O impacto da pandemia na educação nacional é imensurável após mais de um ano de doença. Com poucos dias de aulas presenciais nesse período, as instituições tiveram que se reinventar. O desafio que se impõe agora é de como inovar sem perder em qualidade no ensino mesmo com as dificuldades estruturais.
De acordo com dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil 2021, divulgados terça-feira, 8, do Instituto Semesp, centro de inteligência ligado aos mantenedores de universidades brasileiras, até 2019, o cenário era de extrema bonança. Naquele ano - o último de dados consolidados -, houve aumento de 1,8% no número total de matrículas (2,4% só nas particulares) para cursos presenciais e EAD, nas redes pública e privada.
Já em 2021, com o cenário de pandemia perdurando e a demora na retomada desse setor, a projeção é de queda de 8,9% nas matrículas dos cursos presenciais e de 9,8% no EAD.
Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, destaca que a suspensão das aulas devido à pandemia e esse novo modelo presencial, com aulas remotas ao vivo - diferente da experiência do EAD, que tem aulas gravadas e reaproveitadas em grande escala -, deve ser a tendência, num formato híbrido.
"Essas mudanças que estamos vivendo possibilitam um novo tipo de curso, com foco no presencial somente para as aulas práticas, investimentos em laboratórios etc.", analisa.
Sobre o menor número de matrículas, afirma que é um sintoma preocupante visando o longo prazo: "Menos jovens no Ensino Superior implica em uma maior vulnerabilidade social e menos capital socioeconômico no mercado, o que deve impactar na capacidade produtiva do País no futuro".
Joana Angélica Guimarães, reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), afirma ao O POVO que o grande desafio após mais de um ano de pandemia é que as Instituições de Ensino Superior (IES) consigam implementar inovações na gestão escolar, aulas e relação com os alunos, de forma eficiente, sem perder em qualidade.
Ela destaca que o nível de aprendizagem foi prejudicado no período, pois há processos nas universidades que dependem da presencialidade; e a imposição do ensino remoto não foi efetiva em todos os casos, como para as IES localizadas em áreas longínquas e/ou sem estrutura hábil ou mesmo a dificuldade de acesso à internet dos alunos.
Evasão é outra preocupação levada a sério. "Alunos em maior vulnerabilidade socioeconômica não conseguiram retornar muitos fatores, inclusive por terem que buscar trabalho para contribuir com a renda familiar". As universidades estão muito preocupadas com isso e estão desenvolvendo ações para entender se essa foi uma saída definitiva ou foi por um momento, completa a reitora.
Sobre o futuro, ela crava: "Sem dúvidas teremos mudanças, inclusive em trabalhar com o ensino híbrido. A ampliação do uso de tecnologias veio para ficar. Por diversas razões, alunos preferem assistir de outros lugares que não a universidade, pois se adequa melhor ao seu dia a dia".
Exemplo desse processo de mudança é um programa desenvolvido em universidades públicas que permite a matrícula em disciplinas de outras universidades espalhadas pelo Brasil. São 12 atualmente no programa e esse número deve ser ampliado. O aprendizado em realização de eventos, congressos e projetos entre universidades durante a pandemia é outra coisa que veio para ficar.
Entre as IES particulares, o grau de investimento desde o início da pandemia foi intensificado. Adriano Pistore, vice-presidente de Operações Presenciais da Estácio, afirma que no início da pandemia conseguiu implementar em uma semana uma solução remota integral, efetiva e de ampla aceitação por alunos e professores. O modelo idealizado a partir da expertise de mais de uma década com a digitalização dos ambientes de ensino, contemplou aulas ao vivo pela internet, ministradas pelos mesmos professores, nos horários habituais e com o mesmo conteúdo, com interação, chat e discussões.
“Por já lidarmos com ambientes digitais há mais de uma década, usamos a nossa expertise para treinar rapidamente os professores, que precisavam se familiarizar com a plataforma, entender as possibilidades de interação e como passar o conteúdo da melhor forma. Hoje, os professores estão muito bem adaptados, com mais ferramentas à disposição para extrair o melhor dos alunos. Também fizemos diversas parcerias com lojas de departamento e operadoras de internet para preços promocionais em eletrônicos e pacotes de internet”, afirma.
Qualidade do ensino é a prioridade , diz Oto de Sá Cavalcante
Figura experiente no mercado de educação, Oto de Sá Cavalcante observa o momento como "dificílimo". O impacto direto da crise econômica impactou alunos, novas matrículas e a capitalização das organizações. Mas avalia que o ensino remoto é uma opção a mais para o pós-pandemia, mesmo considerando que o presencial deva continuar em evidência e atrair maior parte das matrículas.
O POVO - Quais os principais desafios para o mercado educacional ligado ao Ensino Superior?
Oto de Sá Cavalcante - A Faculdade Ari de Sá surgiu num momento muito difícil do Ensino Superior. Momento de uma grande crise, mesmo assim continuamos com os investimentos. E aqui, mesmo com a diminuição no número de alunos, continuamos primando pela qualidade. E vamos continuar dando prosseguimento a esse processo.
