Para a maior parte da população que vive na comunidade do Marrocos, no Bom Jardim, em Fortaleza, o auxílio emergencial foi a principal, senão única, fonte de renda durante os meses de abril a dezembro de 2020, em meio à pandemia de Covid-19.
Contudo, nos lares dessa comunidade e em tantos outros onde vivem famílias das classes D e E, País a fora, ter acesso ao benefício teve como obstáculo adicional o processo de exclusão digital, uma das muitas facetas da desigualdade social brasileira. Apenas 50% das pessoas dessas classes, por exemplo, realizam transações financeiras digitais, contra 73% das pessoas da classe C e 89% das classes A e B.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, de acordo com pesquisa do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGVcemif), realizada entre os meses de junho e setembro de 2020 e divulgada já na madrugada de hoje, nas duas camadas mais economicamente vulneráveis da população até 20% dos pedidos de auxílio foram rejeitados porque os usuários sequer tinham um aparelho celular. Esse índice é quase três vezes maior que o registrado quando são somados também os pedidos feitos por pessoas das classes A, B e C, que é de 7%.
O estudo feito por amostragem teve como base os dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Segundo o levantamento, 20% das pessoas que tentaram se cadastrar para receber o auxílio emergencial tiveram o pedido negado. Levando em conta somente a população das classes D e E, o percentual de solicitações rejeitadas sobe para 23%. Embora, os índices sejam relativamente próximos, as motivações para que os pedidos fossem indeferidos entre essas duas classes estiveram muito mais relacionadas a questões de baixo acesso à tecnologia.
Limitações de internet, por exemplo, foram motivos para rejeição do auxílio em 22% dos pedidos feitos pelas classes D e E, mais que o dobro dos 9% registrados quando se considera a população como um todo. Já a falta de habilidade para baixar o aplicativo no celular resultou em 18% dos pedidos negados pela Caixa, entre as duas classes. Quando se analisam todas as classes esse número cai pela metade e chega a 9%. De acordo com Lauro Gonzalez, coordenador do FGVcemif e um dos autores do estudo, “de cada quatro brasileiros, um ainda não utiliza a internet, e a maior parcela desse contingente populacional está nas classes D e E”.
Ele acrescenta que “as pessoas dessas duas classes são justamente aquelas que estão em maior condição de vulnerabilidade social e precisam de políticas de transferência de renda. As questões relacionadas à exclusão digital acabam sendo um espelho de outras desigualdades históricas do Brasil. Por essa razão, a formulação e a implementação de políticas públicas precisam levar em consideração a realidade da população de baixa renda no uso de tecnologias”.
O problema é agravado pelo fato de a nova rodada de auxílio emergencial, que começou a ser paga em abril, não ter sido aberta a novos cadastrados. Em 2020, pouco mais de 68 milhões de pessoas foram beneficiadas pelo programa, número que caiu para 46 milhões em 2021. “Muita gente das classes mais vulneráveis ficou de fora no ano passado por não dominar a tecnologia ou não ter acesso a ela. Essa população está novamente fora do programa”, ressalta González.
Voltando ao exemplo do início da reportagem, o agente social André Alves Nascimento, da organização não-governamental ‘Ser Ponte Fortaleza’, lida diariamente, na comunidade do Marrocos, com todas as dificuldades que a exclusão digital escancarou durante a pandemia. “O principal problema que a gente enfrentava era ajudar quem não tinha acesso a um aparelho digital para se cadastrar e receber o auxílio emergencial. Outros não tinham acesso à internet e eu auxiliava muito com a questão de oferecer uma rede digital para eles”, relata.
“Muita gente também não sabia como se movimentar no ambiente digital, mesmo tendo um celular. Então, a gente explicava como fazer quando o aparelho não tinha memória, a gente desativava alguns aplicativos menos utilizados para baixar o da Caixa, explicava como eles podiam fazer para sacar ou transferir”, enumera. “Mesmo assim, muita gente acabava indo para os bancos, encarar muito tempo em filas e ficar exposto ao risco”, relembra.
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