Enquanto o consumidor cearense já paga reajuste tarifário até 25% mais caro na conta de luz desde o dia 22 de abril, uma comissão vai buscar irregularidades na prestação de serviços da Enel. Caso sejam confirmadas, o Ministério Público do Estado do Ceará enviará recomendação para revisão antecipada do contrato de concessão da empresa. Relatório contará com levantamento nas 184 cidades do Estado.
A informação foi revelada pelo órgão nesta segunda-feira, 2 de maio. Será uma comissão jurídica criada pelo MPCE para avaliar descumprimento de deveres na prestação de serviços da distribuidora com relação às obrigações definidas no contrato de desestatização para atuação da empresa no Ceará. Ações de investigação se concentrarão na Grande Fortaleza, na região Norte e no Cariri.
Uma das iniciativas buscadas pela comissão é a consolidação de todas as reclamações contra a Enel em todos os órgãos de defesa do consumidor do Estado. Além disso, para driblar a subnotificação das queixas, a comissão realizará audiências públicas nas regiões citadas acima para que a sociedade civil manifeste sua opinião com relação ao aumento.
O reajuste foi aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e tem sido alvo de críticas por sindicatos e associações empresárias, comerciais e industrial. Os setores consideram o aumento abusivo e insustentável no atual momento de retomada econômica. As comissões terão 120 dias para apresentar um relatório final para avaliação e construção de um parecer.
A comissão do Ministério Público atuará em parceria com a comissão parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado para avaliar o cumprimento ou descumprimento das obrigações da Enel estipuladas no contrato de concessão. Também participam Decon, Aprece e Procon Fortaleza. Iniciativa busca catalogar todas as reclamações contra a concessionária Enel e rever o cumprimento de cada cláusula contratual da concessão que abrange a distribuidora italiana no Ceará.
A articulação é para pressionar a Justiça do Estado para suspender o aumento até a avaliação final da comissão do MPCE. Porém, cabe lembrar que o aumento foi uma decisão da esfera Federal. Pois a autorização veio da Aneel, autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia do Governo Federal.
O pedido de suspensão do aumento até que a Justiça avalia as justificativas apresentadas pela Enel é o principal mote da ação civil pública da última sexta-feira, 29 de abril.
Evandro Leitão (PDT), presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, destaca ainda que amanhã, terça-feira, 3 de maio, ocorrerá a reunião do colegiado para iniciar revisão das cláusulas contratuais de concessão da Enel. Processo contará com apoio de advogados, administradores e engenheiros para garantir que cada clausula seja revisadas com princípios técnicos.
"O Ministério Público está atento a tudo isso e ativo na defesa dos direitos da população do Estado do Ceará", complementa o deputado estadual Fernando Santana, vice-presidente da Assembleia Legislativa do Estado.
Já o presidente da Comissão do Direito do Consumidor da Assembleia do Estado, Fernando Hugo, detalha que a Aprece está trazendo um elenco de todos os prefeitos do Estado do Ceará, que irão reforçar, nas assinaturas, "o desejo de reverter esse aumento abusivo".
Ele critica ainda a posição do Ministério Público Federal (MPF) e da Aneel com relação ao aumento. Na visão do parlamentar, os órgãos federais não estão com o empenho devido diante da gravidade dos impactos financeiros e sociais decorrentes do reajuste.
"Se dependesse apenas dos órgãos cearenses, do MPCE, da Assembleia, da Aprece, a população poderia já dar como certa a castração desse aumento", reforça Fernando Hugo.
O presidente da Aprece, Francisco de Castro Menezes, revela ainda que a Associação irá contribuir com a comissão enviando relatórios e dados referentes a qualidade do serviço prestado pela Enel em todos os 184 municípios cearenses.
Ao todo, a Assembleia computa 1.200 reclamações contra Enel entre janeiro e março deste ano enquanto o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon) registra 1.004 reclamações. Os números não contemplam denúncias de outros órgãos.
A revisão antecipada do contrato de concessão com Enel dependerá diretamente da constatação ou não de irregularidades pelas comissões do MPCE e da Assembleia. Os jurídicos e parlamentares atuam com duas frentes de ação, uma no que diz respeito ao direito do consumidor e da classificação como abusivo do reajuste anual de tarifa e outra relacionada aos deveres legais da distribuidora com base na lei de concessão de serviços públicos.
"Esse reajuste está sendo danoso a ordem pública do Estado. São empresas e indústrias já majorando seus preços e por isso pedimos uma cautela de urgência", pondera o procurador-geral de Justiça do Estado, Manuel Pinheiro. Ele destaca que o retorno do jurídico cearense com relação a suspensão imediata do aumento poderá vir "a qualquer momento".
