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EDP: ‘Olhem para nós como alguém que conhece este assunto e está disponível para coinvestir’
Economia

EDP: ‘Olhem para nós como alguém que conhece este assunto e está disponível para coinvestir’

Companhia quer continuar a operar usina térmica do Pecém com carvão, e propõe investimento no H2 como forma de equilibrar a emissão de CO2
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João Marques da Cruz ressalta que o interesse em H2 da EDP é no Ceará (Foto: Divulgação/EDP)
Foto: Divulgação/EDP João Marques da Cruz ressalta que o interesse em H2 da EDP é no Ceará

Uma das maiores empresas de geração de energia do planeta e cuja expertise também envolve o hidrogênio verde, a EDP afirmou com exclusividade ao O POVO o interesse em fazer parte do hub lançado pelo Governo do Ceará. De Portugal, sua terra natal e onde passa uma temporada, o presidente João Marques da Cruz concedeu a primeira entrevista desde janeiro, quando assumiu o cargo, e destacou as características cearenses, apontando o Estado como o mais apropriado no mundo para este tipo de projeto.

Mas o interesse da EDP envolve também uma contrapartida, que depende essencialmente do Governo Federal. O objetivo da empresa é renovar a licença de operação da usina termelétrica do Pecém, que usa carvão mineral como combustível, e mitigar as emissões de carbono no investimento em hidrogênio verde. João Marques revelou ainda que a proposta já foi apresentada ao ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) e ressaltou o Ceará como foco da companhia no Brasil.

O POVO - Como a EDP projeta o H2 nos planos de produção da companhia e qual avaliação faz do projeto do Ceará?

João Marques da Cruz - O hidrogênio é sem dúvida o gás do futuro em termos energéticos, porque o hidrogênio tem a grande vantagem de, quando queimado, não emitir nenhum carbono. 70% do valor econômico do hidrogênio é energia. É o grande insumo. Daí, se nós produzimos hidrogênio de energia renovável, temos então um céu de hidrogênio verde. Se observarmos o mapa solar do mundo, ou seja, quais as melhores áreas do mundo em termos de energia solar, veremos que o Nordeste do Brasil e, em particular, o Ceará tem as melhores fontes de sol para efeito de energia solar no mundo. Na verdade, é a melhor delas todas. Por isso, faz sentido pensar em hidrogênio. Energia solar mais energia eólica são o insumo. Por outro lado, a localização geográfica, porque o hidrogênio deve ser pensado também numa ótica de exportação, e o Ceará está mais próximo dos mercados do Norte e da Europa. De fato, faz lógica, faz lógica geográfica, faz lógica devido à qualidade do sol e do vento. Por isso faz todo o sentido em termos de estado.

Nós estamos no Estado, temos uma usina a carvão, uma usina que é extremamente importante para o sistema elétrico do Nordeste. Sem essa usina, a carvão, não era possível a tecnicamente, não era possível manter a sustentabilidade técnica do sistema. Por isso, nós queremos continuar a operar essa usina. E faz lógica que haja uma disponibilidade da nossa parte em investir em hidrogênio para mitigar "a pegada" do carvão. Por isso, a nossa ideia não é substituir a usina de carvão por outro tipo de combustível. A usina de Pecém é a carvão e assim vai continuar a ser pelo menos com a nossa gestão. Mas faz lógica que, em um conceito de continuar a operar a usina de carvão em datas posteriores ao contrato, que termina em 2027, é natural, é legítimo, que as entidades públicas pretendam que o investidor faça uma compensação ambiental investindo aí numa energia limpa, como é o hidrogênio.

OP - Então, a EDP pretende compensar o uso do carvão na térmica do Pecém investido no hub de hidrogênio verde?

João Marques - A térmica a carvão que nós temos tem um contrato PPA (contrato de compra de energia, sigla do inglês power purchase agrement) válido até 2027 e nós pretendemos continuar a servir o Ceará com essa usina a carvão para além de 2027. Agora, entendemos também, que uma usina a carvão tem uma "pegada ambiental" de emissões de carbono. Então, é uma descompensação: para continuarmos a produzir eletricidade através de uma térmica a carvão, a EDP está disponível para investir também em hidrogênio no Estado e na zona do Porto do Pecém.

OP - E como se dá o planejamento da EDP para o investimento no hidrogênio aqui no Ceará? Já tem um desenho disso?

João Marques - Um projeto desta natureza tem que ter o apoio de entidades públicas ao nível estadual e federal, porque estes contratos de venda de energia da nossa usina são ao nível federal. Nós já apresentamos ao senhor ministro (Bento Albuquerque, de Minas e Energia) esta nossa intenção. Ou seja, nosso desejo, duplo, de alargar o contrato de venda de energia da usina de carvão e o desejo de investir numa usina que produz é hidrogênio.

OP - E quais seriam os incentivos ou o apoio que tanto o Governo Federal quanto o Governo do Estado dariam que estimulariam a EDP nesse cenário?

João Marques - Duas questões são muito importantes a serem resolvidas. A primeira é essa da extensão do contrato de produção de eletricidade da usina de Pecém. A segunda questão é uma questão muito importante, são as condições econômicas da exportação do hidrogênio. O hidrogênio verde é hoje, muito mais caro do que o hidrogênio não-verde. Por isso, tem de existir um sistema de compensação internacional, através de emissões de certificados ou outros modelos técnicos. Mas que torne economicamente viável os investimentos em hidrogênio verde. Para isso é essencial, o envolvimento dos estados. Digamos que o hidrogênio produzido no Ceará tenha um certificado garantindo a produção de fonte renovável tem um valor que o consumidor nos Estados Unidos, na Europa paga.

