmente, ele contabiliza 80 mil hectares de perímetros irrigados no Estado.
Mas ressalta um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA), em parceria com o Ministério da Integração, que aponta a possibilidade de chegar a 200 mil hectares.
No mundo, segundo o secretário executivo, 70% da água vai para o agro, 20% para abastecimento humano e 10% para a indústria, a depender de zonas industriais e vocação local.
Mas, “o Estado do Ceará tem menos recurso indo para a indústria. Não chega a 60% porque não temos um setor tão forte.” Mesmo dentro desta divisão, a expectativa é que os metros cúbicos (m³) destinados ao agronegócio também devem ser ampliados nos próximos anos.
Um contrato com o Banco Mundial que envolve estações meteorológicas monitoradas pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e a gestão de tecnologia da informação sobre os dados colhidos dos produtores com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado do Ceará (Ipece) serão implantados em 2022 para “uma nova gestão de demanda do setor agropecuário” a partir de 2023.
“Nós tivemos ainda um aporte de 64 milhões de m³ no ano passado e esse ano vai ser mais de 100 milhões de m³ por causa da Transposição das Águas do Rio São Francisco. A ideia é que venha mais água, porque o Rio São Francisco tem condições de ofertar mais água, e o Estado está trabalhando essa nova outorga”, afirma, estimando a ampliação dos atuais 10 m³ por segundo para 26 m³ por segundo.
Foi ciente destas condições que mirtilo, abacate hass e sementes de grãos foram eleitos como novas culturas do agro cearense.
A lógica, segundo ele, é simples: “Se melhorar a eficiência do uso de água, podemos ampliar o cultivo dessas plantas, tendo maior valor agregado numa área menor.” Assim, culturas de grande consumo de água e baixo preço devem ser substituídas, com reflexo também na mão de obra, uma vez que, “como é cultura de trato manual e delicado, o emprego dela é de maior valor agregado, melhor nível salarial.”
“A gente tem muito para crescer e podemos dobrar ou até triplicar nosso valor bruto da produção. Se eu dobrar o plantio com culturas de maior valor, posso triplicar o VBP. Esse é o caminho que a gente tem quer seguir”, arremata.
O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), datado de 2020, estima do VBP agrícola do Ceará em R$ 3.737.596 – montante que representa apenas 0,79% do VBP agrícola brasileiro (R$ 470.481.746). A estimativa de Sílvio Carlos lançaria para o Ceará um potencial de chegar a R$ 11.212.788.
“Foi a primeira coisa que falei: segurança hídrica. Precisa de outorga e reduzir a demora com licenças. Mas o que falta é capital financeiro para injetar cerca de R$ 10 milhões”, avalia Osvaldo Yamanishi sobre os objetivos cearenses. O professor da Universidade Nacional de Brasília (UNB) prestou consultoria para o Estado e é um entusiasta do mirtilo e do abacate hass no Brasil.
Por indicação dele, “pelo menos meia dúzia de grandes empresários”, tanto estrangeiros quanto brasileiros, estiveram no Ceará avaliando o início de alguma dessas culturas nos últimos dois anos. Mas esses dois gargalos apontados por ele fizeram esse pessoal recuar. Em contrapartida, o pesquisador estimulou o cultivo por cearenses.
Os dois produtores rurais visitados pelo O POVO – e que serão conhecidos nas próximas edições do especial Agronegócio Nobre no Ceará – tiveram consultoria de Yamanishi. Desde visitas até troca de mensagens sobre técnicas, compras de insumos e mudas e ainda dicas de comercialização foram dadas para viabilizar o plantio no Estado.
As duas frentes, de atração e estímulo, fazem parte do foco da Sedet neste momento, conta SÍlvio Carlos. Na última semana, inclusive, ele esteve juntamente com a equipe da secretaria no Peru. O país é um dos exemplos no cultivo de mirtilo e abacate hass na América Latina.
“Temos atração internacional, nacional e o estímulo ao interesse local. O secretário Maia Júnior (titular da Sedet) tem nos provocado bastante. Temos que mostrar que temos resultados e que a gente tem potencial de atrair investidores. Mostrar, promover e atrair, seja no Brasil seja no exterior”, diz, acrescentando que possui ainda agenda em feiras em Berlim (Alemanha) e Madri (Espanha) neste ano com esses objetivos.
Perguntado sobre as técnicas estimuladas e a forma como desenvolver as novas culturas sem o uso de agrotóxicos, o secretário executivo afirmou que não desconsidera a possibilidade de estimular o cultivo orgânico, mas que, inicialmente, e para produção em larga escala ainda é inviável economicamente.
“Esse é um caminho que está crescendo, mas que ainda vai demorar principalmente para os grãos, como soja e milho. Para frutas e hortaliças, não, a gente vê um caminho mais rápido voltado para o orgânico. Mas ainda vai ter mercado para os dois”, diz, afirmando que há rigor nas lavouras cearenses que fazem uso dos tóxicos.
De acordo com Sílvio Carlos, o monitoramento sobre o que é feito em todos os aspectos nas plantações garante segurança ao produtor e ao consumidor sobre as frutas e sementes, “até porque o mercado exige.”
“Mas é ruim (o uso de agrotóxicos)? Não. Tem produtos de qualidade, saudáveis e que as pessoas podem se alimentar sem problema. As certificações tratam da preocupação com o produto”, argumenta.
Dentro das possibilidades de ampliar a produção de orgânicos no Estado nesta vertente de culturas de maior valor agregado, ele cita as plantações de acerolas e ainda aponta para o cultivo protegido como uma técnica propícia ao desenvolvimento de alimentos sem agrotóxicos no Ceará.
