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Reajuste na conta de luz gera aumento de até 20% em alimentos e produtos no Ceará
Economia

Reajuste na conta de luz gera aumento de até 20% em alimentos e produtos no Ceará

Levantamento feito pelo O POVO em contato com 10 setores produtivos revela aumentos que variam entre 5% e 20% nos preços cobrados ao consumidor final
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Alta na conta de luz no Ceará gera efeito em cadeia de aumentos generalizados que variam de 5% até 20% (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Alta na conta de luz no Ceará gera efeito em cadeia de aumentos generalizados que variam de 5% até 20%

Além da conta de luz mais cara, o cearense deve se preparar para pagar até 20% mais caro por alimentos e produtos ainda neste mês de abril. A elevação dos preços ocorre diante de um efeito dominó do aumento tarifário definido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e implementado no Ceará pela Enel a partir da sexta-feira, 22. 

Levantamento exclusivo feito pelo O POVO em contato com 10 setores produtivos revela aumentos que variam entre 5% e 20% nos preços cobrados ao consumidor final, todos a serem repassados já nos próximos dias, conforme sindicatos e associações empresariais ouvidas durante a pesquisa. E, para além do impacto direto no orçamento do consumidor, empresários alegam que o reajuste na cona de luz trava o processo de retomada econômica e gera risco de grande volume de demissões e alto risco de falência em determinados setores. 

Os efeitos do aumento, contudo, além de serem sentidos individualmente por cada parte da cadeia produtiva e de consumo, se acumulam nos repasses feitos desde a produção até a venda dos bens, o que encarece a conta final paga pelo consumidor.  

No Estado, a principal alta será percebida no agronegócio, em especial sobre frutas e hortaliças,  que devem encarecer 20% ainda este mês, conforme revela, Almicar Silveira, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec). Alta tem efeito agravado para setor do agronegócio em decorrência do alto consumo de energia para irrigação das lavouras.

“O aumento médio foi de 24,85%, mas, para o agronegócio cearense, na prática, o aumento vai ser maior, para gente, vai ser de 32% e nós não conseguimos compreender os motivos disso. Estamos sofrendo há bastante tempo com a má prestação do serviço, é gritante a insatisfação dos 395 mil negócios que representamos", afirma Amilcar.

O presidente da Faec pontua ainda que o reajuste dificulta o plano de desenvolvimento do setor, que buscava reduzir os custos dos produtores locais para aumentar a oferta dos produtos nas mesas cearenses. O aumento, na base da cadeira produtiva, gera um efeito dominó de altas ainda maiores nos pontos subsequentes da cadeia de produção e consumo.

Com a elevação esperada pelos produtores, somado com o encarecimento do próprio custo com energia, os supermercados do Estado esperam uma disparada de preços generalizada "acima dos 10%", detalha Nidovando Pinheiro, presidente da Associação Cearense de Supermercados (Acesu).

"O varejo, a indústria, os produtos, todos dependem da energia e vão aumentar seus preços com esse aumento, então, com certeza teremos que ter reajustes bem significativos em cima de diversos produtos", destaca Nidovando.

O cenário se agrava diante de movimentos específicos de cada segmento de bens ou produtos. O tradicional pão francês, ou carioquinha, por exemplo, sofreu alta de 15% no começo deste mês em decorrência da disparada de preços do trigo no mercado internacional diante da guerra entre Rússia e Ucrânia, maiores exportadores da matéria-prima do mundo, e irá aumentar novamente, entre 5% e 10% até o fim do mês. 

O presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria no Estado do Ceará (Sindipan), Ângelo Nunes, afirma ser "impossível" o não repasse do aumento. Ele projeta um cenário incerto, com queda no consumo e risco de demissões em decorrência das recorrentes elevações de preços.

Neste contexto, o Sindicato das Indústrias de Confecção de Roupas no Estado do Ceará (Sindconfecções) projeta aumento nos preços dos produtos de vestuários, entre roupas e calçados, na casa dos 10% ao consumidor final.

No comércio varejista cearense de modo geral, se considerado apenas o aumento da conta de luz, cada produto aumentará 2% no preço final, porém, todas as etapas de produção deste produto estarão mais onerosas, o que eleva de forma imprevisível o reajuste sentido pelo consumidor durante as compras, conforme explica Cid Alves, presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Fortaleza (Sindilojas). Ele destaca ainda, que nesse cenário, os aumentos serão recorrentes até o sexto mês do ano, quando de fato, toda alta na tarifa de conta de luz será repassada ao consumidor, 

Daniel Silveira, presidente do Sindconfecções, pontua que a alta na conta de luz vai gerar um efeito em cadeia, reduzindo todos os avanços no processo de retomada econômica no Estado. “Isso atrapalha muito a indústria, muitos setores mal estão pagando suas contas, com certeza esse aumento, no atual cenário, irá inviabilizar muitos negócios”, complementa.

O risco de desemprego, porém, é maior no setor de alimentação fora do lar, defende Taiene Righetto, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Ceará. O empresário define o aumento da Enel como "covarde" e pondera que no atual contexto socioeconômico se torna "insustentável" para empresas arcarem com esse reajuste. 

O empresário destaca que os estabelecimentos acumularam dívidas e que estavam apostando no fim da bandeira tarifária de escassez hídrica e o relaxamento das medidas restritivas de isolamento social para estruturar a recuperação econômica dos negócios.

“Os impactos ainda são incalculáveis, não é só a nossa conta de energia, aumentam os insumos, as bebidas, as carnes, os produtos, tudo. Não vamos mais conseguir contratar, investir, vai ser difícil manter o negócio", finaliza.  

