Em manifesto publicado ontem, sob organização da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mais de 3,1 mil pessoas se posicionaram em defesa do estado democrático de direito e do sistema eleitoral brasileiro, alvo de recentes ataques e questionamentos. Entre os signatários estão juristas, empresários, banqueiros, economistas, acadêmicos e artistas.
Integram a lista, por exemplo, nomes de peso como o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, Roberto Setubal e Cândido Bracher (Itaú Unibanco), Walter Schalka (Suzano) e de empresas de bens de consumo como Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura).
Dentre os cearenses que subscrevem o documento, está o conselheiro de empresas, Geraldo Luciano, e a secretária da Fazenda do Ceará (Sefaz), Fernanda Pacobahyba.
Na carta, as urnas eletrônicas são grifadas como “seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral”. O texto que ganhou adesão do empresariado não faz menção expressa ao presidente Jair Bolsonaro, mas afirma que o País está "passando por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições".
Ao citar "desvarios autoritários" que puseram em risco a democracia dos Estados Unidos, a carta diz: "Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão."
Segundo o diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Fernandes Campilongo, “muita gente aderiu e todas assinaturas são importantes. No dia 11 de agosto, faremos um ato maior destacando também as novas adesões que virão, mas já podemos falar que 50% do PIB brasileiro assinou a nossa carta em defesa da democracia”.
Na ocasião, o documento será lido pelo ex-decano do STF, Celso de Mello, em evento marcado para acontecer no Pátio das Arcadas do Largo São Francisco, mesmo espaço onde, em 1977, o jurista e professor Goffredo da Silva Telles Jr. marcou a luta contra a ditadura militar lendo a Carta aos Brasileiros.
Ontem, ele pregou uma reação aos 'pronunciamentos de um político menor e medíocre'. Para Celso, o presidente Bolsonaro 'busca permanecer na regência do Estado, mesmo que esse propósito individual, para concretizar-se, seja transgressor do postulado da separação de poderes e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas'.
Em setembro do ano passado, carta com teor semelhante foi divulgada também com a presença de nomes importantes do empresariado. O manifesto 'A Praça é dos Três Poderes' foi encabeçado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), mas sem a assinatura da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que havia referendado primeira versão do documento.
No meio acadêmico, também houve adesão expressiva ao documento. Inclusive, entre docentes no Ceará. Para a vice-presidente da Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Ceará (ADUFC), Irenísia Oliveira Graúna.
“A carta é uma notícia boa em um contexto de apreensão. Os docentes vêm se mobilizando de forma mais contundente na defesa democrática desde 2016 e é importante a adesão de outras parcelas da sociedade para a promoção no sentido mais amplo da palavra democracia, inclusive nas empresas”, enfatiza.
A secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, destacou que essa “é uma carta que deixa muito marcada essa voz da defesa da democracia. Se esse não for o momento de nós nos manifestarmos contra esses ataques, talvez não tenhamos outro, no sentido democrático”.
Já o conselheiro de empresas, Geraldo Luciano, destaca duas principais motivações para assinar o documento. "Um é do ponto de vista da cidadania e de se entender que não há uma outra forma melhor de se conviver em sociedade. O outro é que fora do ambiente democrático haveria uma deterioração completa do ambiente econômico", pondera.
Apesar da avaliação, ele disse acreditar que a adesão à carta pelo empresariado cearense deve ser baixa, devido o temor de que a assinatura seja vista como apoio ou contraposição a determinados candidatos, em um ano eleitoral.
A presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Silvana Parente, expressou apoio à à carta e intenção de assiná-la. “O manifesto mostra a preocupação com a garantia das eleições livres. Isso é fundamental para a retomada da economia e a contestação às urnas só faz atrapalhar esse processo”, defende.
Ontem, nomes do empresariado ouvidos por O POVO como a CEO da Mallory, Anette de Castro, e do Grupo Beach Park, Murilo Paschoal, também fizeram coro à defesa da democracia, embora preferindo não indicar se assinarão ou não o manifesto. (Colaboraram Beatriz Cavalcante, Samuel Pimentel e agências)
"Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos.
Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A semente plantada rendeu frutos.
O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: " Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição ".
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública.
Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável.
O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais.
Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira.
São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana.
Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia.
Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado.
A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!"
Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito
Organização: Faculdade de Direito da USP
Link para assinatura: Estado de Direito Sempre
CARTA EM DEFESA DA DEMOCRACIA
Confira algumas da personalidades que assinaram o manifesto!
Celso de Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal
Roberto Setubal, banqueiro (Itaú Unibanco)
Walter Schalka, presidente da Suzano
Guilherme Leal, fundador da Natura
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central
Eduardo Vassimon, presidente do conselho de administração da Votorantim
Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso
Persio Arida, economista
Fernanda Pacobahyba, secretária da Fazenda do Ceará
Geraldo Luciano, consultor empresarial
Celso de Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal
Roberto Setubal, banqueiro (Itaú Unibanco)
Walter Schalka, presidente da Suzano
Guilherme Leal, fundador da Natura
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central
Eduardo Vassimon, presidente do conselho de administração da Votorantim
Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso
Persio Arida, economista
Fernanda Pacobahyba, secretária da Fazenda do Ceará
Geraldo Luciano, consultor empresarial