Quando Dom José deixou a cripta da Catedral Metropolitana de Fortaleza e se dirigiu, já devidamente paramentado, ao fim da fila de sacerdotes que se formava na lateral do templo, uma mulher se aproximou e, rompendo o protocolo, tomou as mãos do arcebispo.
Única figura feminina em meio à multidão de homens trajando branco, parecia emocionada. Indiferente ao ritual que interrompia, conversou com seu interlocutor até que dele recebeu um abraço.
O arcebispo assumiu seu lugar na fila e a procissão teve início. Centenas de sacerdotes o conduziram até o púlpito, onde, pouco depois das 9h deste sábado, 9, Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques celebrou sua missa de despedida em uma catedral lotada de padres, seminaristas, fiéis e curiosos que, na falta de assentos, se acomodaram em banquinhos improvisados às portas do templo.
Do lado de fora, encostada à parede escura da Catedral, com os olhos vermelhos e a voz vacilante, emocionada demais para acompanhar a procissão de sacerdotes, a mulher que minutos antes havia abraçado Dom José falou com O POVO.
"Eu fui dizer a ele pra ele não abandonar a gente, porque ele sempre foi um pai pra gente, principalmente pra mim. Nos momentos mais difíceis, quando eu precisei, ele nunca disse 'não', sempre moveu céus e terras pra me ajudar. E o próximo, que vai entrar, eu não sei como vai ser, né? Então só fui pedir pra ele não esquecer da gente".
A mulher é Francisca Moreira, vendedora de água nos sinais da cidade. Naquele momento, seu choro era de alívio: "Eu pensei que ele ia embora. Mas ele me disse pra ficar com o coração tranquilo, que ele não ia abandonar a gente, que ele não ia embora, que ele ia sempre estar por aqui".
Francisca perdeu a conta de quantas vezes, como ela mesma conta, tocou a campainha da residência de Dom José e foi recebida por ele, sem hora marcada, com a mesa de almoço posta. "Ele já pagou vários aluguéis pra mim, me tirou de várias situações difíceis. E não só pelo financeiro, mas pela palavra de amor. Ele escuta, se compadece de sua dor, move céus e terras para ajudar, só sossega quando resolve seu problema. Ele, aqui na terra, é tudo pra mim".
Dom José, durante todo o trajeto, da cripta ao púlpito, e também em cima dele, distribuiu acenos e sorrisos. Parecia satisfeito e sereno, como se confirmasse as palavras que havia dito a Francisca — "Eu não vou embora, eu vou sempre estar por aqui". Quando assumiu o microfone para agradecer a homenagem, abriu mão de relembrar detalhes e conquistas de sua trajetória de 24 anos de governo pastoral e falou em humildade, caridade e compaixão.
"Sempre se espera que em um momento tão solene como esse a gente possa ser mais formal, mas isso não faz meu jeito", anunciou, recusando em seguida homenagens que fossem a ele direcionadas e esclarecendo que ali seria celebrada uma "missa de Ação de Graças a Deus".
Citando Dom Helder Câmara, um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmou que tomou como seu o dever de "preparar pastores com caridade e compaixão" e que eles, os religiosos, são "herdeiros de tarefas inacabadas".
Anunciando que havia completado nesta sexta-feira, 8, 49 anos de sacerdócio, indicou aos fiéis que "pedissem perdão a Deus não só por si, mas também por mim", e resgatou um ensinamento que aprendeu quando foi elevado de bispo auxiliar a arcebispo: "A gente não sobe para o poder. É lá no alto que o calvário está". Mais de uma vez suas falas foram seguidas por aplausos.
Escorado à parede, no vão de uma das grandes portas laterais, com uma sacola cheia de mercadorias que, segundo contou a O POVO, seriam vendidas no comércio borbulhante do Centro naquela manhã de sábado, Francisco Maciel também aplaudia a fala de Dom José. Não era católico, e nem sabia bem o que era, mas se disse comovido com as palavras do religioso. "Eu não sou nada, mas tudo o que ele disse sobre caridade é verdade, que pena que ele vai embora", lamentou.
Como se ouvisse a queixa de Maciel, Dom José contou uma anedota que acabou servindo de consolo: "Hoje cedo, não podendo vir pra cá de carro, nós viemos a pé, e muito rápido porque estávamos atrasados. Passando pela praça do Seminário da Prainha, tinha lá uns mototáxis conversando, e um muito falante dizendo alto 'Ê, tá essa confusão no trânsito por causa do arcebispo. O que tava aqui, mandaram embora, e agora vem outro no lugar dele'. Eu estava passando na frente, virei e gritei pra ele 'Meu irmão, ninguém me mandou embora não, eu estou aqui!'".
O novo arcebispo de Fortaleza, o monge beneditino Dom Gregório Ben Lâmed Paixão, deverá chegar à capital cearense na próxima quarta-feira, 13. Sua cerimônia de posse está marcada para a sexta-feira seguinte, 15, em missa que também será celebrada na Catedral Metropolitana.
Dom Gregório, que é natural de Aracaju, no Sergipe, e que atuou durante quatro anos como bispo auxiliar da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, foi indicado em 2012, pelo Papa Bento XVI, para assumir o bispado da diocese de Petrópolis, município localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Segundo apurado por O POVO com fontes próximas ao religioso, Dom Gregório é simpático e gosta de dialogar com as pessoas. Em mensagem divulgada pela Arquidiocese de Fortaleza em outubro, quando o Papa Francisco anunciou o aceite do pedido de renúncia de Dom José, o novo arcebispo compartilhou seus propósitos:
“Desejo ser para vocês um pastor presente e amável e tenham certeza que tudo farei para que nenhum de vocês sejam invisíveis aos meus olhos, especialmente os mais necessitados, os que perderam a esperança e todos os que se puseram, ou que foram postos, à margem da sociedade”, afirmou.