A técnica permite uma proteção maior das plantas, criadas em estufa e com condições climáticas ideias para o pleno desenvolvimento.
Para isso, o Estado trabalha na conclusão do Centro de Tecnologia em Cultivo Protegido (CTCP). O equipamento está sendo construído em Barbalha, onde operava a antiga usina de cana-de-açúcar.
O investimento foi estimado em R$ 20 milhões e deve reunir especialistas do Estado e até de fora do País para disseminar técnicas modernas aos agricultores cearenses. Na lista de novas iniciativas, cita Sílvio Carlos, estão cacau, hortaliças e aquicultura.
“Já estamos tendo um novo corpo técnico entrando na Ematerce (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará). Pessoal jovem que vem com essa vontade de trabalhar, porque vamos precisar muito deles nessa revolução da agricultura no Estado. Centro de Barbalha está com expectativa muito grande e creio que vai ser referência nacional”, finaliza.
Iniciado há 22 anos, o plantio de flores no Ceará deve ter as experiências de implantação e evolução encaradas como aprendizado no processo de entrada nesta agricultura moderna da qual o Estado quer fazer parte, agora.
Semelhante ao que acontece com mirtilo e abacate hass (culturas abordadas nos próximos episódios), o cultivo de flores era desconhecido pelos produtores locais e a entrada de grandes investidores brasileiros estimulou o negócio e trouxe efeitos positivos para a agricultura local.
O avanço, como recorda o secretário da Agricultura do Estado à época, Carlos Matos, é visto em números: área plantada saltou de 25 hectares para mais de 300 hectares, com valor bruto da produção estimado em R$ 150 mil por hectare.
Dentre os ambientes apresentados, a Serra da Ibiapaba foi o que mais atraiu empresas já consolidadas e de atuação nacional.
A mais conhecida delas, a Reijers – maior produtora de flores do Brasil –, já possuía áreas de plantio e mercado consolidado em Holambra, em São Paulo – cidade referência do setor de flores no País –, mas optou por ampliar a produção a partir de São Benedito, a 347,3 quilômetros de Fortaleza.
O movimento atraiu outras produtoras e, principalmente, estimulou a criação de empresas do tipo no Ceará. Surpreendentemente, a produção de flores no Estado não conta com dados precisos apurados por órgãos federais ou estaduais ao longo desses 22 anos.
Mas, segundo contaram os produtores ao O POVO, consegue chegar em todo o Nordeste e, por algumas temporadas, teve cargas enviadas para a Holanda – principal mercado internacional.
"A gente conseguiu desenvolver a floricultura de uma maneira bem rápida. Em poucos anos, o Ceará se tornou o estado que mais exportava flores cortadas. Estamos falando de um estado que não tinha tradição nenhum no setor de flores. É um feito histórico e uma experiência muito boa."Roberto Reijers, CEO da Reijers
Com a crise internacional, a empresa parou de exportar. Mas voltou atenções para o mercado local. Atualmente, ocupa a posição de maior fornecedora de flores do Nordeste com números expressivos: 150 mil vasos com plantas e 500 mil hastes de flores cortadas por semana. Ao todo, são mais de cem itens no portfólio.
“Nós temos condições aqui de produzir muito mais, muito melhor e muito mais barato que São Paulo. A Serra da Ibiapaba tem grande potencial de produção de flores e plantas ornamentais”, arremata Reijers, apoiado por Carlos Matos, que acrescenta: “Custo de produção aqui é 20% menor que em Minas Gerais e São Paulo e temos mais 1h de Sol e temos mais colheitas que o clima frio.”
À frente da Secretaria de Agricultura do Ceará há 22 anos, Carlos Matos relembra do trabalho de atração das empresas e de como a instalação delas abriu uma nova fase na geração de empregos naquela região. Experiência que, devido aos preconceitos dos homens em trabalhar com flores, gerou oportunidade para a contratação em massa de mulheres.
Mesmo os agricultores mais experientes e capacitados tinham ou enfrentavam preconceito ao trabalhar com floricultura. As empresas, então, ampliaram a participação feminina nos quadros. “As rosas abriram uma avenida para as mulheres”, destaca o ex-secretário, relembrando o período no qual as contratações começaram.
“Elas se destacaram e se adaptaram muito bem à produção de flores. Tanto é que a maioria dos cargos de chefia e coordenação são de mulheres, aqui”, complementa Reijers, sobre o comando das cerca de 500 pessoas empregadas por ele.
Uma delas é Leidiane Azevedo, 39 anos, que começou na plantação e colheita de lisianthus aos 19 anos e hoje é supervisora da roseira. Os pais dela eram agricultores familiares e criaram os seis filhos na lida do campo, o que a ajudou quando ela começou no novo – e único – emprego.
“Meu pai dizia que eu era mais cabra macho que os meus irmãos”, conta aos risos. Dois, dos cinco, inclusive, também trabalharam na Reijers. O trabalho, inicialmente, fez com que as conquistas das pessoas fossem traduzidas “na compra de sofá, fogão, que não tinham.” Em 20 anos, Lady, como é chamada na empresa, ajudou os pais, os irmãos e, hoje, cria três filhos: de 20 anos, 12 anos e 2 anos.
“Hoje, eu tenho a minha casa, tenho a minha moto e tenho minha casa”, orgulha-se. O filho mais velho, Michel, trabalha sob a supervisão dela. Mas, pelo gosto da mãe, isso deve demorar pouco tempo, porque ela quer vê-lo mais dedicado aos estudos, numa faculdade.
