Seis dias após a aprovação do teto de 18% para alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no Ceará, O POVO conversou com o economista, advogado tributário e empresarial e ex-secretário de Finanças de Juazeiro do Norte, Paulo Andre Pedroza de Lima, sobre como melhorar a arrecadação dos municípios cearenses.
Paulo é atualmente mestrando em Direito Privado pela Uni7 e argumenta que há falhas no sistema tributário que abrem margem para grande sonegação fiscal e má gestão dos recursos disponíveis.
Segundo ele, se os entraves forem solucionados, é possível garantir uma alta na arrecadação financeira dos municípios sem elevar a carga de impostos sobre o setor produtivo.
Investimento em tecnologia, colaboração entre pastas e secretarias, assim como uma reestruturação organizacional da política de fiscalização e cobrança de impostos são alguns dos caminhos para equilíbrio dos cofres municipais, conforme comenta com exclusividade ao O POVO. Confira:
O POVO - Como alavancar a situação fiscal de um município no cenário econômico atual?
Paulo Andre Pedroza de Lima - A primeira coisa que eu digo é: não precisa aumentar a alíquota de tributos. Nossa carga tributária já é muito elevada. Hoje, a maior parte da receita dos municípios é o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para venda de imóveis.
Mas, em Juazeiro do Norte, por exemplo, ao menos 50% dos imóveis não têm registro regular ou estão regularizados. Nós vamos gastar R$ 4,5 milhões em um mapeamento da cidade, mas isso se pagará em dois meses com a regularização dos imóveis que não estavam pagando os tributos devidos.
Há ainda um programa nacional de Regularização Fundiária Urbana (Reurb) que pode ser implementado nas cidades para facilitar o processo de regularização. Municípios menores podem até mesmo se unir e financiar em conjunto o mapeamento e recadastramento fundiário, reduzindo o custo do processo.
Além disso, há a possibilidade do uso de protesto em cartório dos devedores de tributos municipais. Em Juazeiro, eu implementei isso em convênio com os cartórios, ou seja, sem custo algum para a Prefeitura e, a partir disso, a nossa arrecadação aumentou 40% e os que mais nos procuraram para quitar as dívidas foram justamente os maiores devedores. São casos de dívidas de até R$ 800 mil em IPTU.
OP - Quais medidas podem ser tomadas para melhorar as finanças de um município?
Paulo Andre Pedroza de Lima - A gente precisa falar em recursos humanos nesse ponto. A maioria dos municípios não treinam servidores e não possuem sistemas de informatização.
No final das contas, o que falta é planejamento, eficiência na gestão dos recursos e uma coordenação. Sobre o Fundeb, por exemplo, sobra dinheiro na educação de muitas cidades do Interior, tanto que ocorre todo fim do ano um 14º, 15º salários dos professores, porque não houve aplicação adequada desse recurso ao longo do ano.
Além disso, falta fiscalização sobre muitos tributos que poderiam ser fontes de arrecadação como o ITBI.
OP - Como se fazer a gestão de uma dívida ativa de forma eficiente?
Paulo Andre Pedroza de Lima - O ponto de partida é ir cobrar de forma eficiente os devedores. Se formos analisar, generalizando, teremos cerca de 80% da dívida relacionada a saldo devedor de 20% dos contribuintes.
Então, se você procurar soluções como a transação tributária, que é uma lei na qual o município pode negociar com o devedor sem descontos muito altos, com um refis equilibrado, para tentar resgatar isso.
Outra coisa, cabe ao município adequar essa cobrança à realidade de cada devedor. Não podemos pensar só em quitação de dívidas com dinheiro.
A maior parte da dívida dos municípios diz respeito a saldo negativo de IPTU, mas, às vezes, a pessoa pode pagar transferindo a posse de um terreno ou de parte dele para a Prefeitura.
Isso ajuda o contribuinte, alivia a dívida do municípios, que passa a ter um patrimônio a mais para a cidade, que pode ser utilizado das mais diversas formas em prol do povo. O esforço deve se concentrar na busca por essas saídas inteligentes para os problemas.
OP - E como os municípios pequenos podem agir para ter uma boa saúde fiscal?
Paulo Andre Pedroza de Lima - É importante que esses municípios passem a olhar a Secretaria de Finanças como uma Secretaria da Fazenda cuja missão é captar recursos para investir no próprio município.
A minha recomendação é o uso de consórcios entre municípios vizinhos, uma administração coletiva das ações de fiscalização e cobrança dos tributos em cada local.
Além disso, esses municípios devem tentar todos os órgãos de articulação possível para entrar em contato com a Secretaria de Fazenda do Estado para um convênio de transferência de tecnologia porque isso é fundamental.
E a terceira questão é se valer do Reurb, usar a lei para aumentar a arrecadação do IPTU. A Secretaria de Finanças dos municípios precisa ser um órgão técnico e não político.
OP - Há espaço para diminuir a dependência dos municípios dos tributos?
Paulo Andre Pedroza de Lima - Sim, com toda certeza. Implementando as ações que comentei anteriormente, dispensando todos os cargos comissionados não essenciais, investindo nos servidores de carreira, em modernização dos sistemas, em recapacitação dos técnicos.
Nós aumentamos em 70% a arrecadação de Juazeiro do Norte e equiparamos a arrecadação municipal com a cota de direito do Fundo de Participação dos Municípios.
Agora, de fato, em relação ao ICMS, não há como cortar o repasse do Estado para os municípios, mas há essa dificuldade de contato com a Sefaz.
Poderíamos melhorar ainda mais a arrecadação, incrementando fiscalização mais assertiva aos sonegadores de ICMS se houvesse uma operação conjunta das Secretarias de Finanças municipais e da Sefaz, sem aumentar a alíquota.
OP - E, por último, como o senhor avalia as propostas de reformas tributária?
Paulo Andre Pedroza de Lima - É muito difícil chegar a um acordo ou consenso sobre a reforma tributária. Eu acompanho o tema desde a época da faculdade em 1990 e já escutei várias e várias propostas, e não vejo nenhum avanço.
O caminho mais assertivo seria a adoção de um IVA, um Imposto de Valor Agregado, tal qual o Simples Nacional que reúne ICMS, INS, ISS, PIS, Cofins, tudo. Eu somente pegaria esse princípio e aplicaria ele de forma geral nos sistemas produtivos.
A questão seria que esse IVA geral deveria ser compensável de uma empresa para outra, ou seja, eu tenho uma empresa e contrato por um serviço.
Quando a prestadora de serviço emitir a nota, ela já estará pagando os impostos todos, e quando eu for emitir minha nota fiscal, vou abater do meu imposto o que paguei antes.
Assim, teríamos um simples de valor agregado e a partir do momento em que você compensará o tributo que irá pagar com aquilo que você comprou, você começará a pedir nota fiscal de tudo e gera um ciclo virtuoso de exigir nota fiscal e pagar o tributo apenas em cima daquilo que você agrega de valor, combatendo ainda a sonegação.