Ana Lúcia Arruda Fontenele respira o Fortaleza há mais de 50 anos, absorvendo um amor geracional. Durante a década de 1970, a torcedora foi ao Presidente Vargas pela primeira vez para acompanhar uma partida do Leão do Pici. E as cores azul, vermelho e branco passaram a dar sentido à vida da farmacêutica bioquímica formada na Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Patologia e doutorado em Medicina Tropical.
Para além da formação, Ana Lúcia se destaca entre os que fazem o dia a dia do Tricolor graças à doçura. Não apenas de jeito, mas de quitutes saborosos, presenteando jogadores, comissão técnica e dirigentes com cupcakes.
Em entrevista ao O POVO, a torcedora contou a trajetória acompanhando o Fortaleza, desde o início da paixão aos momentos mais marcantes. Durante a conversa, aproveitou para cravar: o Tricolor será campeão da Copa Sul-Americana.
O POVO — Quando começou a sua história com o Fortaleza?
Ana Lúcia Fontenele — Minha história com o Fortaleza começou há mais de 50 anos, quando meu pai, Antônio Batista Fontenele Filho, um torcedor apaixonado pelo Leão, começou a me levar ao Presidente Vargas. Ainda não tinha sido inaugurado o Castelão. Hoje estou com 65 anos. Depois, com a inauguração do Castelão, ganhei minha cadeira Cativa. Eu e o paizinho éramos uma dupla constante no Gigante da Boa Vista, como era conhecido o Castelão. Durante décadas a gente estava presente.
OP — Como foi vivenciar o período da Série C e hoje estar vivenciando o melhor e maior momento da história centenária do clube, consolidado na Série A e disputando o título da Sul-Americana?
Ana Lúcia — Durante boa parte da Série C, o sofrimento só não foi maior pois estava fora fazendo um doutorado, sou farmacêutica bioquímica. Com muita resiliência, principalmente porque o Fortaleza jogava bem, mas “morria na praia”. Mas foi esta resiliência que fortificou o clube, a gente sempre sai forte quando é banhado com lágrimas. E o resultado de tantas lágrimas é o que hoje estamos vivenciando. Um Fortaleza maduro, mas sem soberba. Trabalhando sério, com compromisso e, principalmente, com união. Acho que esse é o grande segredo do elenco: todos são um.
OP — Você tem o costume de levar cupcakes para atletas, membros da comissão, diretoria... Quando e como surgiu essa ideia?
Ana Lúcia — Levar bolo para o Castelão começou no meu aniversário de 2022, em 19 de fevereiro. Levei um bolo bem grande para festejar no estacionamento do Castelão e partilhei um pedaço com quem estava e um pedaço para o nosso querido Vojvoda. Este fato foi comentado por muitos, principalmente porque saiu na TV. Depois, quando o Vojvoda fez um ano, levei um bolo para a comissão técnica no Pici, e a partir daí passei levar meu cupcakes para partilhar com a torcida e com quem eu encontrava.
Muitas pessoas pensavam que eu vendia, mas era só um mimo para todos. E sempre que dá estou levando. A Toinha, quando chegam familiares, sempre me pede este agrado. Para quem tem caráter e compromisso, como o Vojvoda e sua equipe técnica, ofertar é uma alegria.
OP — Qual momento mais marcante que você viveu dentro do clube?
Ana Lúcia — Um momento marcante no clube, pois sempre fui das arquibancadas, em 2022, no aniversário do clube, ser convidada para o café da manhã e a missa no Pici. E depois ganhar uma blusa dedicada pelo Vojvoda. Muito jogadores estavam lá. Foi a primeira vez que participava, e a primeira vez a gente nunca esquece.
OP — Qual o momento mais marcante vivido pela Ana como torcedora do Fortaleza?
Ana Lúcia — Falar em momento mais marcantes é difícil. Por isso vou dividir em dois momentos: em 1973/74, já no Castelão, o nosso rival (Ceará), pelo Campeonato Cearense, bastava empatar para ser campeão cearense arrastão. Veio o jogo e o Fortaleza venceu, depois tiveram mais dois jogos e nós vencemos e fomos campeões cearense. Marcante, pois estava ao lado do meu pai, que faleceu muito novo, aos 57 anos.
Um segundo momento foi o gol do Valentín Depietri, quando nos colocou na fase de grupo da Libertadores, no ano mágico de 2021. Este gol, para mim, foi o pontapé para nos colocarmos em um grande torneio internacional. Você deve estranhar não falar no gol do Cassiano, mas nesta época estava escrevendo a minha tese. Não estava em Fortaleza.
OP — Como está a expectativa e, principalmente, a ansiedade para o duelo contra a LDU? Está confiante no título?
Ana Lúcia — A expectativa é grande, mas sou tranquila e sempre acredito. Procuro ser sempre positiva. E acreditar sempre. Estou, sim, confiante, principalmente porque esta comissão técnica, diretoria e todos que fazem o Fortaleza merecem. Quando vi o Vojvoda com o terço na mão, como fiquei feliz, pois quem pede a proteção da Mãe Santíssima, ela protege. Meu único receio é com os “erros” da arbitragem, mas como os “grandes” já foram eliminados, é nosso momento. Pode anotar: vamos trazer esta taça para o Pici.
OP — Se o clube for campeão, vai levar cupcakes para celebrar com os campeões? Já pensou em algo caso o título venha para Fortaleza?
Ana Lúcia — Com certeza, mas não no Uruguai. Estarei saindo dia 26 à tarde, chego às 23h45min em Porto Alegre e já entro no ônibus para seguir para Punta del Leste. Não tenho condição de levar meus cupcakes. Mas com certeza levarei para o Pici. Caso não possa entregar pessoalmente, entregarei para a Toinha.
OP — O que o Fortaleza representa para você?
Ana Lúcia — O Fortaleza representa, para mim, superação e força nas dificuldades. Motivo de orgulho, mas sem nunca esquecer o passado e sempre o trabalho se colocando como pequeno. A palavra de Deus diz: “É sendo pequeno que se torna grande”. O nosso amado Leão está caminhando e crescendo em passos firmes, mas em passos pequenos. Devagar se vai longe.
A única coisa que hoje me deixa triste é o contexto que envolve a violência. Não é a violência do futebol, mas da sociedade. Quando o Castelão era o Gigante da Boa Vista, com capacidade para 120 mil torcedores, a gente chegava tudo junto e misturado, subíamos as rampas, tudo mexendo um com o outro, quer seja na vitória ou na derrota.
Hoje é um espaço imenso no Castelão, que comporta 60 mil pessoas, fui de uma época de mais de 100 mil, quando comecei a frequentar, depois dos anos 1980 que foi concluído e fechado. Aquele que era adolescente fica emburrado, eu mesma passei uma semana sem falar com tio meu, porque ele torcia Ceará. Aí você vê essa guerra que existe hoje, guerras entre as torcidas, entre torcedores do mesmo clube... É absurdo, mas isso é reflexo de uma sociedade violenta.