Autor cearense e residente em Curitiba (PR), Pedro Jucá lança nesta semana o livro "Coisa Amor", composto por 15 contos com variadas formas e estilos, que abordam temas como memória, infância, sexo, desejo, solidão, relações familiares, loucura, inconsciente, fetiche e arte.
Pedro Jucá conseguiu com sua obra se tornar uma das maiores pré-vendas da editora Urutau. Sobre o trabalho, ele comenta: "São temas que, de alguma maneira, tocam aquilo que temos de mais radicalmente humano - nos dois sentidos: tanto de extremidade, de limite, quanto de início, de raiz. Dizem um pouco da minha maneira de ver o mundo, dizem um pouco daquilo que acredito ser universal a cada um de nós."
O escritor é formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará e atua como Procurador do Estado do Paraná. Vive também entre a literatura — é pós-graduado em Escrita Criativa pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e já foi contemplado por premiações como Prêmio de Literatura Unifor, Prêmio Ideal Clube de Literatura e Prêmio Off Flip de Literatura — e a psicanálise. Atualmente é colunista do portal Curitiba Cult.
A obra reúne textos que começaram a ser escritos ainda em sua adolescência desenhando um percurso literário que destaca não só as influências literárias gerais, mas também como o escritor chegou até o cerne de seu livro. Ao longo dos 15 contos, ele explora o poder da narração para apresentar diferentes facetas de suas personagens complexas, tomando mão, para isso, de variados estilos de escrita. A seguir, confira a entrevista de Pedro Jucá para O POVO.
O POVO - Em sua obra "Coisa Amor" percebe-se sua admiração pelo estudo psicológico de tudo que nos cerca e principalmente dos sentimentos humanos. Quando pequeno, o que mais você gostava de ler? Já se interessava por textos mais 'profundos'?
Pedro Jucá - O Coisa Amor pode ser um livro hermético e talvez profundo, mas não tenho como mentir: apesar de ter tido acesso a muitos livros que estavam na biblioteca da casa da minha avó Nydia - até Cem Anos de Solidão eu tentei ler (sem sucesso) -, as leituras que primeiro marcaram minha memória são gibis da Turma da Mônica e Harry Potter. Se se trata de leituras profundas, deixarei para o caro leitor decidir (risos). Essa guinada para questões psíquicas se deu um pouco mais à frente, quando, na escola, encontrei Clarice e Machado, esses formidáveis bruxos da mente humana. Foi ali que tomei gosto, como leitor, por tudo o que fosse "psicológico". Ação é bom, mas é pelo seu avesso - o que se encontra por detrás dela - que tenho mais gosto.
O POVO - Coisa Amor contém textos que você começou a escrever ainda na infância. Como foi continuar escrevendo a obra e vivendo junto dela o processo de amadurecimento e conhecimento pessoal?
Pedro Jucá - É verdade que alguns contos do Coisa Amor têm uma origem remota. 'Noturno', vejam só, vem de uma redação da oitava série. Mas, para a felicidade geral da nação, os protótipos já se encontram devidamente destruídos. Gosto de pensar que meu amadurecimento se deu sobretudo como escritor - na técnica, no aparato instrumental, no repertório de leituras - e que é isso o que está refletido na versão final do livro. A forma dos textos mudou de maneira drástica (alguns deles foram inteiramente reescritos), mas é curioso perceber que, na matéria, na ideia, no argumento, pouca coisa mudou. Acho que fui uma criança de alma velha e, depois, um adolescente meio atormentado (risos).
O POVO - Quais as principais diferenças entre o Pedro antes de "Coisa Amor" e o Pedro após?
Pedro Jucá - Eu poderia trazer uma resposta existencial, mas vou ser prosaico: um livro, e eu tenho descoberto isso a duras penas, vai muito além da mera escrita. Escrever é só um primeiro passo. Depois da publicação, vem toda uma gama de trabalho a respeito da qual o Pedro de antes do Coisa Amor não fazia ideia. É preciso arregaçar mangas, divulgar o livro, fazer que ele alcance quem precise ser alcançado, se expor, dar a cara a tapa, levar Nãos doloridíssimos e até passar um pouquinho de vergonha na internet. São demandas de nosso tempo, e eu já fiz as pazes com isso. A figura de um escritor vampiricamente encastelado no topo de uma torre sombria já não tem muito mais espaço. Que bom.
