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Mães S.A.: O desafio de manter-se no mercado de trabalho
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Mães S.A.: O desafio de manter-se no mercado de trabalho

Além de enfrentar desigualdades pelo gênero, mulheres que optam pela maternidade passam por transformações profissionais e lidam com a culpa para seguir uma carreira
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CLARA Dourado, mãe do Martin Annabi (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS CLARA Dourado, mãe do Martin Annabi

Há algumas décadas a mulher vem buscando a equidade no ambiente de trabalho, tanto em relação a maior presença na ocupação de cargos de liderança, como a compatibilidade salarial com os homens. O processo tem sido lento e mostra-se ainda mais difícil quando a maternidade é somado nessa equação. E culturalmente, a sociedade considera somente a possibilidade da mulher ser mãe um dos fatores que tornam o mercado tão desigual entre os gêneros.

De acordo com o segundo estudo Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, realizado pelo IBGE, a presença de crianças com até três anos de idade nos domicílios tem relação direta com a menor presença feminina no mercado de trabalho. E o nível de ocupação, entre as mulheres de 25 a 49 anos, que vivem em lares com crianças nessa faixa etária, é ainda menor, 54,6%, enquanto a das que vivem em casas onde não há essa presença é de 67,2%.

Para André Geraldo Simões, analista do IBGE, é muito provável que esse resultado se dá ao fato das mulheres se dedicarem mais tempo aos cuidados domésticos. “A presença de crianças é um fator que limita a participação das mulheres no mercado de trabalho, o que implica na necessidade tanto de maior divisão dos afazeres no domicílio, quanto na implementação de políticas públicas voltadas a criação de creches”, afirma.

Na Região Nordeste a tendência é a mesma da nacional, mas o nível de ocupação das mulheres com o igual perfil é ainda menor 44,4%. Esse é apenas um dos recortes e dos poucos dados que existem sobre mães no universo laboral, o que as torna invisíveis para criação de políticas públicas e privadas que permitam que elas tenham destaque na carreira profissional. 

Os desafios são ainda maiores quando o assunto é mãe solo, única responsável financeira e emocional pelo desenvolvimento do filho, por ter menos tempo para se qualificar melhor na profissão. O que ocasiona em uma renda inferior, o que gera outros efeitos a médio e longo prazo.

Outro ponto que chama atenção é a demissão após o período da licença maternidade. A pesquisa Think Thank da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizada pelo doutor em Economia da entidade, Valdemar Pinho Neto, mostra isso. A queda no emprego se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença, quatro meses. Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade estão fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença.

“Mesmo com os avanços conquistados pelas mulheres, essas rupturas continuam acontecendo. A tendência é que melhore, pelas próprias condições do mercado de trabalho, mas de forma lenta. A pandemia ainda gerou maior desemprego na área de serviços, que é muito ocupado por mulheres o que agravou a situção”, observa o economista.

A possibilidade dos trabalhos remotos trouxe uma maior flexibilidade para as mães administrarem seu tempo, porém também registrou acúmulo de tarefas. “Por uma questão cultural elas ficam com as atribuições da casa e dos filhos, assim, estão mais sobrecarregadas e com dupla jornada de trabalho”, reflete Valdemar.

Dani Junco, fundadora da B2Mamy, hub de inovação focado em tornar mães e mulheres líderes, afirma que todas as mães passam por uma transição de carreira com a maternidade. “Elas podem colocam em prática ideias de negócios ou são demitidas, ou não compensa o slaário por falta da rede de apoio e, podem, até  mudar de cargo dentro da própria empresa”.

Para a executiva, que abriu seu negócio quando estava grávida e cheia de incertezas e reuniu outras 80 mães, o diálogo com a família sobre divisão de tarefas e o desejo de seguir uma carreira devem ser claros. “Quanto menos culpa a gente carregar é melhor. É preciso convidar os homens para conversar”, revela.

Com mais de 15 mil atendimentos psicológicos por mês, a CEO da Imnd Psicologia, Christiane Valle, consegue trazer um panorama bem claro desta situação. “A primeira questão que aparece nas consultas com às mães é a culpa! Difícil uma mãe no mercado de trabalho não transitar por aí, parece que está inerente à maternidade. Estou largando meus filhos, não consigo acompanhá-los de perto. Queria ser tanto aquela que faz as tarefas”, relata sobre os questionamentos.

