A informação de que o presidente da República, Jair Bolsonaro, pretende driblar a regra do teto de gastos em R$ 30 bilhões para bancar o Auxílio Brasil no valor de R$ 400 até dezembro de 2022 desencadeou um dia de caos na economia. Ontem, o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, a B3, fechou em forte queda de 3,28%, o dólar chegou a R$ 5,59 e aumentaram as especulações sobre possíveis alterações na equipe econômica. Diante deste cenário, o Governo decidiu adiar o lançamento do programa que vai substituir o Bolsa Família faltando apenas 30 minutos para o evento.
Ainda não há uma nova data para o anúncio oficial do programa. Mas, ontem, após o cancelamento do evento no Palácio do Planalto, os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e da Cidadania, João Roma, se reuniram com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para discutir os detalhes do texto.
Inicialmente, a proposta do Governo seria de um auxílio de R$ 400 - acima, portanto, do valor do auxílio emergencial que pode chegar a R$ 375, que termina neste mês. Porém, parte desse valor, cerca de R$ 100, seria contabilizado fora do teto de gastos, no que seria uma vitória da ala política do governo sobre a equipe econômica, que defendia um auxílio de R$ 300. O valor extrateto seria de R$ 30 bilhões.
Aliado a isso, as recentes declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que não se pode "pensar só em teto de gastos e responsabilidade fiscal" em detrimento da população - que foi lida como uma senha para abandono da regra fiscal pela classe política -, o adiamento da reunião da comissão especial da PEC dos Precatórios e a falta de previsibilidade na votação da reforma do Imposto de Renda, tida como uma das fontes de financiamento do Auxílio Brasil, ajudaram a entornar o caldo.
A notícia afetou o humor do mercado financeiro durante todo o dia e levou a bolsa a chegar a 110.672,76 pontos, na maior queda diária em mais de um mês, desde 8 de setembro (-3,78%).
Já o dólar, que chegou a bater os R$ 5,61, acabou recuando após o anúncio do cancelamento, mas, ainda assim, emendou a segunda alta seguida, de 1,33%, fechando a R$ 5,594 na venda. E isso ocorreu a despeito de o Banco Central ter vendido US$ 500 milhões à vista ainda pela manhã para tentar equilibrar o câmbio.
Em meio a este cenário, também ganhou força ao longo do dia as especulações de que a queda de braço entre a ala política e a econômica do Governo pode acelerar eventuais baixas na equipe econômica do ministro Paulo Guedes, inclusive, a saída do próprio.
(Com Agência Estado)
Avaliação é de que furar teto de gastos é um caminho sem volta
Para muitos analistas já é dado como certo de que o Governo vai abandonar, mesmo que informalmente, o teto de gastos. O que deve levar a formação de uma espiral negativa para a economia: alta do dólar, deterioração das expectativas de inflação, maior aperto monetário e redução do crescimento.
O sócio e gestor da Galapagos Capital, Sergio Zanini, afirma que a "sinalização do governo é muito negativa" e ressalta que o furo parcial do teto é uma preocupação grande. "Não é só o que está sendo falado hoje. Existe os risco de execução quando isso for debatido no Congresso", afirma Zanini, chamando a atenção para o fato de que pela primeira vez se viu o presidente da Câmara "falar explicitamente" contra o teto dos gastos.
Para ele, Zanini, tendo em vista o que está sendo proposto, já não fará diferença para a precificação dos ativos domésticos se houver novas baixas na equipe econômica e até mesmo a eventual saída de Paulo Guedes do governo, como chegou a ser ventilado em certo momento do dia. "Pode colocar quem você quiser como ministro da Economia que o resultado não vai ser diferente. Entramos em um processo político e eleitoral".
Já o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, ressaltou que é difícil neste momento ver um teto para a taxa de câmbio, mesmo com mais altas da taxa Selic e possível aumento das intervenções do Banco Central.
"Essa questão da despesa que vai ficar fora do teto cria um precedente perigoso. A mensagem é que na dificuldade se muda a regra fiscal. No limite, não há mais regra", diz Lima, lembrando que dinâmica parecida correu ao longo do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, com o abandono informal da geração de superávits primários.
(Agência Estado)