Desejo de toda mãe que pode reverter um cenário típico do Interior: quando, sem emprego, o cearense sai de casa para a cidade grande, seja no Ceará ou no Sudeste, atrás de um trabalho com salário melhor, deixando a família aqui.
Este é o cenário que o secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), Sílvio Carlos, quer eliminar com as novas culturas: ter uma mão de obra qualificada, de alto nível salarial e residente no Interior do Ceará.
Somente assim as macrorregiões poderão gozar de desenvolvimento, tendo empresas e profissionais de ponta investindo localmente. E muito do trabalho começa na mudança cultural, como lembra o engenheiro agrônomo colombiano Julio Cantillo.
Responsável por parte da implantação do cultivo de flores na Serra da Ibiapaba, ele relembra que foi uma mudança completa, começando pelos horários. “Aqui, a cidade começava tudo 8 horas. Parava na hora do almoço, retomando 14h e indo até o fim da tarde. Mas flores precisam de cuidados cedo. Começamos 6h, com 1h de almoço, e 15h todos estão indo para casa”, conta.
O profissional prestou consultoria para o Estado do Ceará quando Carlos Matos era secretário e acompanhou a evolução do cultivo de flores em São Benedito, após uma temporada de dois anos em São Paulo – para onde ele foi contratado por uma multinacional tão logo se formou em Bogotá. Assim como as empresas que se instalaram na Serra da Ibiapaba, ele também montou morada lá há 22 anos.
Além da cultura, os avanços técnicos também foram essenciais para o desenvolvimento agrícola da Região, como destaca o ex-secretário de Agricultura do Estado. Ele enumera desde a economia de água até o pós-colheita:
"Aqui, não havia cultivo protegido, hoje tem cem hectares só de flores. A hidroponia começou irrigada em estrato artificial. Se chove 1,2 mil milímetros, eu consigo captar 12 mil m³ por ano e as rosas em hidroponia só consomem 5 mil m³. E também surgiu possibilidade de campo aberto."Carlos Matos, ex-secretário da Agricultura do Ceará
Técnicas assimiladas, principalmente, pelas empresas que cultivam hortaliças. Algumas, inclusive, chegaram a se instalar na região para aproveitar a tecnologia já existente, assim como a mão de obra especializada.
Com a crise de 2015 e a pandemia, Julio Cantillo conta que muitas empresas de flores não conseguiram manter o pessoal trabalhando diariamente na manutenção das plantações e foram vendidas justamente para produtores de hortaliças, com toda a infraestrutura aproveitada, inclusive os funcionários.
Outra possibilidade que a adoção de culturas de valor agregado traz para cidades do Interior é o turismo. Semelhante ao que já se viu no Ceará no Maciço de Baturité, com a Rota do Café, os produtores da Serra da Ibiapaba visualizam, agora, uma rota das flores. Sem apoio de governos, as iniciativas ainda são tímidas e conduzidas individualmente pelas empresas.
Na prática, consiste em um passeio guiado pelas plantações para que os turistas possam fazer fotos, conhecer a produção – muitas vezes desconhecida até pelos habitantes daquela região – e disseminar isso Brasil a fora.
Na Reijers, é planejado um tour com término no café que fica ao lado da “loja de fábrica” e a oportunidade de um novo negócio foi observada justamente porque todo comprador pedia para conhecer as plantações e fazer fotos ao conhecer a empresa.
O mesmo acontece na Flora Fogaça, também de São Benedito. Matheus Fogaça, filho do fundador – um paulista que veio ao Ceará para coordenar a distribuição de flores de outra empresa – conta 7 hectares produzindo e distribuindo flores próprias e de outras empresas pelo Nordeste, com lojas em 4 capitais nordestinas para atacado e varejo.
Mas, na sede, Fogaça prepara a ampliação da loja da fábrica, na qual vende, além dos arranjos, bebidas e comidas típicas da região. O projeto inclui uma praça arborizada com as flores cultivadas por eles e até uma fonte.
*O jornalista viajou para São Benedito a convite da Trainer DG.
Cotado a US$ 5,50 o quilo para a exportação, o mirtilo tem sido alvo de esforços da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará (Sedet-CE) como uma das culturas que podem dar um novo perfil ao agronegócio do Estado.
No mercado nacional, o peso da fruta chega a R$ 100, dependendo da condição – se fresco, seco ou processado em sucos, geleias e mais. O valor agregado tem origem na demanda dos Estados Unidos, principal mercado consumidor, e do interesse de Europa e China nos últimos anos.
O consumo de mirtilo cresceu cinco vezes em dez anos entre os norte-americanos e, mesmo sendo o principal produtor da fruta, 80% de toda a produção mundial vai para os Estados Unidos. Entre plantas silvestres e de cultivo controlado, ainda demanda de outros países, porque os tipos de berries "Berry porque o mirtilo faz parte desta categoria de frutas de cor negra ou vermelha compostas ainda pelo morango, cereja, framboesa e groselha. Mirtilo é o aportuguesamento da palavra blueberry" existentes lá somente produzem em uma temporada do ano.
Pequena e de coloração azulada, a blueberry já foi batizada de fruta da juventude pelos benefícios à saúde identificados por cientistas. Vantagens que impulsionam o consumo do produto mundo afora ao longo de todo o ano, elevando o preço e despertando o interesse de produtores.
Mas não é apenas o valor de mercado que motiva o Ceará a investir nessa cultura, segundo explica Erildo Pontes, coordenador de Recursos Hídricos para o Agronegócio da Sedet-CE. O desenvolvimento de plantas que conseguem ter duas safras no ano com pequeno consumo de água e necessitando de temperatura amena mostraram aos especialistas do Estado que é possível produzir mirtilo em terras cearenses.