Ela atesta que ser mãe e ter uma vida profissional é um grande desafio. “Não se pode perder a paciência ou ter “vontade de sumir"', afinal, ser mãe é padecer no paraíso. Mas como ser uma profissional de alto desempenho e ao mesmo tempo ser a mãe perfeita?”, convida a reflexão.

Esta é uma pergunta que assombra muitas das pessoas que exercem a maternidade. Querer despontar no mercado de trabalho, mas conviver com o preconceito daqueles que julgam esta atitude e cobram dedicação equânime em número de horas. “O que é impossível, pois não podemos esquecer de ser mulher, ser companheira e ser eu. A cobrança externa sempre vai existir, mas cabe a cada uma encontrar o equilíbrio sem tentar se enquadrar na forma social. Esta é a verdadeira libertação”, conclui Christiane.

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Jackeline Veras (ao centro), franqueada da Kopenhagen do RioMar Kennedy, ao lados dos filhos e do esposo
Jackeline Veras (ao centro), franqueada da Kopenhagen do RioMar Kennedy, ao lados dos filhos e do esposo

Valores profissionais entre gerações

Jackeline Veras começou cedo no mercado de trabalho, ainda aos 17 anos, quando pediu ao pai para trabalhar com ele. “Meu maior aprendizado foram esses 15 anos que passei trabalhando na loja do meu pai e, depois, nos demais negócios dele”, revela.

Foi, ainda no início da carreira, administrar um motel até virar sócia do empreendimento. Em paralelo, também se casou nova e construiu uma família com três filhos. A primeira, Natália, teve aos 21 anos. Depois veio a Carolina e logo em seguida o Abner.

“Conciliar a profissão com a maternidade foi muito difícil, contei com a ajuda de babás, mas mesmo assim a luta era grande, pois eu queria dar conta de tudo. Queria amamentar, dar conta do jantar e estar próxima de tudo. Meu final de semana era dedicado totalmente para eles, mesmo trabalhando aos sábados, mas eu ficava administrando os negócios pelo telefone”, relembra.

Nessa época, a convite do sogro montaram a construtora Britacet que existe até hoje. A vontade de empreender é latente e assim realizou o sonho em ser franqueada da Kopenhagen. “Hoje tenho a minha loja no RioMar Kennedy em sociedade com meu filho Abner. Natália, mora em São Paulo e é arquiteta, e a Carolina, é chefe de cozinha, estudou na França e voltou a Fortaleza”.

Para ela, conciliar a maternidade com o lado profissional não foi fácil. “Eu trabalhava muito e o meu esposo também. Meus filhos estão hoje no mercado investindo, trabalhando e para mim essa é a minha maior alegria, pois eles puxaram os pais”.

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Dicas para manter o equilíbrio pessoal, profissional e a maternidade

  • Dialogue, quando possível, no seio da família o desejo de seguir no mercado de trabalho
  • Compartilhe as tarefas da casa e os cuidados com os filhos
  • Liberte-se da culpa
  • Entenda que cada mãe só pode dar o que tem e que não existe uma fórmula mágica, cada caso é único
  • Lembre-se sempre que para cuidar de alguém é preciso primeiro se cuidar. Uma mulher realizada e feliz será com certeza uma mãe muito melhor
  • Deixe seu filho desejar. A falta é fundamental para o crescimento humano, torna-os mais criativos, aumenta o desejo e impulsiona para realizar
  • Não tente dar tudo ou ser tudo para o seu filho, o limite, de todos os presentes que você pode dar, sem dúvida é o que o fará mais feliz.

Fontes: Imnd Psicologia e B2Mamy

Perfil profissional de mulheres em lares com crianças de até três anos

•Nível de ocupação de mulheres de 25 a 49 anos com crianças de até três anos em casa é de 54,6%, enquanto o das que vivem em domicílios sem crianças nessa faixa etária é 67,2%.
•Menos da metade (49,7%) das mulheres pretas ou pardas com crianças de até três anos estavam trabalhando.
•Apenas 35,6% das crianças de até três anos frequentavam escola ou creche no país em 2019.
•Em 2019, as mulheres dedicaram, em média, 21,4 horas semanais aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos contra 11 horas dos homens.
•Mulheres receberam pouco mais de três quartos (77,7%) do rendimento dos homens em 2019.

