Jornalista de formação, Sarah Coelho percebia ainda durante a faculdade que a sua sensibilidade não se encaixava nos formatos do jornalismo tradicional. Na época, ela costumava escrever textos de aniversário para seus colegas e percebia que era capaz de emocionar com suas palavras. Com o tempo, por causa de seus textos, começou a ser convidada por amigos para celebrar casamentos.
Até então, ela não sabia que essa vocação poderia se tornar uma profissão. Foi depois de pesquisar e participar de encontros com outros celebrantes brasileiros que ela percebeu que esse espaço, tradicionalmente ocupado por figuras de autoridade e masculinas, também poderia ser ocupado por mulher e jornalista.
“A gente ainda tem uma sociedade muito tradicional, então causa um certo estranhamento você chegar em um casamento e encontrar uma mulher jovem fazendo uma contação de história”, coloca.
Sarah começou a trabalhar como celebrante em dezembro de 2018, quando realizou suas primeiras cerimônias. Desde então, ela já celebrou de casamentos tradicionais a mini weddings e casamentos online. No próximo mês, ela deve realizar a sua centésima cerimônia.
O POVO - A quantidade de casamentos que você celebrou mudou de alguma forma a maneira como você vê as pessoas e as relações?
Sarah Coelho - Muito mesmo. Na verdade, eu penso assim: as pessoas têm formas muito únicas de enxergar o que é se relacionar, o que é o amor, o que é certo e errado.
Ser atencioso para uma pessoa às vezes significa, por exemplo, trazer um copo d’água antes de dormir e colocar no meu lado da cama. Para outra, isso significa ligar toda hora para saber se eu estou bem, o que para outra seria um problema. As pessoas às vezes usam as mesmas palavras para dizer coisas opostas.
Ao mesmo tempo que isso me traz uma diversidade de olhares, também me ajuda a reafirmar a minha própria visão de mundo. Ao mesmo tempo em que o outro me oferece possibilidades de olhar, também me ajuda a reconhecer o que é essencial no meu próprio olhar.
Eu sinto que eu fui e continuo sendo muito atravessada por essas histórias, ao mesmo tempo que acho que também vou reforçando a minha própria visão diante dessa diversidade de possibilidades.
O POVO - Como funciona a preparação para celebrar um casamento?
Sarah Coelho - Eu sento com eles (noivos), faço entrevistas mesmo. Normalmente, na primeira entrevista, eu proponho para eles que a gente faça algo que eles gostam de fazer, volte no lugar onde eles se conheceram, ou vá para algum lugar que eles costumam frequentar.
Já aconteceu, por exemplo, de um casal dizer que queria me levar para um estádio. Eu já fui para piquenique no parque. Já fui dar uma volta no bairro, porque eles tinham se conhecido lá. A gente fez tipo um tour pelo bairro.
Isso, eu acho, tem muita força porque ajuda eles também a se conectarem, e eles também se dão esse lembrete de que não chegaram ali do nada, que eles tiveram uma construção a passos pequenos.
Depois eu faço entrevistas individuais com eles separadamente e converso com alguns amigos ou familiares que eles me indicam.
O POVO - Quais são as perguntas mais complexas que você costuma fazer?
Sarah Coelho - As perguntas mais complexas são, na verdade, as mais simples, como “o que o outro, seu noivo ou noiva, agregou para a sua vida” ou “o que você aprendeu com ele ou ela, ao longo desses anos juntos?”
Em tese, isso é uma coisa super simples, mas muitas pessoas não têm essas respostas na ponta da língua, porque são coisas que elas sabem pela experiência, mas não sabem em palavras. Elas me pediam um tempo para pensar.
Eu sinto que muitas vezes esse tempo que elas pedem para pensar é um tempo que elas precisam, na verdade, para reparar. Elas me falam: “depois que eu comecei a prestar atenção eu percebi que todo dia ele ou ela tira os meus óculos porque eu durmo lendo na cama, eu durmo de óculos e ele tira os óculos,” ou “ele, mesmo sem eu ter pedido, deixa um sanduíche no microondas antes de sair para o trabalho”.
Eu digo que é um exercício um pouco profundo porque eu fico motivando eles a prestarem atenção nessas coisas. Isso pode ser incômodo se você não estiver com a relação muito alinhada, porque às vezes você vai prestar atenção e encontrar coisas que não são tão boas. Não é a maioria, a maioria tende a olhar pelo lado bom.
Eu sou muito privilegiada porque eu entro em contato com as famílias num momento muito feliz da vida delas, e eu sei que isso é só um pequeno recorte da vida daquela família. Naquele dia, naquelas horas, as pessoas normalmente estão imbuídas da decisão de que aquilo ali vale a pena. Elas estão confiantes de que as coisas vão dar certo.
Casamentos têm um clima de esperança. É uma mudança, realmente, porque ao olhar o ciclo da família, os casamentos marcam uma mudança nesses ciclos. Você está vivendo ali um ponto de virada na história daquela família.
É um momento em que eu me sinto privilegiada porque eu sou impactada por esses bons sentimentos. Tudo é muito energizante, pelo menos para almas como eu, que são sensíveis a esse tipo de coisa. Sou super entusiasta e desse trabalho aprendo muito. Acho que todo celebrante é um pouquinho apaixonado pelo seu ofício.
O POVO - Para você, qual é a importância da ritualística, por que você acha que isso é tão valorizado?
Sarah Coelho - As pessoas estão mais dispostas hoje a compartilhar enredos mais verdadeiros sobre o que significa ser amado, depois de muito tempo imerso em um grande universo de idealização sobre o amor.
Eu acho que isso acaba sendo um momento muito bonito, que as pessoas estejam valorizando as cerimônias. O que faz o casamento ser um casamento é a cerimônia.
De uma maneira geral, é claro que o mercado de casamentos, eu acho, ainda se movimenta muito pelo sonho do amor romântico e essa coisa meio social que esse evento traz. Mas, especificamente nesse nicho que eu atuo, que são as cerimônias, eu acho que vão um pouquinho na contramão disso.
O POVO - O que faz de um casamento ou cerimônia de casamento única?
Sarah Coelho - Eu costumo dizer muito que todo amor é único, então consequentemente o casamento deveria ser também. De uma forma objetiva, eu acho que o que faz um casamento ser diferente do outro são os personagens que estão envolvidos naquela história, principalmente os noivos, mas muitas vezes os personagens coadjuvantes também.