"O Ceará está localizado abaixo da linha do equador com luminosidade boa, temperatura de até 35°C e mínima de 18°C, então, é adequadíssimo. Além do mais, a chuva não é bom para plantar mirtilo. A água do subsolo ou do rio é adequada para irrigar. Para se ter uma ideia, por hectare, é preciso metade da água que se gasta no plantio de bananas"Erildo Pontes, da Sedet-CE
Outra vantagem apontada por ele e que deve gerar empregos é que a colheita do mirtilo "ocupa muita mão de obra, porque é uma fruta menor que a acerola e precisa de pessoas para colher, não aceita máquina."
Além disso, amadurece em estágios diferentes nas plantas e não pode ser colhida verde, o que leva o período da safra levar até quatro meses.
Para gerar interesse dos produtores cearenses, Pontes contou que a Sedet investiu em transmissões online ao longo de 2020 que reuniram grupos de agricultores e demais interessados em novas culturas. Nestes ensinamentos, chamaram Osvaldo Yamanishi, professor da Universidade Federal de Brasília (UNB) e pesquisador dessas novas culturas.
Yamanishi conta que há décadas visita o Ceará na tentativa de emplacar o cultivo de plantas como o mirtilo. Entusiasta de novas culturas, ele disse que já chegou a viajar do Distrito Federal para Fortaleza com mudas da planta na bagagem do avião na tentativa de fazer experimentos em terras cearenses.
Perguntado sobre o que o faz investir no Estado como ambiente, ele observa que o desenvolvimento de tipos de mirtilo que permitem a produção o ano todo com variação menor de temperatura abriu margem para que São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal e o Ceará pudessem ser ambiente propícios, onde a produção tem condições de se estender por todo o ano.
Essa possibilidade permite ao Ceará entrar nas janelas de vazio no mercado internacional, segundo o professor. Intensificando a produção entre julho e outubro, poderia atender países enquanto grandes produtores mundiais estão na entressafra. Para ele, o foco precisa ser o mercado internacional:
"Porque o Brasil tem 200 milhões de habitantes e quase ninguém conhece o mirtilo. É um mercado muito restrito e ainda mais porque é caro. Se produzir área grande pensando no mercado brasileiro vai quebrar"Osvaldo Yamanishi, professor da UNB e pesquisador de novas culturas
“Eu já levei empresários de fora mostrando a possibilidade de investimento no Ceará. Mas é questão realmente de alto valor. A pessoa fica com medo”, fala o professor da UNB, Osvaldo Yamanish, sobre o investimento em “escala pequena”, que necessitaria de R$ 10 milhões para uma área de 20 hectares.
A participação do Estado nesse processo, de acordo com ele, torna-se essencial para estimular o cultivo entre os produtores cearenses que já têm as finanças consolidadas, pois ter um investidor de grande porte no negócio dá mais garantia de sucesso ao estabelecimento da nova cultura no Estado.
Esta é justamente a ideia da Sedet, segundo garante Erildo Pontes. Em novembro de 2021, antes da variante Omicron aumentar o contágio no Estado, ele falava em contratar o professor para prestar consultoria aos interessados e fazer “dias de campo” para mostrar o potencial da cultura em terras cearenses.
Os dois dizem ter no Peru uma inspiração. O país vizinho conseguiu atingir US$ 1 bilhão em exportação em 2020 apenas com o mirtilo – valor que o Brasil não faz somando todas as frutas frescas.
O cultivo pelos grandes produtores peruanos foi montado com apoio do governo e, em sete anos, a berry se tornou a segunda fruta mais cultivada.
“Isso que estamos fazendo aqui é brincadeira”, diz Osvaldo Yamanish ao comparar o cultivo no Brasil aos 15 mil hectares onde é plantado mirtilo no Peru. Ele lamenta ainda a falta de apoio que acomete o incentivo a novas culturas no País desde a pesquisa. O professor diz viajar e conduzir experimentos como estes no Ceará sem nenhum apoio da UNB ou do governo brasileiro.
No fim de 2021, inclusive, ele esteve no Peru para um congresso que estudava culturas como a do mirtilo. "Toda informação que vou buscar fora, eu pago com meu dinheiro, com a consultoria que recebo. O que eu já gastei aqui é o meu salário da vida toda, só no mirtilo", compara.
Responsável, inclusive, por custear o projeto que desenvolve na UNB, segundo contou, o professor, agora, espera recursos federais para desenvolver a pesquisa.
"Falaram de R$ 5 milhões em 4 anos, mas é muito pouco. Isso é o que está associada à emenda da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Tenho uma equipe de alunos e estamos focados em buscar informação, dar assistência para fazer o projeto ser um sucesso. São 21 mil mudas para dez produtores plantar em 2022 e replicar até 50 ou 100 produtores, e vamos ter uma escala através de uma cooperativa. UNB está assumindo a assistência técnica e eu vou trazer esse pessoal de fora para dar curso"Osvaldo Yamanish, professor da UNB
Da parte do Governo do Ceará, Erildo Pontes, da Sedet-CE, reforça a intenção de orientação técnica e, atualmente, tenta mapear as iniciativas que se tornaram realidade após as transmissões promovidas pela Secretaria ao longo de 2020 e 2021.
De acordo com ele, há conversas com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para mapear a produção de culturas de valor agregado no Estado. A intenção é trazer mais informações para que o Estado possa montar um projeto de apoio adequado, constatando quantas e em quais estágios de produção estão.
