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Urânio no Ceará: liberação de licenças traz executivos ao Estado e desperta manifestações contra o projeto
Economia

Urânio no Ceará: liberação de licenças traz executivos ao Estado e desperta manifestações contra o projeto

Deputados do Ceará devem convocar representantes do Consórcio Santa Quitéria, formado por Galvani e INB, para prestar esclarecimentos sobre o projeto de exploração de urânio e fosfato no Ceará
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TÚNEL da mina de urânio e fosfato de Itataia, em Santa Quitéria (Foto: Fábio Lima (2015))
Foto: Fábio Lima (2015) TÚNEL da mina de urânio e fosfato de Itataia, em Santa Quitéria

A Usina de Itataia está mais próxima de sair do papel e se tornar operante. O POVO apurou que um executivo do Consórcio Santa Quitéria, formado por Galvani e Indústrias Nucleares do Brasil (INB), está no Ceará, na região de Sobral, junto com o chefe de licenciamento da companhia e mais dois advogados. Em meio aos trâmites do empreendimento com as liberações de licenças ambientais, ambientalistas se manifestam contrários à exploração de urânio e fosfato no Estado.

Um protesto encabeçado pelo Greenpeace na última quinta-feira, 24, reclamava da instalação da usina no município de Santa Quitéria (a 229 km de Fortaleza). Eles foram recebidos por deputados na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (AL-CE) para reunião e cobraram a convocação de representantes do Consórcio para que a empresa divulgasse todos os seus planos para a região, além do manejo dos materiais radioativos.

 

 

Segundo o deputado Elmano de Freitas (PT), já existe um pedido para convocação de representantes da empresa para que se manifestem sobre os planos do negócio, além do pedido de audiência pública. Os manifestantes ainda se posicionaram a favor de um projeto do deputado Renato Roseno (Psol) que legisla sobre a exploração de minérios no Ceará.

"A comissão se colocou aberta a conversar sobre a Usina de Itataia com o presidente da Casa (deputado Evandro Leitão, do PDT) e garantir a realização de audiência pública, ter informações e fazer o debate sobre as questões controversas que existem", afirma o deputado ao O POVO.

O projeto de exploração

De acordo com o projeto do Consórcio Santa Quitéria, o objetivo é explorar urânio e fosfato, encontrados de forma associada na jazida de Itataia. Segundo estudo do Consórcio, são 8,9 milhões de toneladas de fosfato e 80 mil toneladas de urânio disponíveis para exploração em Itataia.

SANTA QUITÉRIA, CE, BRASIL, 20-07-2015: Amostras de minérios no acampamento para trabalhadores da mina de urânio e fosfato de Itataia. Mina de urânio (minério) em Santa Quitéria.
SANTA QUITÉRIA, CE, BRASIL, 20-07-2015: Amostras de minérios no acampamento para trabalhadores da mina de urânio e fosfato de Itataia. Mina de urânio (minério) em Santa Quitéria. (Foto: Fábio Lima/O POVO)

A iniciativa prevê que a Galvani - empresa produtora de fertilizantes fosfatados - utilize o fosfato na fabricação de fertilizantes e alimentação animal. Enquanto o urânio será repassado à INB. Depois de extraído da mina, o minério passará por processamento de separação de elementos.

O projeto de exploração foi remodelado em 2020 e prevê investimento de US$ 400 milhões, tornando o Brasil autossuficiente no concentrado de urânio (ou yellow cake) – insumo base para geração de energia nuclear – e elevando o País à categoria de exportador do produto.

A estimativa é que sejam produzidas 1,050 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados por ano e outras 220 mil toneladas de fosfato bicálcico e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio a partir da jazida da Usina de Itataia.

'Mariana subterrânea'

Os manifestantes lembravam dos impactos negativos de operações de usinas de exploração de minérios no interior da Bahia, que deixaram de operar nos últimos anos e deixaram para trás grandes impactos ambientais na região.

Na história recente do País, o caso do desastre nuclear de 2016, conhecido como "Mariana subterrânea", aconteceu numa mina de urânio em Caetité, cidade de 51 mil habitantes no sertão baiano, onde houve vazamento de concentrado de urânio (DUA). Em Caetité, autoridades estaduais atribuem uma maior ocorrência de câncer nos moradores locais às atividades da usina.