OP - É esperado também alguma desoneração, algum incentivo fiscal para viabilizar o negócio?

João Marques - Nós já dissemos, eu reafirmo, nós temos a disponibilidade de investir. Agora, esse investimento tem que ser economicamente viável. Maneiras de tornar isso: por um lado os certificados verdes, do outro, situações de vantagem fiscal. Obviamente que isso é um packet (pacote, combo). Não é só para nós, mas para qualquer investidor.

OP - Para o desenho de uma planta assim, o senhor arriscaria dizer em qual montante seria investido?

João Marques - Vou lhe dar dois números que são sempre uma referência. 70% do investimento em hidrogênio verde é em usinas solares e ou eólicas. Um megawatt de energia exige um Capex médio de US$ 1,2 milhão. Então, estamos a falar de US$ 1,2 bilhão. Isso no componente energia. Depois que sai uma outra componente, que é o eletrolizador, a fábrica de produção de hidrogênio. E e essa fábricas de produção, números gerais, custa aproximadamente US$ 0,4 milhão de dólares em cada megawatt de hidrogênio gerado. Estes são os grandes números. Evidente que, na nossa opinião, projetos destes devem ser modulares. Ou seja, começa um módulo menor, depois, a uma outra condição, põe-se um outro módulo, vai crescendo. Um módulo básico, digamos assim, deve ser qualquer coisa com 100 megawatts. Na prática, contando com esses componentes que eu lhe disse, esses 100 megawatts iriam custar qualquer coisa rondando US$ 180 milhões.

Neste momento, a maior instalação que existe de hidrogênio verde é de 100 megawatt. Se nós fizéssemos 100 megawatts no Brasil, nós estávamos a igualar a maior usina do mundo. Minha mensagem é essencial: primeiro, estamos disponíveis; segundo, ligamos isso ao nosso investimento na usina de carvão para ter um contrato para além de 2027; terceiro, faz sentido Nordeste, faz sentido Pecém, porque tem um porto, tem uma infraestrutura.

E por fim, olhem para nós como alguém que conhece este assunto e que está disponível para coinvestir, para investir com outras entidades. Porque o hidrogênio não está ainda numa fase de enorme competição. Está numa fase que precisa de apoio. Daqui a dez anos é outra história. Agora, é uma fase cooperação e não de competição. E nós estamos disponíveis para colaborar com outras entidades, com o Estado, com o Governo Federal, com outros investidores privados neste objetivo.

OP - Um outro estado, alguma outra região do Brasil tem projeto semelhante ao do hub de hidrogênio do Ceará e já conversou com a EDP?

João Marques - Há vários lugares no Brasil que faz sentido esse projeto. Evidente, os que têm mais vento e mais sol e que fiquem mais próximos de outros mercados. O Nordeste tem essas condições. Mas, no caso específico da EDP, nós não estamos falando com mais nenhum Estado porque nós ligamos esta nossa disponibilidade no hidrogênio ao fato de pretendermos continuar com a usina de carvão que está em Pecém. Não se faz mitigação em outro sítio, não é? O mitigante deve estar junto onde, de fato, provoca carbono. E nós queremos compensar as nossas emissões.

OP - Das oportunidades de negócio observadas a partir do hidrogênio. A H2BU, braço da EDP para o hidrogênio verde, já está bastante concentrada, falando de oportunidades na indústria metal mecânica, indústria de aço, indústria de oxigênio. Aqui, mesmo o senhor ressaltando que é um projeto de cooperação, que não está tão avançado como as demais energias, também seriam esse tipo de negócio? Seria exportação? Quais oportunidades enxerga?

João Marques - Eu acredito que todos os países, no futuro, terão mercado para consumo interno de hidrogênio verde, também no Brasil. Mas, no curto prazo, eu vejo mais como um componente de exportação do que consumo interno. Há países na União Europeia ou os Estados Unidos onde já existe o mercado. No Brasil, eu não estou vendo esse mercado de hidrogênio verde, de empresas que aceitam pagar mais pelo hidrogênio verde. No futuro, eu acredito que sim, porque será uma regra geral do mundo.

OP - Neste cenário, alguns especialistas falam da coprodução de oxigênio. Isso também seria uma oportunidade de negócio enxergada pela EDP?

João Marques - Há muitas possíveis variantes quando se fala na produção de hidrogênio. É preciso estudos técnicos do mercado que nós não discutimos ainda. Por isso, não posso confirmar e dizer se é por esse caminho ou por outro.

OP - E a participação a que a EDP se dispõe no hub de hidrogênio, seria qual? Focado na fábrica, onde ocorre a eletrólise, seria focado na produção de parques eólicos e solares?

João Marques - Normalmente estes projetos são integrados, ou seja, o investidor investe na fábrica de hidrogênio ou nas energias renováveis, ou seja, é um projeto integrado. Nós temos know-how (expertise) nas várias cadeias. E há ainda outras componentes adicionais. Para transportar o gás por via marítima precisa ser transformado em estado líquido. Então, vem mais uma componente. É fato, uma grande complexidade. São várias peças a se encaixar. E nós, simplesmente, pusemos o dedo no ar, dizendo "nós sabemos esta matéria, isto é um assunto do futuro, temos uma usina à carvão e queremos manter essa usina funcionando com contrato pós-2027, e estamos disponíveis para investir neste complexo integrado de hidrogênio, para mitigar a emissão do carvão.

 

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