O POVO - Sua obra tem como foco relações humanas e situações cotidianas. Qual foi seu principal método de estudo e observação para retratar temas como amor, maternidade, desejo e solidão?
Pedro Jucá - Devo tudo a meus próprios traumas (risos). A verdade é que não costumo fazer tanta pesquisa assim, ao menos não de uma forma dirigida. O que eu escrevo parte do que eu observo do mundo e da vida. Das leituras que acumulo, das relações que vivi, do que me marcou, do que eu vi ou ouvi falar. É essa a matéria-prima que eu quero para a minha ficção. Aliás, eu acho até que, enquanto escrevo uma história, faço o movimento contrário ao de um pesquisador: tento, ao máximo, me afastar de influências externas, qualquer coisa que, de alguma maneira, possa 'contaminar' o texto, possa torná-lo menos autêntico. Certa vez, enquanto eu escrevia o romance - ainda inédito -, uma amiga me sugeriu que, para descrever melhor a relação entre duas personagens, eu deveria ler um livro específico, que tratava daquele mesmo assunto sob uma perspectiva semelhante. Pronto: eu sabia que, de todos os livros do mundo, aquele seria o único que eu não poderia ler naquele momento.
O POVO - Entre as temáticas, houve alguma em que você conseguiu mergulhar de forma mais profunda, ou mesmo, mais pessoal? Se sim, qual e por que?
Pedro Jucá - Alguns dos contos apresentam uma narrativa sobre algo que vivenciei de maneira mais próxima, mas mesmo os que não passam por esse flerte com a autoficção retratam, em algum nível, questões minhas. Ou, melhor dizendo, questões humanas. Tomemos o 'Passo a Passo', conto de abertura do livro, por exemplo: não sou mulher e não, não consigo dar dois passos de dança sem tropeçar. Mas eis uma história narrada por uma mulher, uma bailarina. Não poderia haver nada mais distante, factualmente, daquilo que eu sou, no entanto o conflito da personagem é tradução - traição, versão - de um drama que, um dia, já vivi na pele. Não estou dizendo que só escrevo autoficção, embora concorde com meu pintor favorito, Edward Hopper, quando ele diz que 'the only real influence i've ever had was myself' (a única verdadeira influência que eu tive foi eu mesmo). Escrever vem sempre de dentro.
O POVO - Você escreve sobre personagens complexos que apresentam diferentes facetas explorando os limites humanos. O que é mais desafiador em escrever sobre a subjetividade humana e traçar relações com a contemporaneidade/os tempos atuais?
Pedro Jucá - Poxa, pergunta difícil. Não sou um profeta de apocalipse, amargo do tempo em que vive e saudoso do que já passou, mas o fato é que atravessamos um tempo de superficialidades e rapidezes. E escrever sobre a subjetividade humana é um pouco o contrário disso - é um mergulho profundo e demorado. O Coisa Amor pode ser uma leitura, digamos, desafiante. Mas isso é proposital. Eu quero cutucar uma parte que a maioria de nós quer deixar recôndita, varrida para debaixo do tapete. Pode ser bem desconfortável. Mas, como diria papai Belchior: eu quero é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês. A minha eu sei que já cortou, e muito.
O POVO - Além dos temas, você trabalha com uma escrita também desafiadora, transformando suas críticas, visões e argumentos em prosa. Você já era familiarizado com esse tipo de escrita? Como foi a escolha de trazer temas tão profundos para uma linguagem literária?
Pedro Jucá - De saída, eu diria que a diferença essencial é o trato com a palavra. Como já disse por aí, é pela palavra o meu fascínio. Gosto de retorcê-la, moldá-la, experimentá-la, movê-la de um lado para o outro, elevá-la à categoria de um instrumento estético. Um artigo científico não me permitiria nada disso: ali, a linguagem precisa ser, mais que objetiva, asséptica, pasteurizada. Depois, eu estruturo esses argumentos sob a forma de ficção porque, a meu ver, é assim que ganham mais força. Subjetivadas, isto é, carreadas pelo drama de uma personagem, essas questões emergem com brilho novo, reverberam mais retumbantes. Eu bem que poderia escrever um ensaio sobre a solidão humana, mas, em vez disso, narro a história de uma mulher que, em meio à peste que assola sua vila, se volta, de vingança, a um novo deus, na tentativa de não terminar absolutamente sozinha. Isso não soa mais interessante do que um texto técnico? Tomara que sim.
