A pandemia escancarou a vulnerabilidade dos trabalhadores autônomos. À margem da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), eles, que mantinham uma rotina exaustiva para assegurar o ganha-pão, perderam ou tiveram e renda corroída durante o isolamento social. Em Fortaleza, por exemplo, a busca pela prestação de serviços desses profissionais caiu 83% entre março e junho deste ano, ante igual período de 2019.
O dado do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) retrata histórias como a da lavadeira e passadeira Maria Lúcia de Sousa Lima, 65, que viu os trabalhos diários ficarem escassos. "Em um mês bom, eu tirava uns R$ 3 mil. Tinha semana na qual eu não parava, mas, com tudo isso acontecendo, diminuiu muito. Voltou a melhorar um pouco agora em julho. Comecei a trabalhar umas três vezes por semana, e vai dar para tirar uns R$ 800", relata.
Segundo a instituição, houve somente 1.260 buscas por trabalhadores autônomos nos últimos quatro meses. No mesmo intervalo de tempo do ano passado, foram 7.500 solicitações. Atividades domésticas são as mais demandadas, como faxinas e serviços gerais. A procura por acompanhantes de idosos também é grande.
O gerente de atendimento ao autônomo do IDT, João Nogueira Lima, observa que a crise sanitária represou a demanda por trabalhadores autônomos. "A queda é uma consequência das pessoas não poderem adentrar nas residências em razão do isolamento social, pois grande parte dos clientes ficou com medo de contrair a Covid-19, e os profissionais também precisariam de mais proteção", analisa.
O economista Alex Araújo aponta a transformação abrupta no comportamento da sociedade devido à realidade imposta pela epidemia. Ocorre que as tarefas domésticas e reformas nas residências, por exemplo, até cresceram durante quarentena, mas o consumidor passou a realizá-las sem o auxílio de um profissional.
A linha "faça você mesmo" é uma adequação que acompanha os novos hábitos de consumo acelerados pela pandemia. Alex pondera, no entanto, ainda ser cedo para afirmar se essa é uma mudança estrutural ou efêmera. "Vários segmentos tiveram de se reinventar neste período. Alguns, porém, não têm flexibilidade para a mudança de perfil do negócio ou serviço prestado. Por isso, o auxílio emergencial foi crucial, permitindo as pessoas terem algum tipo de renda", avalia.
Ficar em casa, muitas vezes, não é uma escolha para os trabalhadores que não têm carteira assinada. Sem um salário-mínimo garantido, o ganho é construído dia a dia para a sobrevivência. Uma paralisação das atividades significa perder a fonte de renda. Além disso, a precarização do trabalho na economia informal gera mais vulnerabilidade e desigualdade socioeconômica.
Esses profissionais autônomos, por exemplo, não têm garantia de aposentadoria por idade ou invalidez, diretos a auxílio-maternidade, seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Se ficarem doente, por exemplo, não terão licença médica remunerada.
No Brasil, eles são muitos. Hoje, correspondem a 40% do mercado de trabalho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Ceará, a taxa de informalidade é de 54,9%. Ainda de acordo com dados do IBGE, 3,7 milhões de informais perderam as funções no trimestre até abril, totalizando 76% das 4,9 milhões ocupações extintas na crise da Covid-19.
Diante dessa realidade, o Governo Federal foi pressionado a criar um programa de Renda Básica Emergencial (RBE) durante a pandemia, com o auxílio de R$ 600 a serem pagos inicialmente por três meses, agora prorrogado por mais dois meses. A dona Maria Lúcia, citada no início desta reportagem, é uma das beneficiadas. O dinheiro tem ajudado a equilibrar queda das diárias.
"Junto com o dinheiro do meu trabalho e consigo não ficar sem dinheiro no mês", conta, destacando não temer trabalhar em meio à pandemia porque toma todos os cuidados necessários. "Levo mudas de roupa, prendo o cabelo e coloco touca, uso máscara, já deixo o sapato que venho no hall. Antes mesmo de tudo isso, eu já era cuidadosa com essas coisas, sabe?" (Colaborou Miguel Araújo /Especial para O POVO)