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Dois dedos de prosa com o professor Israel Araújo: o lúdico no processo de alfabetização
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Dois dedos de prosa com o professor Israel Araújo: o lúdico no processo de alfabetização

Israel fala sobre sua descoberta como educador, os desafios e as conquistas que teve em sua trajetória
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Ainda na faculdade, ele percebeu que é possível aprender brincando (Foto: ReprodUção/ Arquivo Pessoal)
Foto: ReprodUção/ Arquivo Pessoal Ainda na faculdade, ele percebeu que é possível aprender brincando

Dedicado à educação pública, o professor Israel Araújo atua há três anos na rede municipal de ensino de Paraipaba, no interior do Ceará. Com um olhar sensível para o processo de alfabetização, ele alia metodologias ativas e práticas lúdicas em sala de aula, promovendo um aprendizado prazeroso para crianças de sete e oito anos

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Formado em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Israel também foi bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET), onde participou de ações de extensão voltadas à democratização do ensino. Atualmente, além de lecionar, Israel é autor do livro infantil “Criaturas”, desenvolvido em parceria com seus próprios alunos.

O POVO – Primeiramente, como surgiu o desejo de lecionar?

Israel Araújo – Eu terminei o ensino médio em 2013 como técnico em logística, e minha pretensão era cursar administração. Mas, já nessa época, eu me via na área do ensino, ministrando palestras e cursos nas empresas, porque no ensino médio havia um projeto de monitoria em que eu participava dando aulas em algumas disciplinas. Prestei vestibular para administração e não passei, então fui para o curso de pedagogia. No primeiro semestre, me aprofundei nos estudos de pedagogia organizacional, mas, à medida que o tempo foi passando, minha visão sobre educação foi mudando.

OP – Você pode falar da sua trajetória até chegar em sala de aula?

Israel – Sou formado desde 2019, mas antes disso participei de diversas formações. Fui bolsista no Programa de Educação Tutorial (PET) da UFC, onde comecei a criar projetos de extensão dentro da faculdade. Alí, trabalhei na rede pública de Fortaleza levando o projeto “Hora do Código” para escolas da periferia. Depois, desenvolvi com mais três colegas, um projeto que unia arte e alfabetização para pessoas em situação de rua. Graças a essas vivências que me vi como educador, defendendo uma educação de qualidade para todos. Depois me formei, passei em um concurso e comecei a lecionar no município de Eusébio. Atualmente, sou professor em Paraipaba, no interior do Ceará.

OP – Você ensina crianças de sete a oito anos. Como essa faixa etária influencia na forma de trabalhar a alfabetização?

Israel – Estamos falando de um período conhecido como terceira infância, também chamada de fase escolar. Nessa fase, a criança precisa de atividades lúdicas para que o cérebro consiga desenvolver tanto a reflexão sobre a escrita quanto a leitura, mas de um modo lúdico. É a partir desse entendimento, e com base teórica adequada, que desenvolvemos materiais e estratégias de ensino.

OP – O que o motivou a se dedicar especificamente à alfabetização de crianças?

Israel – Assim que saí da faculdade, eu não tinha o anseio de ser professor alfabetizador. Quando cheguei a Paraipaba, trabalhava em duas escolas, o que era cansativo, pois ficavam em comunidades diferentes. Recebi o convite de uma das escolas para assumir uma turma de segundo ano. Fiquei receoso, pois não me sentia preparado, mas aceitei o desafio — e hoje amo a experiência. São muitas descobertas ao longo do tempo. Posso dizer que ainda não me sinto totalmente alfabetizador, mas a cada ano me sinto mais preparado, e os resultados mostram que estou conseguindo avanços significativos na alfabetização das crianças. Mas agora, se você me perguntar “você quer continuar?”, eu respondo que sim, pois eu me encontrei na alfabetização e não quero sair dessas turmas.

OP  Por que ainda não se sente um alfabetizador?

Israel – Acho que o professor nunca vai se sentir completamente preparado. Sempre há novos desafios e aprendizados. Como dizia Paulo Freire, o professor é um ser em constante transformação — e essa é uma reflexão que sempre carrego. Hoje me sinto muito mais preparado do que no início, mesmo assim, ainda não me sinto um professor alfabetizador. Só estou na alfabetização há três anos e ainda há muito o que aprender. 

