A um dia de perder a validade, a Media Provisória 1031/21 sobre a privatização da Eletrobras foi aprovada na Câmara dos Deputados e se tornou o primeiro processo de privatização do governo Bolsonaro a obter êxito no Congresso. Com menos dois “jabutis” – jargão político para emendas cujo propósito não tem a ver com o projeto original –, o texto permite que a União reduza de 60% para 40% a participação acionária na empresa, numa operação estimada pelo Planalto em R$ 60 bilhões. O texto segue para a sanção presidencial.
Valor muito aquém do R$ 1 trilhão prometido pelo ministro Paulo Guedes (Economia) a partir da venda de estatais, mas bastante comemorado pela base do governo na noite de ontem, 21. Ao todo, foram 258 votos a favor e 136 contra a medida. Sem uma estatal sequer passada para o controle da iniciativa privada e com a saída do secretário de privatizações Salim Mattar do cargo – ainda em 2020 –, o ministro e o presidente acumulavam críticas da base aliada e do setor produtivo que os apoiam, especialmente após a criação da NAV, estatal responsável pela navegação aérea.
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Agora, com o aval do Congresso, o governo poderá dar prosseguimento aos preparativos para emitir novas ações da empresa, no primeiro trimestre de 2022, e reduzir sua fatia na companhia de cerca de 60% para 40%. Apesar de perder o controle, a União terá uma ação de classe especial (golden share) que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas a fim de evitar que algum deles ou um grupo de vários detenha mais de 10% do capital votante da Eletrobras.
O parecer final do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) rejeitou trechos que foram fundamentais para que o governo obtivesse os votos necessários no Senado, por 42 a 37, apenas um a mais que o necessário. Ele manteve, porém, propostas avaliadas como inconstitucionais e que podem levar a discussão sobre a Eletrobras para a Justiça. Algo que o senador cearense Cid Gomes (PDT) já mencionou.
Enviada em 23 de fevereiro deste ano, a proposta é uma das prioridades do Executivo e aposta do governo para ampliar os investimentos na maior companhia de energia elétrica da América Latina e controladora das subsidiárias Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), Furnas, Eletronorte, e Eletrosul. A Câmara já tinha aprovado a MP no dia 20 de maio, e o Senado, no dia 17 de junho.
Como os senadores modificaram o texto, ele voltou para a Câmara. Repleto de "jabutis" incluídos por deputados e senadores, o texto aumentará o custo da energia para consumidores em R$ 84 bilhões nas próximas décadas, segundo estimativas do entidades do setor de energia.
O governo rebate essa cifra e sustenta que a privatização da estatal e as medidas incluídas pelo Congresso poderiam, ao contrário, reduzir a conta de luz em até 7,36%.
Coube ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defender a proposta. "Esta medida não aumenta o preço da energia elétrica. Isso é uma falácia. Pelo contrário, teremos mais investimento, mais geração de empregos, mais competência no sistema e, obviamente, teremos mais capacidade de atender, com a capitalização da Eletrobras, inúmeros locais onde hoje é difícil o acesso da energia", disse Barros.
O presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), também defendeu os "jabutis" incluídos no Congresso e afirmou que são relacionados ao tema da MP, que trata do setor elétrico. "Essa Casa tem de aprender a separar exatamente o que é que ela chama de ‘jabuti’ para que a gente não jogue terra para cima e ela caia nos olhos. Precisamos ter esse cuidado, essa Casa não é uma Casa carimbadora de medida provisória", afirmou.
Já os deputados da oposição mantiveram as críticas à proposta. "Estamos hoje apreciando uma medida no momento em que o Brasil está a entrar em racionamento e apagão. Vai faltar energia, e o governo está entregando a sua empresa de energia elétrica, a Eletrobras. Se todo o sistema Eletrobras fosse reconstruído no Brasil, chegaria a R$ 400 bilhões", afirmou o líder do PT, deputado Bohn Gass (RS). (Com agências)
Emendas mantidas e retiradas
MANTIDAS
Termelétricas
A principal emenda aprovada na votação dos destaques trata do modelo de venda das ações da Eletrobras e prevê a contratação de energia de reserva de termelétricas movidas a gás natural, mesmo em regiões ainda não abastecidas por gasoduto.
Emenda determinando ao Poder Executivo contratar os empregados da Eletrobras demitidos sem justa causa nos 12 meses seguintes à desestatização em empresas públicas federais para cargos de mesma natureza e com salários equivalentes aos anteriormente recebidos.
Energia renovável
Incentivos por meio do Proinfa, que estimula a participação de produtores autônomos no Sistema Elétrico Interligado Nacional, foram prorrogados por 20 anos.
Empreendimentos beneficiados têm base em fontes eólicas, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa e o custo anual previsto é de R$ 3 bilhões. Ao mesmo tempo, o próprio setor pede revisões nesses subsídios.
Terra indígena
Foi considerada aprovada, segundo o parecer do relator, emenda para permitir o começo das obras do Linhão de Tucuruí depois de concluído e entregue aos indígenas o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), elaborado pela Funai como parte do licenciamento ambiental. O documento já foi entregue e está sendo analisado pelos conselhos indígenas. A linha de transmissão passará por 123 Km de terras dos Waimiri-Atroari para interligar Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Garantias
A Eletrobras desestatizada deverá manter as garantias oferecidas a terceiros em contratos anteriores à capitalização.
Subsídios
Por dez anos incentivos dados a cooperativas de eletrificação rural deverão ser concedidos a distribuidoras que vierem a comprar essas cooperativas de forma agrupada.
Exército
O Plenário aprovou ainda emenda prevendo o uso de batalhões de engenharia do Exército em obras de revitalização dos rios São Francisco e Parnaíba.
RETIRADAS
Distribuidora no Piauí
Foi rejeitado pagamento, a título de indenização ao Piauí, da diferença entre o valor mínimo estipulado para a venda da distribuidora estatal Cepisa e o pago antecipadamente quando da federalização da companhia que antecedeu sua privatização.
Mercado livre
Compra de energia por qualquer consumidor até 2026. Isso permitiria que o consumidor conectado à distribuidora local de energia pudesse fechar contrato de compra com geradores independentes.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
Crise hídrica
O relator da Medida Provisória da privatização da Eletrobras na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), defendeu que o governo envie uma medida provisória que trata da crise hídrica que o País enfrenta. O governo prepara um texto que institui um comitê que terá poder de criar um "programa de racionalização compulsória" do consumo de energia. Ele afirmou que aumentos na conta de luz no curto prazo não serão referentes ao seu parecer da MP da Eletrobras, mas pelo uso de mais térmicas movidas a óleo combustível para manter o abastecimento do País.
Ações
Chamou atenção a alta das ações da Eletrobrás na B3, ontem, com PNB e ON avançando 3,42% e 2,92% cada, com a aposta na privatização. A Bolsa brasileira (B3) subiu 0,67%, aos 129.264,96 pontos, enquanto o dólar caiu 0,91%, a R$ 5,0227 também sob influência dos juros nos Estados Unidos.