A experiência com mirtilo mais promissora no Ceará apontada pela Sedet está em Ubajara, cidade localizada na Serra da Ibiapaba, a 371 quilômetros de Fortaleza, e é mérito dos esforços do comerciante aposentado Wlyces Duarte.
Dedicado à pesquisa do cultivo da planta, ele se cercou de conhecimento antes de investir em mil mudas, e tem mantido a prática para reaver a aplicação dentro de um ano - o que significa após duas safras.
O interesse, como já contou Erildo Pontes, nasceu em uma das lives do governo cearense com o professor Yamanishi ao longo da pandemia. Depois, Duarte disse ter visto outros vídeos do pesquisador, lido a respeito da cultura na internet e resolveu fazer contato.
Após algumas trocas de e-mail e mensagens pelo smartphone, ficou convencido de que o cultivo da berry em Ubajara é promissor e resolveu investir.
Foram R$ 80 mil na compra de mil mudas de mirtilo do tipo biloxi "Este tipo de mirtilo não requer frio hibernal para produção, é ideal para climas mais quentes e é conhecido por ser mais resistente a pragas. Segundo o professor Yamanishi e Duarte, esse tipo da planta se adapta muito na região de Ubajara porque a amplitude térmica para é essencial. Por lá tem dias que faz 34°C, mas, à noite, dá 18°C ou até 17°C. Então, a planta se adapta perfeitamente porque precisa dessa amplitude" e mais a estrutura para cavar poço profundo, caixas d'água, bombas e encanação para irrigação, além de construir a estufa com terreno de 650 metros quadrados aplainado, mil sacos de substratos para cada muda e a casa de apoio - onde guarda o "alimento da planta."
Com expectativa de que as plantas atinjam a maturidade de produção dentro de três anos ou quatro anos, ele já projeta reaver esse investimento na segunda safra. A ideia de Duarte é vender pequenas bandejas de cerca de 60 gramas na rota que leva para o Parque Nacional de Ubajara, aproveitando o fluxo de turistas.
Ele diz ainda ver oportunidade de entrada do produto em lojas de artigos naturais em Fortaleza e, quando a produção estiver consolidada em larga escala, chegar a supermercados. A marca já tem nome: Ouro Azul. A referência é óbvia, uma vez que o quilo da fruta chega a mais de R$ 100 - a depender se fresca, seca ou até a poupa.
"Mas se eu conseguir atingir a produtividade de 3 a 4 kg por planta, como dizem que é possível, eu consigo diminuir o preço em 40%. Aí o que eu faço? Alargo o mercado", planeja.
Desde a compra, passando pelo transporte, até chegar à lida diária com as plantas, ele teve ajuda do pesquisador da UNB, Osvaldo Yamanish.
"Eu pedi ao professor que me indicasse onde comprar as mudas. Então, entrei em contato com essa empresa de Ponte Nova, no Sul de Minas. O frete rodoviário precisou ser mais ou menos especial. Combinei de ter dois caminhoneiros no trajeto para não parar e se comprometeram a molhar as mudas para que elas cheguem aqui saudáveis. Somente de frete foram mais de R$ 8 mil. Mas, de mil mudas, eu perdi apenas uma. Ou seja, 99% de aproveitamento "Wlyces Duarte, comerciante aposentado e produtor de mirtilo em Ubajara
As orientações de Yamanishi continuaram para a poda das plantas e também como preparar o "alimento", que é uma mistura de itens necessários ao desenvolvimento do mirtileiro misturada na água. A irrigação acontece seis vezes por dia em seis pulsos de três minutos cada um. Em dias mais quentes chega a sete ou oito.
Cada planta, segundo conta, recebe de em torno de 1,5 litro a 2 litros por dia. A estrutura garantiu praticidade ao novo agricultor, que deixa o preparo da água pronto pela manhã e liga a bomba de água quando o alarme do celular toca ao longo do dia. "Não existe agrotóxico nessa história", diz ele de imediato ao ser questionado.
O POVO esteve na propriedade de Duarte em dezembro de 2021, quando as plantas estavam com seis meses de cuidados e iniciavam a primeira safra. Até então, o professor havia visitado a produção por duas vezes, dando orientações a ele.
Sem nunca ter colhido antes, o ex-comerciante se aconselhava sobre o melhor momento de retirar o fruto, uma vez que o mirtilo não amadurece após ser retirado do galho, indo do verde ao podre.
Duarte, inclusive, reforça a necessidade de orientação para o início de culturas tão estranhas ao cearense e defende que essa seria o tipo de incentivo ideal para o Governo do Estado.
“Um dos motivos que eu aceitei a falar com o jornal é para que isso incentive o pessoal da Secretaria de Desenvolvimento a fechar um contrato com esse professor para ele vir a cada três meses e dar orientações”, revela.
Duarte conta ainda que comprou seis plantas pela internet antes de fechar o contrato com a empresa indicada pelo professor Osvaldo. Sem experiência, das oito mudas, recebeu seis de um tipo de mirtilo que não se adaptou ao clima de Ubajara.
"Mas a gente somente consegue notar isso depois que a planta está grande. Comprei seis meses antes das demais por curiosidade, para saber pelo menos se a planta crescia de um cara no Rio Grande do Sul que me garantiu a qualidade, mas não valeu de nada "Wlyces Duarte, agricultor e comerciante aposentado
Mais secas e com as frutas murchas e sem gosto, as plantas estão na estufa, mas a produção não é contabilizada. O estado físico das folhas, segundo Duarte, é porque as mudas não suportaram a poda. "As pessoas que forem fazer uma plantação precisam se certificar que é uma coisa profissional, séria, para não jogar dinheiro fora", alerta.