OP – Como surgiu a ideia de trabalhar a educação de forma lúdica?

Israel – Deixei de ser aluno para ser professor há seis anos, e entendo que estudar não é tarefa fácil, principalmente para uma criança. Por isso, busco ser o professor que gostaria de ter tido na infância. Mas o que de fato me fez mudar a visão sobre o ensino-aprendizagem foi a disciplina de ludopedagogia, ministrada pela professora Bernadete Porto. Ela mostrou que era possível aprender brincando e transformou aquela disciplina em algo muito prático, ensinando textos acadêmicos de forma lúdica. Ali pensei: “Se eu consigo aprender textos complexos com brincadeiras, imagine uma criança em fase de desenvolvimento”. Desde então, tenho como meta levar a ludicidade para a sala de aula.

OP – E o que você entende por ludicidade?

Israel - Para mim, ludicidade não é apenas a brincadeira, mas um estado de espírito. O filósofo Cipriano Luckesi diz que estar em ludicidade é estar bem consigo mesmo.

 

OP – Por que você escolheu o método fônico para trabalhar a alfabetização?

Israel – Quando a gente fala em metodologia, querendo ou não, entramos em um debate profundo, porque infelizmente a educação ainda é um campo de disputa. De um lado, temos defensores do método “A”, do outro, defensores do método ”B”. E, às vezes, parece que o professor obrigatoriamente tem que escolher um lado, e não é bem assim. Nós temos que trabalhar de uma forma que faça com que as crianças se desenvolvam. Por isso, sou muito a favor do que diz a escritora Magda Soares quando afirma que a alfabetização não deve se limitar a escolha simplista entre abordagens, mas sim no que melhor desenvolve a criança.

Atualmente, utilizo o método fônico no início do processo de alfabetização. Essa escolha se deu porque a neurociência já comprovou que o cérebro da criança precisa de um ensino explícito e sistemático, baseado na união entre letra e som. Em resumo: para que a criança aprenda mais rápido, ela precisa não apenas conhecer o nome das letras, mas também o som que elas produzem. No decorrer do ano letivo, utilizo outras abordagens conforme a evolução dos alunos.

OP – Quais os principais desafios de alfabetizar crianças da zona rural e como busca superá-los?

Israel – A maior dificuldade é a frequência dos alunos, principalmente no início do ano. Em Paraipaba, isso é algo que ocorre em todas as escolas — os alunos faltam muito. E como a alfabetização é um processo contínuo, a ausência da criança compromete o seu aprendizado. Para contornar isso, busco tornar minha sala um ambiente agradável, onde as crianças gostem de estar. Inclusive, muitos pais já me disseram que os filhos pedem para vir à escola porque “a aula do professor Israel é legal”. Além da frequência, outro desafio é o capital cultural das famílias: muitos não têm livros em casa e alguns pais não sabem ler. Isso dificulta o incentivo à leitura. Nós professores, temos que fazer com que a criança entenda que ler e escrever é importante, mas sem o apoio da família nosso trabalho se torna difícil.

OP – Você também é autor do livro infantil “Criaturas”. Como surgiu a ideia da obra?

Israel – Esse livro é bacana porque foi desenvolvido em parceria com as crianças. Ele surgiu a partir de uma atividade do livro "Bichos!, do professor Francisco Gilson, que termina com um proposta muito bacana: “E que tal você também pensar em novas criaturas?”. A partir daí, criamos atividades envolvendo leitura, escrita e produção artística. Assim surgiu o “criaturas”.  O lançamento aconteceu na escola, com as crianças super contentes autografando os livros para os pais. Cada aluno levou um exemplar para casa, e os demais ficaram na biblioteca.

OP – Existem planos para a criação de novos livros ou de expansão desse projeto?

Israel – No momento, não temos nada em mente. Como o livro é baseado em outro, é complicado levá-lo para fora do município, pois alguns editais não aceitam. Mas a Secretaria Municipal de Educação prometeu disponibilizar exemplares para outras escolas da cidade.


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