PODCAST VOO 168 BASTIDORES

SANTA QUITÉRIA, CE, BRASIL, 20-07-2015: Placa das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), em Santa Quitéria. Mina de urânio (minério) em Santa Quitéria. (Foto: Fábio Lima/O POVO)
SANTA QUITÉRIA, CE, BRASIL, 20-07-2015: Placa das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), em Santa Quitéria. Mina de urânio (minério) em Santa Quitéria. (Foto: Fábio Lima/O POVO)

Brasil acelera trâmites para exploração de fosfato

Como o principal fornecedor de insumos e fertilizantes para o Brasil está em guerra (Rússia), o governo Jair Bolsonaro buscou mais uma vez acelerar o esforço de exploração de minérios em território nacional. Após lançar em 2019 o Plano Nacional de Energia, com investimentos da ordem de R$ 30 bilhões com ideia de retomar projetos da indústria nuclear sem alcançar tanto sucesso, a crise entre Rússia e Ucrânia trouxe uma urgência: fertilizantes.

Um dos projetos destacados no novo Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) é a exploração da jazida de Itataia. Após praticamente dez anos, o Consórcio obteve aprovação do projeto técnico-ambiental junto ao Ibama. Ao O POVO, a empresa adiantou que a aprovação precede uma série de passos, como audiências públicas e licenciamento nuclear.

O interesse do Governo Federal é que o processo transcorra o mais rápido possível, conforme o próprio ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) afirmou em evento na Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) no fim de 2021. O principal objetivo do PNF é reduzir a dependência brasileira de NPK - derivados de nitrogênio, fósforo e potássio.

Descoberta ainda na década de 1970, a mina de Itataia é considerada a maior jazida de urânio fóssil do Brasil e, de acordo com pesquisas, o urânio encontrado está associado ao fosfato. Por isso a parceria entre a estatal INB e a Galvani Fertilizantes.

Um memorando de entendimento do Consórcio com o Governo do Ceará foi assinado em setembro de 2020, prevendo o início da operação para 2023 e geração de 2,5 mil emprego, dos quais 500 serão diretos. Na oportunidade, foi apresentado um projeto repaginado do Governo, com intuito de fazer melhor uso e reuso da água. Os processos resultarão primeiro na dissociação dos minerais, e gerarão a produção final de um carregamento de 50 mil carretas de yellow cake processados, para aquecer a economia da região de diversas maneiras, inclusive utilizando além das rodovias, os portos do Pecém e do Mucuripe.

"Esse projeto é do Ceará, mas com certeza terá impacto em setores econômicos de todo o País. Vamos ter uma demanda importante na produção de fertilizantes e suplementos na alimentação animal, onde podemos ser autossuficientes", disse o governador Camilo Santana (PT) na época.

Com investimento previsto em R$ 2,3 bilhões, o interesse da INB é na conversão do concentrado de urânio em hexafluoreto de urânio (UF6) no Exterior, que retornaria ao Brasil para uso na fabricação do combustível para a geração termonuclear das usinas de Angra I, II e, futuramente (segundo planos do governo), III.

Consórcio Santa Quitéria busca dados sobre a região da mina

As empresas do Consórcio Santa Quitéria (Galvani Fertilizantes e INB) firmaram parceria com o Observatório da Indústria, da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) para obter informações e análise de dados sobre a região em que fica localizada a mina de Itataia.

O Consórcio espera que as análises viabilizem entendimento de onde a indústria, investidores, sociedade e Poder Público possam encontrar soluções viáveis ao complexo mineroindustrial de fosfato e urânio a ser desenvolvido na região e o desenvolvimento da localidade.

"A informação que o Observatório passará para o Consórcio deve subsidiar a sua tomada de decisão para investimentos, identificando as empresas que, por exemplo, podem passar por um processo de fornecimento ao mesmo, ampliando a geração de renda na região", destaca Sampaio Filho, diretor de Inovação e Tecnologia e líder do Observatório da Indústria. O Observatório já iniciou os estudos, montando uma agenda de encontros com membros do consórcio.

Outro ente interessado em parceria com o Consórcio é a Universidade Federal do Ceará (UFC), que recebeu executivos na Reitoria em fevereiro passado. A ideia dos empresários foi conhecer a oferta de cursos e projetos de desenvolvimento da UFC.

Além de buscarem informações sobre os cursos da UFC que podem ter interação com as atividades do projeto, os integrantes da comitiva também procuraram saber sobre as possibilidades de parceria com a Universidade, incluindo a capacitação de mão de obra local para atuar na usina em planejamento.

"Temos buscado colocar à disposição a nossa inteligência acadêmica para resolver os problemas da indústria", afirmou na oportunidade o reitor Cândido Albuquerque.

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