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Na equipe de transição do novo governo, o cearense Luciano Irineu de Castro Filho, 45, é chamado de "guru" da área de energia do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). No currículo, acumula os títulos de mestre e doutor pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Começou a carreira no Colégio Militar de Fortaleza. Em 1990, trabalhou como 1º tenente engenheiro na Força Aérea Brasileira, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Saiu do Brasil em meados de 1995. Hoje, é professor do Departamento de Economia da Tippie College of Business, Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.
Luciano repete o discurso de Bolsonaro de fazer da nova gestão um revés ao legado dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Com a fala mansa e suspiros longos, mas longe do sotaque cantado do Ceará, ele conversou com O POVO, por telefone, sobre o que pensa para o setor de energia e como deve trabalhar para baixar a conta de luz. Defendeu ainda a agenda liberal e citou o ícone do liberalismo Milton Friedman. Nos planos do engenheiro, estão a importação do molde norte-americano de fornecer energia, adaptando ao Brasil, a expansão do mercado e remodelação dos subsídios.
O POVO - Quando o senhor soube que faria parte da equipe de transição de Bolsonaro?
LUCIANO - Sou pesquisador da área de energia há muitos anos, era conhecido, tinha alguns amigos economistas e eles me convidaram para fazer uma apresentação para o Paulo Guedes sobre o setor de energia. Ele gostou da apresentação, convidou-me para trabalhar na campanha e me indicou como responsável pela energia. E, desde então, tenho participado das reuniões do grupo. Representei a campanha do presidente Bolsonaro em alguns encontros, conversei com associações do setor, investidores. Algumas vezes nos Estados Unidos e outras no Brasil e, naturalmente, depois da eleição, fui convidado para fazer parte da equipe ligada à parte de energia.
O POVO - Qual cargo assumirá?
LUCIANO - Não existe essa definição. Estamos aguardando.
O POVO - O que o senhor planeja para o setor de energia no País?
LUCIANO - O setor elétrico brasileiro sofre uma sequência de intervenções do governo... Na era do PT, houve uma reforma em 2004, em algumas virtudes. E, desde então, houve uma série de intervenções que acabaram piorando as regras, tornando-as mais complexas e causando ineficiência. Tudo isso se agravou muitíssimo em 2012, com a MP 579 (Medida Provisória), acho que seus leitores vão se recordar. Foi quando a então presidente (Dilma Rousseff) prometeu redução nas tarifas de energia. O que houve no ano seguinte? Os custos reais da energia aumentaram muitíssimo, e, embora naquele ano específico houve uma queda, o que a gente estava fazendo era pagando só a metade da conta. Houve uma necessidade de aportar R$21 bilhões em empréstimos das distribuidoras, porque o que estava pagando na ocasião não era suficiente, e essa conta ficou para ser paga nos anos posteriores e a gente está pagando até hoje. Isso sem falar no prejuízo milionário de R$ 300 milhões que foram perdidos por conta da restrição do patrimônio da Eletrobras. O maior desafio agora, do Ministério de Minas e Energia, é rever todo esse arcabouço de regras para tentar dar uma racionalidade e buscar o que todo brasileiro aspira: uma energia mais barata.
O POVO - Quais seriam as regras?
LUCIANO - Tem uma série de subsídios, por exemplo, que acabam trazendo ineficiência. Deixa eu dar um exemplo: nós temos, na Amazônia, uma série de sistemas isolados onde a energia é reproduzida por fontes a diesel - que são extremamente caras. Não seria possível recolher o pagamento direto dos usuários porque o custo é muito alto, ele é dividido entre todos os consumidores brasileiros. O custo geral é aumentado e acaba a gente pagando mais por isso e os valores são bilionários. Só no Amazonas, na distribuidora Amazonas Energia, tem uma dívida bilionária R$ 20 bilhões. A ideia é dar oportunidade para que os distribuidores entreguem soluções mais baratas, capturar uma parte mais substancial dos ganhos e isso incentive a buscar custos mais reduzidos que vão beneficiar os brasileiros.
O POVO - Além deste, quais seriam os outros gargalos?
LUCIANO- Existem vários outros subsídios. No Amazonas são R$ 350 milhões de perdas em cada mês, se pensar em R$ 350 milhões por mês, por conta dessas perdas. Isso é um exemplo, tem vários outros, alguns deles é difícil traduzir para o consumidor, mas nesse caso do Amazonas, por exemplo, é uma conta bastante clara.
O POVO - Como reduzir as tarifas no Brasil?
LUCIANO - Eu conheço vários mercados no mundo inteiro, cada mercado tem sua peculiaridade. A gente conhece as melhores táticas internacionais e a gente vai querer trazer para o Brasil, mas a gente tem que adaptá-las. E essa adaptação exige um processo de desenvolvimento conjunto com os agentes do setor. É exatamente o que a gente vai tentar fazer. Desenvolver uma solução que seja aceitável, compatível com a realidade brasileira e desenvolver um trabalho conjunto com o setor. A gente não vai fazer como governos anteriores de tomar decisões ao ponto de impor ao setor, como foi feito na MP, a gente vai trabalhar em conjunto para adotar as melhores táticas internacionais.
O POVO - Essas táticas vêm de quais países? Quais são?