O POVO - Você trabalha com temas que ganharam bastante visibilidade na atualidade, sendo cada vez mais estudados e dados a devida importância. Além disso, eles ganham cada vez mais espaços nos palcos do teatro ou nos cinemas. Como você enxerga o maior destaque e cuidado com as questões humanas em diferentes esferas artísticas?
Pedro Jucá - Acho essencial, e considero isso uma das saídas possíveis para as doenças do nosso tempo. Encarar nossos demônios interiores vai de encontro a muito do que se prega hoje - sejamos felizes a todo custo!, basta acreditar que tudo o que você quiser será possível! -, mas é crucial para a nossa sanidade enquanto sujeitos e sociedade. Não é confortável, não é prazeroso, mas é necessário. Deixar de nos encarar como realmente somos - ambíguos, contraditórios, às vezes até mesquinhos - é profundamente neurotizante. E toda neurose tem seus efeitos daninhos, que são particularmente perigosos se pensarmos que, em geral, se alastram e corroem sem que quase ninguém perceba.
O POVO - Como você visualiza a relação entre amor, sexo e desejo tão explorada na atualidade? O que mais te faz questionar e ter interesse pelas relações amorosas desta década?
Pedro Jucá - Apesar de trabalhar como jurista, eu sou meio que cria da psicanálise, né? Acrescente Mãe à equação Amor Sexo Desejo e voilà, está pronta a receita da minha literatura (risos). As relações amorosas ganham destaque para mim na medida em que, sob certa ótica, é o amor, essa malha simbólico-imaginária, o que nos transporta da condição de animais para humanos. Nenhum outro bicho ama propriamente, no sentido que quero dar à palavra. Amor, para mim, abarca também o seu extremo oposto, o ódio (além de tudo o que se coloca no meio). Amar é cuidar, é nutrir, é proteger, mas é também, ao revés, querer destruir, devorar, eliminar. E acredito que é encarando esses impulsos - a experiência humana como um todo, sem edições ou censuras - que conseguimos estabelecer relações mais maduras, mais sadias.
O POVO - Caso um leitor não soubesse do assunto de sua obra, o que você diria que ele ia encontrar?
Pedro Jucá - Dia desses, quando me perguntaram isso, eu fiz uma piada: o livro é uma mistura de Manoel Carlos com Lars von Trier. Em geral, as histórias partem de cenários cotidianos - uma bailarina que se corta com uma louça quebrada, uma mãe que não consegue preparar um café, um casal em um motel, um pai urinando na frente do filho - para retratar questões humanas mais verticais - a memória, a infância, o sexo e o desejo, o amor, a solidão, as perdas, a loucura, o Inconsciente, o corpo, a crueldade e a fragilidade, o baixo e o sublime, o belo e o grotesco - enfim, só coisinha leve (risos).
O POVO - Quais as expectativas sobre este lançamento e de que maneira você visualiza o impacto de sua obra sobre as pessoas que a lerem?
Pedro Jucá - Como você colocou, o mais importante é impactar o leitor. Não falo do choque pelo choque, algo gratuito, mas de causar uma comoção, um movimento conjunto, uma alteração de rota. Sei que o Coisa Amor não vai agradar a todo mundo - e isso é ótimo. O mais importante é que, ainda que pelo incômodo, o livro alcance as pessoas. Quanto ao lançamento, estou completamente apavorado (risos). Brincadeiras à parte, é claro que bate o nervosismo quando a gente pensa "será que vai aparecer alguém?", mas, por sorte, conto com bons amigos e um ótimo namorado, que vão pegar um avião e ir me prestigiar em meio à dura poesia concreta das esquinas de Sampa. De toda forma, vai ser, no fundo, um evento simbólico. Uma oportunidade de estar próximo a pessoas queridas, celebrando esse livro que me é tão caro - e, não podemos deixar de mencionar, comendo comidinhas e bebendo um bom vinho branco. Esperotodo mundo lá.