OP - Passar tanto tempo com atividades somente remotas desde o ano passado afetou de alguma forma o planejamento da Faculdade Ari de Sá? E como o senhor analisa o ensino remoto no Ensino Superior?
Oto - O ensino remoto é muito mais difícil do que o presencial. Mas fizemos muito investimento em pessoal, treinamento e equipamento para permitir a continuidade das aulas. Mas reconhecemos que o ensino à distância será complementar ao ensino presencial, que vamos dar continuidade para todos os cursos possíveis assim que for permitido.
OP - O trabalho do grupo Ari de Sá no setor de educação é abrangente, como o senhor analisa esse crescimento nos últimos anos?
Oto - Considero que mais importante que o crescimento numérico é o crescimento qualitativo. E o crescimento qualitativo está além das nossas expectativas, na nossa avaliação. Nos colégios, o resultado mais marcante que nós temos e que causou uma repercussão no Brasil todo foi ter 25 aprovados no vestibular do ITA. Temos obtido resultados notáveis em Medicina e em Direito em ótimas universidades, mantendo nossa tradição. Também tivemos resultados positivos em olimpíadas internacionais. Na faculdade estamos tendo resultados, para nós, espetaculares. Na área do Direito, o exame da OAB é o principal desafio para os alunos, pois muitas pessoas concluem o curso, mas não passam no exame. Mas, nós, no último exame da OAB, em 2020, só fomos superados pela UFC. Ser superado pela UFC é uma honra. No nosso curso de Engenharia Civil temos o primeiro lugar do Norte Nordeste e o quinto do Brasil, segundo o Enade. E, finalmente, nota máxima no índice geral de cursos do MEC entre as particulares.
OP - O Ensino Superior sofreu um baque em relação ao aprendizado?
Oto - É um momento difícil da escola como um todo. É um momento dificílimo. Passar esse longo período com ensino remoto foi prejudicial não só para o Ensino Superior, mas em todos os níveis. Prejudicou a Educação como um todo, desde o Ensino Básico até o Superior. Esperamos que a situação melhore a partir da vacinação em massa, superemos a pandemia para que a gente volte à normalidade.
OP - Como o senhor vislumbra o futuro da educação Superior no Ceará após a experiência da pandemia?
Oto - Há uma certa interrogação. Nós não sabemos realmente da situação de cada instituição e precisamos esperar como cada uma deve se portar, mas logo logo saberemos. Neste momento, o setor educacional está descapitalizado pelo longo período de pandemia. Então não veremos investimentos da forma como se planejava antes da doença, mas as lições que a pandemia deixou serão aprendidas e algumas tendências vão continuar. A ampliação dos cursos será mais modesta do que antes da pandemia.
Edtechs crescem em meio à pandemia oferecendo opções online
Um levantamento realizado com foco nas empresas de tecnologia voltadas à educação, as edtechs, revelou que o valor de mercado dessas empresas cresceu 500% entre 2017 e 2021. A Rocketseat, edtech que oferece conteúdos e desafios para formar profissionais de programação com metodologia e plataforma próprias, produziu o estudo em parceria com Sebrae e Broggini e analisou o mercado no mundo.
Em 2020, as edtechs do mundo todo fecharam o ano avaliadas em mais de US$ 89 bilhões. Já em 2021, o valor já ultrapassa os US$ 100 bilhões.
Na contramão da expectativa, o ganho de importância dos cursos relacionados com as profissões do futuro e as transformações do mercado de trabalho seguem em baixa. O Mapa do Ensino Superior revela que, com ou sem crise, os estudantes continuam buscando cursos tradicionais e já saturados como Administração e Direito. "Os cursos das áreas de TI não vão bem", disse o diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato.
Aproveitando essa oportunidade de mercado, a edtech Kenzie Academy Brasil mira na formação de profissionais da área de Tecnologia da Informação (TI) a partir de cursos livres de formação de programadores. O modelo de ensino propõe aos interessados início gratuito, com método de pagamento Income Share Agreement (ISA), modelo de financiamento que permite ao aluno pagar o curso após a conclusão dos estudos - e apenas se conseguir recolocação profissional, com remuneração acima de R$ 3 mil. A edtech possui parcerias com empresas como Ebanx e James Delivery como forma de acelerar a contratação de egressos.
Como o início da operação em janeiro de 2020, a escola já recebeu mais de 50 mil interessados em seu curso de desenvolvedor web full stack, proporcionando o conhecimento prático da área em 12 meses.
Daniel Kriger, CEO da Kenzie, destaca que o foco da edtech para este ano é ampliar o número de alunos para mil, meta bem superior aos 300 alunos de 2020. A alta empregabilidade do setor e a falta de profissionais credenciam o pensamento. "O mercado está carente dessa mão de obra, tenho falado com CEOs e CTOs que têm muita dificuldades para encontrar profissionais."