O espaço deve ser ocupado por outras mudas compradas. Mas Duarte não descarta a possibilidade de fazê-las a partir das plantas de maior produtividade, como forma de experiência também. Isso porque o desenvolvimento das mudas leva tempo, como mostrou a ele o fornecedor das mil compradas de Minas Gerais: "eu perguntei se podia encomendar mais mil mudas e ele me disse que apenas ia ter essa quantidade a partir de março ou abril de 2022."
Com as 999 mudas do tipo certo, Duarte lamenta mais uma falha: o posicionamento delas dentro da estufa. O cálculo falhou e todas ficaram muito próximas, dificultando a colheita e até a passagem entre as fileiras. Ele calculou 0,65 metros quadrados (m²) por planta, quando o ideal seriam 0,85 m² ou até 1 m².
A ampliação já tem lugar no terreno. Com a casa de apoio construída e duas caixas d’água garantindo a irrigação, o gasto projetado por ele seria no preparo da área – que conta com algumas árvores – e na montagem da estufa. Mas isso não deve acontecer antes dele reaver o investimento inicial. A área é dividida entre a estufa e a casa para onde está se mudando.
"Se esse negócio der certo, para que eu vou me preocupar com outra coisa? Eu já trabalhei muito quebrando a cabeça. Pessoal fala que agricultura é negócio complicado, mas complicado é trabalhar com vendas. Essa agricultura é muito mais tecnológica do que aquela de cavar o chão"Wlyces Duarte, produtor de mirtilo em Ubajara
Hoje, Duarte divide a aposentadoria entre cuidar dos mil mirtileiros e a mudança para a área rural de Ubajara. Os tempos vagos são dedicados às netas, cuja foto das duas loirinhas mostra com orgulho no celular.
Encarado como uma cultura nova no Ceará, o mirtilo não é novidade para o agronegócio brasileiro. Questionado sobre os cultivos em execução no País, Yamanishi afirma que “tem mirtilo quase no Brasil todo.”
A disseminação se deve ao grande interesse dos produtores quando são apresentados aos preços de venda da fruta, o que não se repete na hora de investir na produção, como lamenta o professor.
“Em Brasília, depois de dois anos de conversa, entrou dinheiro agora e, a partir deste ano de 2022, vai ter recurso para dar assistência à fruticultura”, conta, sobre o projeto apoiado por uma emenda parlamentar da deputada Bia Kicis (PSL-DF).
Serão cerca de R$ 5 milhões oriundos da Fundação Arthur Bernardes para a compra de 21 mil mudas para dez produtores, no Distrito Federal, com a intenção de replicar a experiência para mais 50 ou 100 e conseguir uma escala de produção via cooperativa, como espera o professor.
“A UNB está assumindo a assistência técnica e eu vou trazer esse pessoal de fora pra fazer curso”, complementa.
Além disso, há, segundo ele, “70 hectares de mirtilo em São Paulo, fazendo exportação na Europa, e a associação de produtores para exportação, além de incentivos de outras áreas, como a Coopercana (Cooperativa dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo) está fazendo entre a plantação de cana-de-açúcar.”
Mas essas são novas experiências e se juntam às que acontecem há, pelo menos, duas décadas. A falta de interesse de grades produtores associada ao pouco estímulo pelos governos fez com que o mirtilo nunca elevasse a participação na pauta exportadora brasileira de forma significativa. Em 20 anos, a soma de tudo que foi exportado em berry no Brasil chega a US$ 1.238.241 – quase a marca alcançada pelo Peru em apenas um ano.
O comércio internacional do mirtilo no Brasil foi mantido pelo Rio Grande do Sul, cuja frequência de exportação aconteceu entre 2000 e 2012, sempre com o valor oscilando, segundo apontam as informações da plataforma Comex Stats, do Ministério da Economia.
De 2012 até 2018 não existem registros de exportação de mirtilo por brasileiros. Apenas em 2018 há novo envio para o Exterior, com a entrada de São Paulo e Paraná neste mercado. Em seguida, em 2019, a Bahia se mantém constante no comércio exterior do produto. Rio de Janeiro, Alagoas, Maranhão e Santa Catarina aparecem em alguns anos, enquanto os gaúchos saíram de cena.
Exemplo citado pelo professor Osvaldo Yamanish e pelo governo cearense, o mirtilo no Peru tornou-se um exemplo de sucesso para todos os países interessados em exportar o produto. Apenas no ano passado, os produtores peruanos alcançaram um valor superior à exportação de todas as frutas brasileira em 2020 com a venda da berry.
Dados do Sistema Integrado de Informação de Comércio Exterior do país vizinho apontam um total de US$ 1.004.592.613 contabilizados em mais de 177 mil toneladas.
O montante ainda representa um acréscimo de 23% sobre a exportação da fruta em 2019, mostrando potencial de crescimento ano a ano que as empresas peruanas estão alcançando ao apostar no item.
De 2010 a 2020, de acordo com estudo da Fresh Report 2021, o Peru saltou da 86ª posição entre os agroexportadores de mirtilo para a 1ª. São 16,75 toneladas de berry por hectare plantado no País, o que supera a média mundial de 6,89 toneladas por hectare, conforme investigação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Uma capacidade de produção aprimorada, que permite a planta ter frutos em praticamente todo o ano, é uma das estratégias do Peru no mercado das frutas silvestres. Informações do governo peruano indicam que, em 2020, o País exportou a fruta durante 11 meses, com intervalo apenas em abril.
