A guerra entre Rússia e Ucrânia tem impacto econômico diverso entre as empresas brasileiras nesta semana. Com o mercado financeiro fechado entre segunda e quarta-feira devido ao feriado de Carnaval em São Paulo, os números somente vieram à tona entre quinta e sexta-feira, demonstrando uma queda de 6,24% nas ações da M. Dias Branco e de 0,03% na Petrobras, por exemplo.
Com a operação diretamente influenciada por commodities, as duas gigantes caminharam em direções opostas. A cearense do setor alimentício tem desvalorização aproximada de R$ 700 milhões no valor de mercado. As ações da empresa estão em queda desde o início do conflito armado entre Rússia e Ucrânia no último dia 24 de fevereiro, e encerram a semana a R$ 20,28. Grandes exportadores de trigos e derivados, os dois países europeus em conflito tem gerado instabilidade no mercado internacional e impacto empresas do ramo no mundo todo.
No fechamento de caixa do dia 23 de fevereiro, um dia antes do primeiro ataque da Rússia à Ucrânia, os papéis da M. Dias Branco valiam R$ 23,75 por cada ação. Desde o começo da guerra, porém, a desvalorização acumulada sofrida pela empresa chega a 14,61%, com tendência de queda ainda maior.
Dona das marcas como Adria, Piraquê e Vitarella, especializada na produção de massas, pães, biscoitos e derivados de trigo, a empresa cearense sofre com o temor de investidores. Como Rússia e Ucrânia correspondem a cerca de 30% do mercado exportador de grãos, com destaque para trigo, cevada e milho, o mercado teme uma escalada de preços de tais insumos e um encarecimento da produção para empresas do setor.
"Esse movimento pode ser esperado também nas empresas que utilizam principalmente o trigo para alimentação, como exportadores de carne de frango e bovina. A commodity é usada na composição das rações e gera esse efeito também. Além disso, podemos ter uma potencial redução das exportações de frango e carne", analisa o economista Ricardo Coimbra, do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE).
Entra as possíveis impactadas por esse movimento do mercado internacional podem estar, segundo ele projeta, as exportadoras de proteína animal JBS, BRF e Marfrig. As companhias tiveram quedas registradas no fechamento desta sexta-feira, 4, encerrando o pregão da B3 a -0,31%, -3,68% e -4,9%, respectivamente.
Já as ações da Petrobras, embora tenham ensaiado uma valorização, fecham os primeiros dias do conflito praticamente estáveis. Custavam cerca de R$ 34,22, antes da deflagração da guerra pela Rússia, e passaram para R$ 34,23 no pregão de ontem.
Como a Rússia controla boa parte da exploração de gás natural que é fornecido aos países europeus, o mercado de energia vem se impactando com os movimentos do presidente Vladmir Putin, encarecendo o preço do barril do petróleo brent, referência para o mercado.
Ontem, 4, repetiu-se o movimento da maior parte do restante semana. Temores de que a oferta global do óleo fique ainda mais apertada por conta do conflito entre Rússia e Ucrânia dominam as mesas de operação de negociadores da commodity energética. Com a alta desta sexta-feira, o petróleo acumulou ganho semanal de mais de 20% nos contratos mais líquidos em Nova York e Londres.
Na New York Mercantile Exchange (Nymex), o barril do petróleo WTI com entrega prevista para abril subiu 7,44% nesta sexta (US$ 8,01) e 26,30% na semana, a US 115,68. Já o do Brent avançou 6,93% na sessão de sexta (US$ 7,65) e 25,49% no acumulado semanal, a US$ 118,11, na Intercontinental Exchange (ICE).
"As ações da Petrobras se comportam assim nesses dias porque a empresa acaba tendo expectativa de ganho pela elevação do produto, no caso, o petróleo", explica Coimbra.
O economista ainda observa que a aproximação do presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL-RJ) com Putin seja para diminuir o risco de desabastecimento do mercado brasileiro de fertilizantes russos. O Brasil tem na Rússia 60% do fornecimento do insumo para o agronegócio. "E como estão apontando a ministra Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) como vice de Bolsonaro nas eleições deste ano não é interessante ter a pasta dela em xeque", sugere.
Mas a retirada da Rússia de índices de referência de investimentos de mercados emergentes pode favorecer o Brasil ainda mais nas próximas semanas. Na noite de quarta-feira, a fornecedora global de índices de ativos MSCI anunciou que a Rússia deixará de fazer parte do índice MSCI Emerging Markets para ser classificada como um mercado independente. A mudança passa a valer a partir do dia 9 e foi decidida porque já não há mais acessibilidade e capacidade de investimento no mercado russo.
Na prática, essa alteração impede empresas russas de ter acesso a uma parte relevante dos fundos de investimentos. A tendência é de que os recursos que seriam aportados na Rússia sejam distribuídos entre outros mercados emergentes, como o Brasil.
Segundo cálculos do Itaú, apenas com a mudança feita pela MSCI, US$ 27,1 bilhões poderiam deixar a Rússia. Considerando que o Brasil tem um peso de 4,97% no índice, ele poderia receber US$ 1,34 bilhão desse total. Juntas, as Bolsas de toda a América Latina ficariam com US$ 2,12 bilhões.
Ao contrário do verificado em outros momentos de tensão global - quando investidores internacionais retiraram seus aportes de países emergentes e correram para os desenvolvidos, considerados mais seguros -, o Brasil tem atraído recursos desde a deflagração do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Apesar disso, ontem, o dólar avançou 1% no País e terminou o dia cotado a R$ 5,07.
Na Bolsa, a queda de 0,6% no Ibovespa ontem - para 114.473 pontos -, é a mesma acumulada desde o início da invasão russa. Nesse período, a Bolsa de Nova York subiu 1,5% e a de Frankfurt caiu 6,4%. A B3 ainda não divulgou dados de entrada de capital estrangeiro na última semana. Mas, nos primeiros dois dias do conflito, investidores estrangeiros colocaram aqui R$ 3,7 bilhões.
Além de a taxa básica de juros, a Selic, estar em um patamar alto, o que atrai capital, o fato de o País estar longe do conflito, um rebalanceamento do portfólio de investidores interessados em emergentes e a alta no preço das commodities têm impulsionado o Brasil no mercado financeiro.
"Estamos nos beneficiando desse cenário que já havia desde o começo do ano e que agora foi intensificado pelas commodities, que subiram mais ainda, e por essa questão de segurança geográfica", diz Alexandre Maluf, estrategista da XP. (Colaborou Armando de Oliveira Lima e Adriano Queiroz/Com Agência Estado)