Para o setor industrial, a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), em nota conjunta com a Associação Comercial do Ceará, a Federação das Associações do Comércio, Indústria, Serviços e Agropecuária do Ceará (Facic) e a Federação das Entidades de Micro e Pequenas Empresas do comercio e Serviço do Estado do Ceará (Femicro) afirmam ser "indispensável que a Enel apresente uma alternativa que reduza o impacto para o setor produtivo e a sociedade em geral".  

O Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Ceará (Setcarce) e a Federação das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Nordeste (Fetranslog) também assinam a nota que destaca que o aumento implementado pela Enel gera “perda de competitividade em relação aos demais estados” com “forte impacto no cenário econômico local”.

Tarifa maior será questionada judicialmente

Diante do reajuste nas contas de luz e do efeito em cascata dos aumentos, 9 dos 10 sindicatos e associações empresariais ouvidos pelo O POVO confirmaram que entrarão em ações individuais e um um processo coletivo solicitando revisão da alta na tarifa. O Sindipan foi o único que não manifestou interesse. 

Por outro lado, Abrasel, Sindilojas, Acesu, Faec, Sindicarnes, Fiec, Fecomércio e sindicatos correlacionados destacam que estão buscando diálogo com a Enel para questionar o aumento e propor soluções. 

As entidades ressaltam o contato com vereadores e deputados para articulação política. Ainda assim, todas as citadas acima mencionam que, já na próxima semana, pretendem acionar o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) solicitando, via ação civil pública, a revisão do encarecimento tarifário. 

Para além desta movimentação, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), instaurou ainda na sexta-feira, 22, um procedimento administrativo em desfavor da Enel.

A medida dá um prazo de dez dias corridos após notificação para que a empresa justifique os critérios usados no cálculo do percentual de reajuste.

O processo determina ainda que a Aneel seja notificada para esclarecer, publicamente, os parâmetros utilizados na avaliação do reajuste da Enel Ceará, que resultou na aprovação do maior aumento tarifário do Brasil. O Decon enviou ofício para a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce), solicitando posicionamento do órgão sobre o tema.

Em resposta ao O POVO, a Enel Ceará afirma que até o fim da manhã da sexta-feira, 22 de abril, não havia sido notificada judicialmente sobre o reajuste. Ainda assim, a empresa afirma estar "aberta para o diálogo com todas as entidades".

A distribuidora de energia revela ainda estar em conversa com os sindicatos para agendamento de reuniões individuais para que os devidos esclarecimentos.

 

Entenda alterações

Desde setembro de 2021 estava em vigor no Brasil a bandeira escassez hídrica.

A bandeira implementava taxa extra R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos por hora e, após recarga dos reservatórios na quadra chuvosa de 2022 foi suspensa no último dia 16 de abril.

Com o fim da bandeira escassez hídrica, esperava-se uma redução de até 20% nas contas de luz dos brasileiros.

No dia 19 de abril, porém, o reajuste anual das tarifas cobras pelas distribuidoras de energia, no caso do Ceará, a Enel, foi aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Cálculo da Aneel previa alta de 30,41%, mas acabou aprovando aumento médio de 24,85%.

Assim, na prática, o encarecimento percebido com reajuste da Enel Ceará e fim da bandeira deve ser, na maioria dos casos, de cerca de 5% a mais do valor pago nos últimos meses pelos consumidores comuns.

Isso porque a alta anual será amortecida pelo fim da bandeira.

COMPOSIÇÃO DA CONTA DE LUZ NO CEARÁ

11,45% - Aumento referente a retirada de despesas financeiras anteriores

4,02% - Aumentos de encargos, impostos e taxas

4,32% - Aumento do preço da energia no mercado interno brasileiro

0,55% - Aumento de outros componentes financeiros, custos operacionais e etc

Houve ainda a redução de 1,04% no custo relacionado ao transporte de energia

REAJUSTES DE ACORDO COM FAIXA DE CONSUMO NO CEARÁ

Aumento de 24,18% para grupo A, consumidores de alta tensão com grande demanda de energia, como indústrias.

Aumento de 25,12% para o grupo B, consumidores de baixa tensão, em geral residências e pequenos negócios.

Aumento de 24,66% para imóveis residenciais com baixo consumo.

Resumo das altas

SUPERMERCADEOS

Projetam alta generalizada acima de 10% em todos os produtos.

BARES E RESTAURANTES

Realizaram pesquisa para estimar percentual do aumento, mas pontuam riscos elevados de demissões, falência de empresas e confirmam que preços serão elevados ainda em abril.

PANIFICADORAS

Produtos com elevação entre 5% e 10% no preço praticado até o fim do mês. Estimativa é de que o quilo do pão carioquinha chegue a até R$ 21,50 no Estado.

ROUPAS CALÇADOS E ACESSÓRIOS

Todos os produtos de vestuário terão alta de 10%, com possibilidade de variações ainda maiores a depender do aumento de custo na fabricação dos itens vendidos.

CARNES EM GERAL

Esperado encarecimento mínimo de 5% nos preços atuais em todos os pontos de venda do Ceará.

INDÚSTRIA

Não revelou percentual no custo operacional, mas afirma que aumento gera "perda de competitividade em relação aos demais estados" com "forte impacto no cenário econômico local".

COMÉRCIO

Estima aumento imediato de no mínimo 2% no valor de cada produto, podendo apresentar percentuais "bem mais significativos" a depender do acumulado do repasse das demais etapas da cadeia produtiva.

CONTA DE LUZ

Aumento médio de 24,85%, mas, na prática, com redução de 20% gerada pelo fim da bandeira tarifária de escassez hídrica, consumidor deve sentir a conta de luz mais cara em 5% já em abril. Reajuste entrou em vigor ainda ontem, 22 de abril.

 

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