LUCIANO - Existe uma necessidade de adaptar à realidade brasileira. Mas, algumas delas, por exemplo, alguns estados americanos, onde eu morava em Iowa, permitia a livre escolha de energia como consumidor. O que acontece lá é o seguinte: cada consumidor, na sua tarifa de energia, paga duas partes: uma parte ele está conectado à rede e uma outra é a energia que ele consome. O que acontece é que ele tem a liberdade, na parte da energia, de escolher de quem vai comprar. O fato dele ter várias escolhas faz com que as comercializadoras comecem competir entre elas para oferecem os menores preços. Isso dá uma liberdade para o consumidor, é bastante interessante e tende a reduzir os preços da taxa de energia. Isso vai um pouco contra do que tem sido feito historicamente no Brasil, que tem caminhado para fazer uma coisa mais centralizada. A gente está se preocupando com a descentralização e que o consumidor tenha escolha.
O POVO - O que precisaria ser feito para aplicar?
LUCIANO - Há algumas restrições técnicas digamos assim, para fazer isso, e também institucionais. As próprias distribuidoras teriam que separar uma parte da distribuidora para cuidar simplesmente da conexão e uma para cuidar da negociação dos contratos e oferecimento dos pacotes de energia. Existe a necessidade de definir algumas regras, como nos casos em que há regiões com muitas perdas, quem seria obrigado a servir. Mas já houve uma consulta pública anos atrás no setor elétrico, na CP33, em 2017, e já se avançou na definição das regras para esse caso. Ainda existe uma necessidade de amadurecimento e definição em relação a como isso aconteceria. É exatamente isso que a gente quer fazer, caminhar para definir melhor e responder algumas das questões que ainda existem. Já existe um debate básico, um direcionamento básico que tem um consenso, um acordo e aceitação por boa parte dos agentes do setor.
O POVO - O que ficará na mão do governo?
LUCIANO - A direção geral que a gente quer adotar é justamente reduzir a participação do governo, a dependência do setor com relação ao governo, a gente quer fazer com que mais e mais as coisas no setor ocorram ou sejam definidas pelos próprios agentes, de forma descentralizada. Quando isso ocorre tende a evitar os diversos custos e a ineficiência que o governo produz na economia. Espera-se um aumento de eficiência e uma redução de custo para os consumidores.
O POVO - O senhor vai trabalhar o "liberalismo com fraternidade"?
LUCIANO - Isso é uma coisa que o Paulo Guedes usou algumas vezes. O que a gente quer fazer é exatamente trazer a parte boa dos mercados, que é exatamente o liberalismo, dar liberdade para as empresas e empreendedores desenvolverem seus negócios. Isso sem instituir uma lei da selva em que você deixa desamparados os mais necessitados. A gente vai manter uma rede de proteção social e uma condição de assistência a eles, um cuidado muito grande com o nosso povo mais carente, o Brasil ainda é um país muito pobre e o os seus cidadãos mais necessitados precisam de atenção. A gente não vai deixar de cuidar.
O POVO - E o que seria feito para os mais necessitados? Subsídios continuam?
LUCIANO - Você pode fazer não subsídios direcionados para determinados produtos, mas fazer transferência de renda. Esse programa de transferência de renda, por exemplo, era defendido exatamente por Milton Friedman, um dos maiores ícones do liberalismo mundial. A forma de fazer transferência de renda direta sem vinculação a produtos nos parece que é a forma mais eficiente de você aumentar o bem-estar da população mais carente.
O POVO - O sistema de bandeiras continuaria?
LUCIANO - O sistema de bandeira captura exatamente o sistema de variação da energia, então, de certa forma, que a população não seja enganada em relação aos custos. Quando você mantém os custos fixos, sem variar, sendo que o custo real está variando, você está fazendo de certa forma meio que enganar a população. Acha que o preço está estável, quando na verdade não está. E isso é exatamente esse engodo que está por trás do que houve na MP. Foi o maior golpe que o povo sofreu na energia. Uma redução prometida de preços, quando na verdade, os preços estavam subindo. Esse tipo de coisa tem que evitar. O sistema de bandeira deve permanecer. O que a gente vai tentar fazer é que o custo da energia baixe. E aí a energia pese cada vez menos no bolso do consumidor.
O POVO - Como o senhor avalia o uso de energias renováveis e termelétricas?
LUCIANO - Não é papel do governo ficar escolhendo uma fonte ou outra. No seguinte sentido: quando o governo se abre a fica definindo ou favorecendo uma determinada tecnologia abre a possibilidade de lobbys atuarem com governo para favorecer aquela tecnologia. O que deve haver é uma definição de regras claras, transparentes, que permitam dar a cada fonte os atributos que ela tem. Ou permitam avaliar. As renováveis têm uma vantagem clara que é o fato de não emitirem poluente, são fontes limpas. E essa vontade tem que ser atribuída, de preferência através de um mecanismo de mercado, e se transforme em uma vantagem no aspecto competitivo. Outras fontes têm outras características que são interessantes. A possibilidade de despachar, controlar a produção de forma a também atender a demanda. Isso também é uma característica importante. O que você tem que fazer é estabelecer regras claras e deixar que o mercado ache as soluções.
OP - Que soluções podem surgir?
LUCIANO - Você pode dar a empreendedores a possibilidade de desenvolverem as melhores soluções, combinando um e outro. Por exemplo, uma produção de fontes renováveis com mecanismo de retenção da energia, com baterias, para que elas pudessem ser despachadas seguindo a demanda. Existem outras combinações, pode colocar energias renováveis como solar e eólica junto com hidrelétrica. Fazia um balanceamento dessas duas e pegava o melhor dos dois mundos. O que precisam fazer é regras de mercado que sejam equalizadoras, façam sentido, sejam transparentes, simples e valham para todos e aí os empreendedores vão responder da melhor forma e trazer para o conjunto das fontes a combinação mais eficiente.