Segundo ele, isso se deve ao sucesso observado no último ano, em que o ensino à distância ganhou espaço. A empresa recebeu aporte de R$ 8 milhões da E3 Negócios para focar na expansão.
UFC investe em planos de formação emergencial
O início da pandemia exigiu que a Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolvesse o Plano de Formação Emergencial. A partir de plataformas virtuais, a ideia é que no período 2020-2021 todos os docentes, alunos e técnico-administrativos estivessem prontos para manusear plataformas digitais. Tudo foi realizado em forma de webcursos, webconferências, weboficinas etc., que têm, em sua maioria, carga horária reduzida, entre 1 e 40 horas.
A professora titular da Coordenadoria de Inovação e Desenvolvimento Acadêmico da Escola Integrada de Desenvolvimento e Inovação Acadêmica (EIDEIA) da UFC, Mazzé Costa dos Santos, explica que os temas incluem "tecnologias digitais, mas a transdisciplinaridade nas formações é importante para que se contemple temas desde saúde mental e física a sala de aula remota e suas nuances: planejamento, avaliação e relação ética entre professor e aluno, entre outros."
O reitor da UFC, professor Cândido Albuquerque, faz uma análise da situação e destaca a importância da mobilização e implantação do Plano Pedagógico Emergencial. "Em cerca de quatro meses, a UFC elaborou e implantou seu plano e mobilizou uma força-tarefa para minimizar desigualdades de acesso a tecnologias e prejuízos no cumprimento de seu calendário."
Sobre a demanda por matrículas, que acontece via Sisu - a exceção do curso de Letras-Libras, que possui edital próprio, foram ofertadas 6.268 vagas em 110 cursos de graduação presencial nos campi da UFC no Estado na edição mais recente.
AS TENDÊNCIAS PARA A RETOMADA DO SETOR DE EDUCAÇÃO
Migração de alunos da rede privada para escolas que ofereçam mensalidades com preços inferiores e migração de alunos da rede privada para rede pública;
Foco e estratégias para retenção de alunos;
Aumento da procura por cursos profissionalizantes para aumentar capacidade de ingresso ao mercado de trabalho;
Sistema híbrido de ensino deve ser mantido mesmo com o fim da pandemia;
Forte transformação digital em todos os níveis da educação.
MODELO DE NEGÓCIOS: setor terá que se adaptar rapidamente ao uso de plataformas digitais, desenvolvimento de softwares de aprendizagem modernos, atuais e que atraiam a atenção dos alunos, capacitação de mão de obra para lidar com essas novas tecnologias;
MODELO OPERACIONAL: fortemente impactado devido à rápida transição do presencial para o online, principalmente no ensino básico e na rede pública, requerendo agilidade nos processos de transformação digital nas escolas;
MUDANÇAS DE HÁBITOS DOS CONSUMIDORES: consumidores estão buscando opções de ensino que tragam redução no custo das mensalidades, podendo ser tanto no padrão da escola privada, como na mudança para a rede pública, adequando-se à necessidade do orçamento familiar, além de escolas que oferecem plataformas mais modernas e que atraiam os alunos;
COLABORADORES: área docente fortemente impactada devido a necessidade de rápida alteração da forma de ensino tradicional, em sala de aula com auxílio de livros pedagógicos e plataformas online.
Fonte: KPMG
CONCORRÊNCIA POR VAGAS NA UFC
Cursos mais concorridos no SISU 2021
Fisioterapia (65,95 candidatos por vaga)
Enfermagem (56,28 candidatos por vaga)
Medicina/Fortaleza (53,43 candidatos por vaga)
Psicologia/Fortaleza (45,94 candidatos por vaga)
Administração-Noturno (42,39 candidatos por vaga)
Cursos mais concorridos no SISU 2020
Educação Física-Noturno (77,48 candidatos por vaga)
Fisioterapia (74,90 candidatos por vaga)
Administração-Noturno (63,78 candidatos por vaga)
Enfermagem (54,31 candidatos por vaga)
Psicologia/Fortaleza (53,11 candidatos por vaga)
Medicina/Fortaleza (51,09 candidatos por vaga)
Fonte: Pró-Reitoria de Graduação da UFC
ENSINO MÉDIO
Estudo feito pelo Núcleo de Ciência Pela Gestão Educacional, do Insper, e Instituto Unibanco, divulgado no início de junho, aponta que alunos que entraram no 3º ano do Ensino Médio em 2021 estão com déficit de 74% na aprendizagem. Já o Mapa do Ensino Superior trouxe um retrato sobre o Ensino Médio e entre os dados há o quadro de que apenas 69,8% das escolas particulares e 66% das públicas disponibilizam internet para uso dos alunos.
EVASÃO
No Mapa do Ensino Superior, o Semesp traz informações sobre o Ensino Médio. Uma das mais impactantes é o índice de evasão. Cerca de 3 milhões de alunos entram anualmente no Ensino Médio, mas menos de 2 milhões efetivamente se formam e ficam aptos a ingressar no Ensino Superior.