A lista dos países-destino do produto é liderada pelos Estados Unidos, cuja demanda excede a produção interna, seguido pelo Canadá. Depois, os países europeus dominam o consumo com Japão e Hong Kong entre eles.
Nos próximos anos, a expectativa do governo peruano é de entrar nos mercados sul-coreano, vietnamita e indonésio com o mirtilo, segundo afirmou Mario Ocharan, diretor de Promoção de Exportações do Peru, na publicação Fresh Report 2021. O representante do governo ressaltou o potencial produtor do País, que tem na uva o principal item exportado – o mirtilo se tornou o segundo da pauta exportadora peruana em dez anos.
As semelhanças apontadas entre o Ceará e os produtores peruanos também são observadas nos gargalos enfrentados pelos produtores do país vizinho, uma vez que Ocharan aponta a execução lenta de projetos de irrigação como um dos principais gargalos.
No entanto, somam-se a isso as dificuldades de um grande exportador: o incremento dos custos logísticos, tanto dentro quanto fora do Peru, devido à falta de contêineres e a demora na concretização de novos mercados.
Mesmo assim, o diretor de Promoção de Exportações aponta uma expectativa de superar a barreira de US$ 9 bilhões no comércio internacional de frutas em 2021.
Por Filipe Oliveira de Brito (*)
Frutas são um componente chave da nossa alimentação que, infelizmente, as pessoas têm ingerido cada vez menos. São importantes fontes de vitaminas e minerais, nutrientes chaves para a manutenção de nossa saúde e sistema imune, pontos tão importantes no momento atual.
Quanto à composição nutricional, o mirtilo pouco difere das frutas usuais de nossa alimentação (laranja, goiaba etc.).
Mas não podemos olhar as frutas apenas em relação aos nutrientes! As frutas e vegetais possuem componentes chamados “Compostos Bioativos”, os quais não possuem função de nutriente, mas promovem grande auxílio à manutenção de nossa saúde.
Esses compostos bioativos são substâncias produzidas pelas frutas e vegetais para se proteger da “agressão” do clima, insetos e fungos. No corpo humano, esses compostos apresentam grande efeito antioxidante e anti-inflamatório, ajudando no envelhecimento saudável, manutenção da saúde e bom funcionamento do sistema imune.
O mirtilo é rico em flavonoides, substâncias que possuem efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes, ajudando na redução da pressão arterial, artrite reumatoide, controle de doenças crônicas (diabetes, hipertensão, dislipidemia etc.) e melhorando a saúde intestinal (através da melhoria da microbiota, bactérias presentes no intestino).
(*) Nutricionista funcional, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), com atuação em consultório e professor do curso de graduação em Nutrição da Universidade de Fortaleza (Unifor) e de cursos de especialização em Nutrição Clínica, Funcional, Esportiva e Fitoterapia.
Flores: o início de tudo
Iniciado há 22 anos, o plantio de flores no Ceará deve ter as experiências de implantação e evolução encaradas como aprendizado no processo de entrada nesta agricultura moderna da qual o Estado quer fazer parte, agora.
Semelhante ao que acontece com mirtilo e abacate hass (culturas abordadas nos próximos episódios), o cultivo de flores era desconhecido pelos produtores locais e a entrada de grandes investidores brasileiros estimulou o negócio e trouxe efeitos positivos para a agricultura local.
O avanço, como recorda o secretário da Agricultura do Estado à época, Carlos Matos, é visto em números: área plantada saltou de 25 hectares para mais de 300 hectares, com valor bruto da produção estimado em R$ 150 mil por hectare.
Dentre os ambientes apresentados, a Serra da Ibiapaba foi o que mais atraiu empresas já consolidadas e de atuação nacional.
A mais conhecida delas, a Reijers - maior produtora de flores do Brasil -, já possuía áreas de plantio e mercado consolidado em Holambra, em São Paulo - cidade referência do setor de flores no País -, mas optou por ampliar a produção a partir de São Benedito, a 347,3 quilômetros de Fortaleza.
O movimento atraiu outras produtoras e, principalmente, estimulou a criação de empresas do tipo no Ceará. Surpreendentemente, a produção de flores no Estado não conta com dados precisos apurados por órgãos federais ou estaduais ao longo desses 22 anos.
Mas, segundo contaram os produtores ao O POVO, consegue chegar em todo o Nordeste e, por algumas temporadas, teve cargas enviadas para a Holanda - principal mercado internacional.
"Hoje, eu tenho a minha casa, tenho a minha moto e tenho minha casa", orgulha-se. O filho mais velho, Michel, trabalha sob a supervisão dela. Mas, pelo gosto da mãe, isso deve demorar pouco tempo, porque ela quer vê-lo mais dedicado aos estudos, numa faculdade.
*O jornalista viajou para São Benedito a convite da Trainer DG.
Mirtilo: a fruta promessa do Ceará para as exportações brasileiras
Cotado a US$ 5,50 o quilo para a exportação, o mirtilo tem sido alvo de esforços da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará (Sedet-CE) como uma das culturas que podem dar um novo perfil ao agronegócio do Estado.
No mercado nacional, o peso da fruta chega a R$ 100, dependendo da condição - se fresco, seco ou processado em sucos, geleias e mais. O valor agregado tem origem na demanda dos Estados Unidos, principal mercado consumidor, e do interesse de Europa e China nos últimos anos.
Mas não é apenas o valor de mercado que motiva o Ceará a investir nessa cultura, segundo explica Erildo Pontes, coordenador de Recursos Hídricos para o Agronegócio da Sedet-CE. O desenvolvimento de plantas que conseguem ter duas safras no ano com pequeno consumo de água e necessitando de temperatura amena mostraram aos especialistas do Estado que é possível produzir mirtilo em terras cearenses.