Fonte: IBGE - “Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil” 2021

Vanessa dos Santos é empreendedora e tem dois filhos, o Vicente e a Olívia
Vanessa dos Santos é empreendedora e tem dois filhos, o Vicente e a Olívia

Ausência de políticas para as mães

A falta de políticas, programas e cursos específicas só para as mulheres mães que desejam empreender faz com que elas busquem conhecimentos em outras oportunidades que não apenas exclusivas para elas.

Como foi o casa da Vanessa dos Santos que tem dois filhos, o Vicente de quatro anos e a Olívia de seis meses. Ela é formada em Administração de Empresas e possui um negócio próprio no Centro do Pecém, a Grafimidias. 

Durante o pós-parto da sua filha, ela participou do programa Território Empreendedor oferecido pela Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP). As aulas foram realizadas de forma online, com ele a abertura de expandir seus negócios com novas parcerias. Conciliar o negócio próprio com a maternidade tem grandes vantagens, segundo ela, mas também muitos desafios.

"Essa é a parte mais difícil, tentar conciliar. Querendo ou não a gente nunca consegue se doar totalmente ao filho e nem ao empreendimento. Então, a gente vai fazer sacrifícios mesmo. Vou fazendo a análise do negócio enquanto eles estão dormindo, por exemplo. E não pude viver o pós-parto da forma devida, porque a gente tem que trabalhar. Não tive resguardo. Você já vai trabalhando, olhando o WhatsApp, e essa é a vida da mãe empreendedora", declara.

Mas os ganhos fazem valer a pena cada esforço. "Hoje, talvez, eu não conseguiria dar maior atenção aos meus filhos se eu não tivesse esse negócio próprio. Na minha perspectiva de vida e com a minha realidade, esse empreendimento me permite tanto dar atenção aos meus filhos, como também estar aqui dentro do meu empreendimento", reflete.

Para ela, ser mãe também a fez ser uma empreendedora melhor. "Existe uma paixão imensa pelos meus filhos e por esse negócio, que é uma criação nossa, é uma vida que a gente precisa estar aqui, cuidando e regando para que possa crescer".

Salão próprio

Outro caso parecido é o da cabelereira Fabiana da Silva, que mora em Caraúbas, distrito de São Gonçalo do Amarante. Ela é casada e tem quatro filhos, Rhayana, Rhayan, Sophia e Nicolas.

A decisão de investir em um espaço próprio, separado de sua casa, para atender as clientes veio após ela participar do programa da CSP, o Território Empreendedor. "Quando a gente tem um negócio, mas não tem essa organização, a gente não vai para a frente 100%. Eu via esse trabalho apenas como uma renda para minha casa, eu não via como um negócio sério”, conta.

O conhecimento transformou a sua vida e deixou de lado o medo de empreender. Fabiana começou cedo, quando tinha 19 anos, após o nascimento da primeira filha, ela, que já tinha um trabalho fixo, precisou complementar a renda e passou a realizar serviços avulsos de cabeleireira no pós-expediente, à noite.

O marido não trabalhava e a ajudava nos cuidados com a filha. Fabiana passou a ter cada vez mais clientes na área de beleza, com atendimento em domicílio. Após alguns anos, quando engravidou do segundo filho, veio o cansaço e a impossibilidade de trabalhar fora. Com isso, ela decidiu desmontar o quarto de bebê e transformar o cômodo em um local para oferecer os serviços de cabeleireira às clientes.

Após toda essa transformação de vida avalia que o mais importante foi atender as necessidades dos filhos. “A minha primeira filha nasceu prematura e eu tinha que comprar um leite especial para ela. Com o empreendedorismo, eu tive o gosto de não ver faltar nada dentro da minha casa, e foi uma profissão que eu descobri e que me satisfaz muito. Mexer com a beleza das mulheres é algo que acho maravilhoso".

Para ela, empreender foi a melhor solução para conciliar os cuidados com a casa, filhos, casamento e trabalho. "É uma maneira de conciliar a vida pessoal e profissional. E ajudou muito na minha vida. Hoje, posso ajudar financeiramente em casa, posso construir os meus sonhos e incentivar outras mulheres. A gente não é só dona de casa, a gente pode ser muito mais. É só buscar aquela forcinha que você tem lá dentro do coração, batalhar e enfrentar. Mulher não tem nada de sexo frágil não, viu?", compartilha Fabiana, com orgulho das vitórias conquistadas.


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