O promotor avalia que todo essa movimentação criará uma jurisprudência mais concreta para definição de um novo contrato de concessão, com a Enel ou com outra distribuidora após 2028, data do fim da primeira concessão. "Ninguém que causar prejuízo a empresa distribuidora, mas também não podemos deixar de zelar pelos consumidores do Estado do Ceará", complementa Manuel Pinheiro.
Ricardo Memória, promotor de Justiça e secretário executivo do Decon Ceará, diz acreditar no sucesso da ação civil pública. "O aumento é totalmente despropositado, viola direitos do consumidor por ser um aumento abusivo, sem justa causa", afirma.
Manuel Pinheiro vê no pedido de suspensão temporária do aumento um caminho para pressionar a Enel a apresentar detalhadamente os parâmetros usados para definição do aumento. A principal argumentação jurídica neste ponto é de que diante dos altos índices de reclamação e com aumento expressivo de preços, a Enel fere os princípios básicos do artigo sexto da lei de concessões de serviços públicos.
Pela lei, é de obrigatoriedade da concessionária a garantia de serviços adequado, que satisfaça as demandas do mercado consumidor, com técnicas modernas e seguras para garantir a continuidade do serviço.
Além disso, cabe a cada empresa atuante por meio de concessão, com base no artigo 9º da referida lei, a garantia de preços justos e acessíveis à todos, com devida justificação de parcimônia na definição de aumentos tarifários
"Precisamos verificar a qualidade do serviço prestado pela empresa concessionária de serviços públicos. Não é só fornecer energia elétrica as residências e industria. A lei das concessões estabelece parâmetros e objetivos muito claros e nós precisamos verificar se eles estão sendo cumpridos como deveriam", complementa Ricardo Memória.
Diante do embate jurídico do tema, a comissão de justiça do MPCE pontua que os órgãos estaduais irão se articular para que nos próximos anos, sejam consultados pela Aneel antes da mesma emitir o parecer final das propostas de reajustes tarifários das distribuidoras. O movimento conta com apoio do MPCE, dos órgãos de defesa do consumidor do Estado e da Capital, bem como da Assembleia Legislativa.
"Por óbvio, todas as instâncias estaduais irão acionar Aneel para participar das reuniões e receber os indicadores e relatório da Aneel antes que a mesma aprove os reajustes", pontua Manuel Pinheiro. O promotor-geral de Justiça do Estado afirma que a organização que ocorre no Ceará deverá ser reproduzida por outras gestões estaduais do Brasil.
A proposta é de que as prefeituras enviem para os órgãos estaduais relatórios da prestação de serviços da distribuidora de energia elétrica em cada município para que o Estado tenha condições de apresentar argumentos e dados para a Aneel que possam ser avaliados durante a definição de cada novo reajuste.
Entre os pontos criticados pela Comissão está ainda a falta de transparência da Enel, especialmente com relação a cobranças de tarifas pela distribuição de energia e a taxa de iluminação pública. A demora no atendimento aos clientes, históricos de cobranças abusivas ou indevidas e as recorrentes reclamações, mesmo com investimentos para melhoria do serviço, são outros pontos questionados pela Comissão.
Em nota ao O POVO, a Enel afirmou que "está aberta para o diálogo com todas as entidades para prestar todos os esclarecimentos sobre o tema."
Confira o restante da nota:
A empresa esclarece que as tarifas são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com base em leis e regulamentos federais e contêm custos que não são de responsabilidade da Enel como: custos de geração, transmissão de energia, impostos e encargos setoriais. Estes valores são arrecadados pela distribuidora e repassados às empresas de geração, transmissão e ao governos federal e estadual. Durante a pandemia, a agência reguladora postergou repasses para a tarifa que impactaram no reajuste desse ano, principalmente, por encargos setoriais, aumento da inflação e custos de geração de energia. A companhia acrescenta ainda que o fim da bandeira de escassez hídrica vai amenizar o efeito do reajuste para a maior parte dos consumidores.
Cabe esclarecer que, do reajuste anunciado semana passada, cerca de 5% corresponde a parcela destinada à distribuidora para operação, expansão, manutenção e investimentos na rede de energia. A Enel Ceará vem investindo constantemente na melhoria da qualidade do fornecimento e na modernização da rede de distribuição do Estado. Nos últimos 10 anos, a empresa investiu um total de R$ 6,4 bilhões. Só em 2021, foi investido cerca de R$ 1 bilhão no Ceará.
AL-CE
Evandro Leitão (PDT), presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, destaca ainda que, hoje, 3 de maio, ocorrerá a reunião do colegiado para iniciar revisão das cláusulas contratuais de concessão da Enel. Processo contará com apoio de advogados, administradores e engenheiros para garantir que cada clausula seja revisada com princípios técnicos