A reforma trabalhista, que completará 5 anos em novembro, não teria cumprido os objetivos pretendidos em termos de redução do desemprego e da informalidade e precisará passar por alterações. Essa é a análise apresentada pelo procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, em entrevista exclusiva ao O POVO.
Ao longo da semana, o representante máximo do Ministério Público do Trabalho (MPT) também participou do XXIV Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em Fortaleza, evento que deve receber hoje também o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.
“Se você recuperar as posições do MPT à época em que a reforma trabalhista estava em processo de elaboração, verá que nós já alertávamos que ela não traria mais empregos. Ela foi inspirada na reforma realizada na Espanha e o que foi verificado lá, agora? Que ela não deu certo e precisa ser reformada. Aqui, eu pergunto. Ela melhorou as condições de trabalho, aumentou os postos de emprego e diminuiu a informalidade como previam? Não”, enfatizou o procurador-geral do Trabalho.
Sobre a questão do trabalho informal em particular, Lima, destacou o crescimento no número de profissionais que migraram para as plataformas digitais, notadamente nas atividades de transporte de passageiros e entrega de mercadorias. “Aumentou a informalidade e houve uma acomodação daquelas pessoas que perderam empregos. Alguns dizem que isso aconteceu por conta da pandemia, mas antes dela as taxas de desemprego não estavam caindo”, sustentou. Nesse sentido, em fevereiro de 2020, o índice de desocupação no País estava em 11,8%, superior ao índice de 11,2% registrado em janeiro de 2022.
Outros pontos questionados pelo procurador-geral do Trabalho são o excesso de flexibilização no que concerne aos processos de terceirização, bem como o de 'pejotização', ou seja, de profissionais que assinam um contrato na qualidade de pessoas jurídicas, mas exercendo as mesmas funções que exerceriam se fossem contratados como celetistas por seus respectivos empregadores.
“Com a reforma, foi liberada a terceirização de tudo. Melhorou algo? Não. Hoje, se fala até em quarteirização. A ideia era diminuir custos para permitir a sobrevivência das empresas, mas a Constituição colocou o valor da iniciativa privada ao lado do valor social do trabalho, o que significa ter lucro, sim, mas um lucro que não cause dano ao trabalhador”, ponderou Lima.
Ele acrescentou que, devido aos pontos controversos e aos resultados aquém do esperado, “a reforma precisa ser reformada, em um debate de toda a sociedade. Isso quem deve fazer é o Parlamento, chamando representantes de trabalhadores, empresas e entidades como o Ministério Público do Trabalho, além de outras representações do Estado, que devem estar presentes.”
Quanto aos pontos positivos da reforma trabalhista, o procurador-geral do Trabalho citou como destaque a possibilidade de divisão do período de férias. “O contato direto do empregado com o empregador também foi positivo em alguns casos, mas depois ficou demonstrado que, em linhas gerais, não foi tanto, por falta dos sindicatos”, avaliou.
Ainda falando sobre a reforma trabalhista, Lima apontou o enfraquecimento dos sindicatos como o ponto mais negativo da reforma trabalhista aprovada em 2017.
“Ela fragilizou os sindicatos a um ponto extremo. Hoje, o movimento sindical é bem menor que antes da reforma. Contudo, ela poderia ter avançado no sentido de trazer outras possibilidades, como a de ter mais de um sindicato representando uma mesma categoria sindical. Se você tem mais de um sindicato, dá ao trabalhador a opção de escolher aquele que ofereça melhores condições para seus sindicalizados”, explicou.
Ele também defendeu que, em uma eventual atualização da reforma trabalhista, sejam consideradas alternativas para que os sindicatos possam discutir fontes de receita, inclusive com a participação do Estado, mas considerou não haver espaço para o retorno da cobrança de um imposto sindical. “Recebi, recentemente representantes de umas cinco confederações sindicais e a única receita delas vêm da mensalidade sindical. É muito pouco, isso aí. É preciso haver alguma discussão sobre financiamento dos sindicatos”, afirmou o procurador-geral do Trabalho.
Para Lima, o enfraquecimento dos sindicatos reduziu o poder de negociação dos trabalhadores. “Se um grupo de empregados ou um empregado individualmente senta com a diretoria e exige um aumento ou uma melhoria, o risco da perda do emprego é grande, porque o empregador não quer esse debate. No mínimo, o profissional fica inibido em dar trabalho, mas se o sindicato faz é diferente porque ele é unipessoal. O negociado é feito com o próprio sindicato”, exemplificou.
O procurador-geral do Trabalho, Lima, também citou os desafios para o MPT ao longo de pouco mais de dois anos de pandemia de Covid-19, desde a adoção do teletrabalho (ou home office) por parcela expressiva das empresas e instituições até a exigência da comprovação de vacinação para que os trabalhadores possam retornar às atividades presenciais.
“O primeiro desafio foi reconhecer a dimensão da tragédia e que ninguém estava preparado para ela. Nem a ciência, já que inicialmente se cogitava em uma demora de alguns anos para o desenvolvimento de uma vacina. Nossos filhos estão acompanhando com a pandemia e agora com a guerra entre Rússia e Ucrânia tragédias que só liam em livros de história. Então, diante dessa complexidade formamos no MPT um grupo de trabalho reunindo todas as coordenações nacionais para discutir a Covid-19 e priorizamos o ajuizamento de ações relacionadas, como a questão do trabalho de gestantes”, relembrou.
“Mais recentemente, veio a questão da exigência da vacina. O empregador tem a obrigação de cobrar e pode até demitir por justa causa quem se recusar a receber a imunização sem uma justificativa plausível, tais como alguma impossibilidade médica, a ser comprovada por laudo. Felizmente, esses casos são muito pouco significativos e a sociedade tem entendido a importância da vacinação”, exaltou.
Outra questão amplificada no contexto pandêmico foi a do trabalho por aplicativos. O fato de algumas dessas plataformas sequer terem representação no Brasil têm trazido desafios não apenas de natureza trabalhista como também eleitoral e quanto à divulgação de informações falsas, as chamadas fake news. O caso mais recente foi o da polêmica envolvendo o aplicativo de mensagens Telegram.
No que se refere às relações de trabalho, propriamente ditas, as principais atividades afetadas pelo fenômeno foram o transporte de passageiros e a entrega de mercadorias, especialmente alimentos e refeições prontas. “O MPT entende o avanço trazido pelos aplicativos e o quanto eles amenizaram o quadro de desemprego durante a pandemia, mas foi preciso ajuizar ações comprovando o vínculo empregatício entre os profissionais que realizam esses serviços utilizando essas plataformas. Infelizmente, a jurisprudência sobre esses casos ainda não está bem consolidada”, constatou.
Por fim, Lima ressaltou que também na Justiça do Trabalho tem ocorrido uma opção crescente pela conciliação no lugar da judicialização.
“Esse deve ser o primeiro movimento: conciliar e só depois se for necessário partir para um julgamento. Isso vale no direito trabalhista e, em alguns casos, até no penal. As partes podem trazer suas propostas de negociação e o MPT sempre tem apoiado esse caminho. Apenas em casos de risco iminente à vida do trabalhador ou em situações emergenciais é que não há a possibilidade de se buscar a via conciliatória, mas a conciliação é um caminho sem volta dentro do Judiciário brasileiro”, concluiu.