Outra vantagem apontada por ele e que deve gerar empregos é que a colheita do mirtilo "ocupa muita mão de obra, porque é uma fruta menor que a acerola e precisa de pessoas para colher, não aceita máquina."
Além disso, amadurece em estágios diferentes nas plantas e não pode ser colhida verde, o que leva o período da safra levar até quatro meses.
Para gerar interesse dos produtores cearenses, Pontes contou que a Sedet investiu em transmissões online ao longo de 2020 que reuniram grupos de agricultores e demais interessados em novas culturas. Nestes ensinamentos, chamaram Osvaldo Yamanishi, professor da Universidade Federal de Brasília (UNB) e pesquisador dessas novas culturas.
A participação do Estado nesse processo, de acordo com ele, torna-se essencial para estimular o cultivo entre os produtores cearenses que já têm as finanças consolidadas, pois ter um investidor de grande porte no negócio dá mais garantia de sucesso ao estabelecimento da nova cultura no Estado.
Os dois dizem ter no Peru uma inspiração. O país vizinho conseguiu atingir US$ 1 bilhão em exportação em 2020 apenas com o mirtilo - valor que o Brasil não faz somando todas as frutas frescas.
O cultivo pelos grandes produtores peruanos foi montado com apoio do governo e, em sete anos, a berry se tornou a segunda fruta mais cultivada.
"Isso que estamos fazendo aqui é brincadeira", diz Osvaldo Yamanish ao comparar o cultivo no Brasil aos 15 mil hectares onde é plantado mirtilo no Peru. Ele lamenta ainda a falta de apoio que acomete o incentivo a novas culturas no País desde a pesquisa. O professor diz viajar e conduzir experimentos como estes no Ceará sem nenhum apoio da UNB ou do governo brasileiro.
No fim de 2021, inclusive, ele esteve no Peru para um congresso que estudava culturas como a do mirtilo. "Toda informação que vou buscar fora, eu pago com meu dinheiro, com a consultoria que recebo. O que eu já gastei aqui é o meu salário da vida toda, só no mirtilo", compara.
Responsável, inclusive, por custear o projeto que desenvolve na UNB, segundo contou, o professor, agora, espera recursos federais para desenvolver a pesquisa.
Da parte do Governo do Ceará, Erildo Pontes, da Sedet-CE, reforça a intenção de orientação técnica e, atualmente, tenta mapear as iniciativas que se tornaram realidade após as transmissões promovidas pela Secretaria ao longo de 2020 e 2021.
De acordo com ele, há conversas com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para mapear a produção de culturas de valor agregado no Estado. A intenção é trazer mais informações para que o Estado possa montar um projeto de apoio adequado, constatando quantas e em quais estágios de produção estão.
Aprendizado com os erros
A experiência com mirtilo mais promissora no Ceará apontada pela Sedet está em Ubajara, cidade localizada na Serra da Ibiapaba, a 371 quilômetros de Fortaleza, e é mérito dos esforços do comerciante aposentado Wlyces Duarte.
Dedicado à pesquisa do cultivo da planta, ele se cercou de conhecimento antes de investir em mil mudas, e tem mantido a prática para reaver a aplicação dentro de um ano - o que significa após duas safras.
Foram R$ 80 mil na compra de mil mudas e mais a estrutura para cavar poço profundo, caixas d'água, bombas e encanação para irrigação, além de construir a estufa com terreno de 650 metros quadrados aplainado, mil sacos de substratos para cada muda e a casa de apoio - onde guarda o "alimento da planta."
Hoje, Duarte divide a aposentadoria entre cuidar dos mil mirtileiros e a mudança para a área rural de Ubajara. Os tempos vagos são dedicados às netas, cuja foto das duas loirinhas mostra com orgulho no celular.
O que você vai ler no Especial Agronegócio Nobre no Ceará
Veja os 5 episódios que você encontra no OP
EPISÓDIO 1 - Ceará aposta em culturas nobres para dar nova cara ao agronegócio
- Ceará planeja uma transformação no cultivo e investe para dar uma nova cara ao agronegócio do Estado
- Estratégias para otimizar o uso e ampliar oferta de água
- Captação de investidores
- Agro sem tóxico é nova etapa
- Mais possibilidades de ampliar
a produção à vista
EPISÓDIO 2 - Flores são aprendizado para novas culturas
- Geração de empregos e superação de preconceitos
- Profissionalização
Investimento no turismo
EPISÓDIO 3 - Mirtilo: a fruta promessa do Ceará para as exportações brasileiras
- Oportunidade no mercado internacional
- Investimento do governo é necessário
- Dificuldade desde a pesquisa
- Estímulos locais
- Esperança de cultivo na Serra da Ibiapaba
- Orientação e pesquisa
- Aprendizado com os erros
- Projeções para aumentar cultivo
- 20 anos de exportação, poucos resultados
- Uma fruta, US$ 1 bi em exportação: o caso do Peru
- Análise dos nutrientes do Mirtilo
EPISÓDIO 4 - Abacate hass é aposta de pequenos e grandes produtores no Ceará
- Da aversão à plantação
- Reijers planeja 500 hectares para exportação
- Baixa participação na exportação pode ser revertida
- Análise dos nutrientes do abacate
EPISÓDIO 5- Desenvolvimento de sementes visa tornar Ceará fornecedor para polos de grãos do País
- Cearense desenvolve sementes
para todo o País
- Fornecimento de água e preço de insumos emperram avanço
- Trigo no radar de investidores
- Produção fora do radar nacional