O impacto social e econômico da pandemia da Covid-19 ainda deve demorar a ser mensurado entre as diversas sociedades mundo afora por causa do impacto calamitoso que causou. Essa foi uma das reflexões que fez o professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, considerado um dos maiores pensadores sociais deste século. Ele ainda afirmou que a crise sanitária "é uma tragédia humana" e a desigualdade social e econômica "contribuiu".
O professor português abriu a 10ª edição do seminário Futura Trends, que analisa o cenário pós-pandemia sob o tema "Dilemas Humanos Pós-Covid-19". Boaventura ministrou a palestra "Saúde, Ciência e Geopolítica: o que nos revela a pandemia da Covid-19? Onde erramos e para onde vamos? Quais cenários e sinais a pandemia nos deixa?".
Em 90 minutos de fala, ele abordou diversos temas, dentre eles, a falta de preparação dos sistemas de saúde do mundo para combater a pandemia, sob o custo de mais de um milhão de mortes. Na sua visão, a construção de uma sociedade extremamente desigual nos últimos 40 anos fez a diferença.
"Fez com que muita gente vivesse pauperrimamente, sofrendo com doenças pandêmicas, como a dengue no Brasil, milhões vivendo nessas condições. Ainda de pandemia de trabalho precário, como na Índia. É uma tragédia humana e a desigualdade contribuiu, pois o vírus não é democrático, é caótico e atinge mais quem tem menos acesso à saúde", analisa Boaventura, que tem dezenas de seus livros publicados com traduções em espanhol, inglês, italiano, francês e alemão.
Ainda segundo o professor, essa desigualdade extrema faz com que parcela da sociedade mundial fique impossibilitada de lavar as mãos muitas vezes por dia, por exemplo, já que para muitas regiões do planeta o acesso à água é difícil e caro e as pessoas encontram dificuldades até mesmo de ter esse recurso para beber ou cozinhar. E ainda há a previsão de que esse problema seja ampliado nas próximas décadas.
Boaventura também refletiu sobre a globalização, que fez com que as informações sobre o trato da doença fossem compartilhadas pela comunidade científica mundial, mas que favoreceu para que a pandemia atingisse de maneira importante todo o mundo em questão de meses. Diferentemente do que foi à época a gripe espanhola, por exemplo, que demorou pelo menos dois anos.
O professor frisa que os países desenvolvidos também sofreram. "Quando se há uma pandemia numa sociedade como a nossa, em que há tantos recursos tecnológicos, em que podemos ir à Lua ou a Marte, seria mais fácil proteger a vida humana, mas não conseguimos".
"Até países com grandes recursos tecnológicos e financeiros estão sofrendo com a pandemia, em situações calamitosas, como nos Estados Unidos. Então é preciso ver aonde erramos", complementa.
SERVIÇO
Seminário Futura Trends 2020
Quando: Até 29 de outubro, às 18 horas
Inscrições e valores: seminariofuturatrends.com.br
Os cenários possíveis no pós-pandemia
Na palestra de abertura da 10º edição do seminário Futura Trends, o professor Boaventura de Sousa Santos destaca três cenários possíveis para o mundo pós-pandemia. Ele ainda ressaltou alguns protagonistas no processo de combate ao vírus: o Estado, que mesmo fragilizado por uma visão econômica de mercado mostrou sua importância na defesa dos interesses da sociedade como um todo. Bem como a ciência, já que em países em que foram adotadas visões negacionistas e politizadas, as perdas foram maiores em vidas.
O palestrante ainda falou que a pandemia é o grande marco para o início do século XXI, assim como a Primeira Guerra Mundial foi para o século XX e a Revolução Industrial foi para o século XIX. Em todos esses períodos anteriores, houve um salto social e tecnológico.
Diante deste cenário, o professor ressalta três possibilidades para o pós-Covid-19. O primeiro, de boa possibilidade, é que muitas pessoas estejam ansiosas para saírem de casa para continuar com os mesmos hábitos de consumo. Mas considera "distópico", pela situação da economia mundial, debilitada da crise.
O segundo quadro e com boa probabilidade, afirma Boaventura, é que haja algumas mudanças na sociedade, mas que o fundamento de hábitos de consumo não se altere, bem como modelos de desenvolvimento sem atenção às mudanças climáticas ou desigualdade social.
A terceira e última expectativa descrita pelo português é que a sociedade passará a repensar seus hábitos de consumo. "Penso que esse cenário é feito através de um período de transição. É preciso começar a criar uma alternativa para superar essa crise e essa pandemia pode ser oportunidade", observa.
O compartilhamento de fake news foi um dos problemas que até chegou a causar mais mortes, diz o palestrante. Ainda de acordo com a opinião de Boaventura, outro ponto negativo que precisa ser revisto é a politização da pandemia. "E as coisas não estão correndo bem, pois, quando cresce o nacionalismo, não conseguimos realizar um enfrentamento global (contra a pandemia)."
Programação
Hoje, 27 de outubro - palestra "O mundo pós-pandemia: impactos nas empresas, gestores e mercados; caminhos para enfrentar as incertezas e ambiguidades na gestão e no trabalho", com o professor Departamento de Gestão e Empreendedorismo da Arizona State University, Rivadávia Drummond de Alvarenga Neto. Moderadores: Elias Bezerra Leite, presidente da Unimed Fortaleza; Fernanda Pacobahyba, secretária da Fazenda; e Adailma Mendes, jornalista O POVO.
Dia 28 - palestra "Família, educação e ócio: de que forma a pandemia da Covid-19 afetou o comportamento social das pessoas. A reinvenção da educação, do trabalho e dos governos", com o sociólogo Domenico De Masi. Moderadores: Elizabeth Parente, head de Recursos Humanos (RH) da Nutrilite e do Grupo Amway, e Margarida Yassuda, presidente da BPW Brasil.
Dia 29 - palestra "Pandemia da Covid-19: as vítimas, os indiferentes e o amor. Os efeitos espirituais e humanos do distanciamento", com o padre Fábio de Melo. Moderadores: Cristiane Holanda, professora e doutora em Educação, e o frei Wilter Malveira, diácono da Arquidiocese de Fortaleza.