A proporção de pessoas com contas ou dívidas em atraso, em Fortaleza, teve aumento de 3,6 pontos percentuais em relação ao bimestre encerrado em agosto, e atinge hoje 28,8% dos consumidores.
É o que mostra a Pesquisa do Endividamento do Consumidor de Fortaleza (Peic) divulgada ontem pela Fecomércio, através do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Ceará (IPDC).
O tempo médio de atraso é de 74 dias (ou seja, cerca de dois meses e meio) e a principal justificativa para o não pagamento das dívidas é a necessidade do uso dos recursos em outras finalidades, citado por 58% dos entrevistados.
O levantamento mostra ainda que três em cada quatro fortalezenses possui algum tipo de dívida (74,8%). E o pagamento delas compromete, em média, 46,2% da renda familiar.
São 2,5 pontos percentuais acima do registrado no bimestre encerrado em agosto (43,7%) e muito superior à média histórica do indicador, de 35%.
Silvana Parente, economista presidente do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), analisa como preocupante os dados apresentados. "Obviamente que esse é um reflexo da queda de rendimento, do desemprego e da inflação alta."
A pesquisa mostra que são os gastos correntes os principais responsáveis pelo endividamento, com destaque para a compra de alimentos a prazo (citado por 61,1% dos entrevistados), para aquisição de itens de vestuário (29,7%), a cobertura de despesas de saúde (25,3%) e o uso de crédito para pagamento de aluguel residencial (24,7%). O valor médio das dívidas é de R$ 1.704, com prazo médio de oito meses.
"As pessoas estão comprando comida a prazo. Isso significa que os gastos correntes estão muito elevados e endividando as famílias, e não mais apenas o bem supérfluo."
São as mulheres (32%) que possuem mais dificuldades em honrar os compromissos financeiros. Além disso, pessoas com mais de 35 anos (30,6%) e com renda familiar mensal abaixo de cinco salários mínimos (29,6%), também aparecem como mais endividadas.
Na pesquisa também foram citados como motivos para o atraso no pagamento, o desequilíbrio financeiro, em segundo lugar, com 40,8%, seguido da perda de prazo por esquecimento (6,5%).
A taxa de inadimplência potencial, ou seja, a proporção de consumidores que não terão condições financeiras para honrar seus compromissos, aumentou 1,6 pontos percentuais, atingindo o patamar de 13,2% no bimestre setembro/outubro. Apesar do resultado, o índice mostra melhora com relação ao mesmo período de 2021, quando foi mensurado em 15,8%.
Para o superintendente de Ações Integradas do Sistema Fecomércio Ceará, Henrique Gonzaga, um dos grandes motivos desse atraso nos pagamentos é a falta de planejamento do orçamento familiar. “Ainda falta que as pessoas coloquem tudo na ponta do lápis e organizem o orçamento mensal, para que, assim, possam contrair dívidas de acordo com seus recursos.”
Os instrumentos de crédito ditos pelos consumidores como os mais utilizados são: cartões de crédito, citados por 83,7% dos entrevistados; financiamento bancário (veículos, imóveis etc.), com 17,3%; empréstimos pessoais, com 9,0%; carnês e crediários, com 4,6%; e cheque especial, com 1,5%.
Conforme Henrique Gonzaga, o motivo do cartão de crédito aparecer em primeiro lugar é por conta da facilidade no uso. “O cartão é uma fonte de crédito rápida, já pré-aprovada e que está na mão do consumidor no momento da compra. Porém, para que ele não se torne um grande vilão, é preciso atenção ao utilizar e, principalmente, ao pagar, já que os juros são os maiores do mercado. Pagamentos mínimos ou em atraso, por conta do juro, pode transformar a dívida em uma bola de neve sem controle para o orçamento familiar”, comenta.
Além de simplesmente anotar os gastos
Ainda no levantamento realizado pela Fecomércio tem-se que 73,4% das famílias fazem orçamento familiar mensal e acompanhamento eficaz dos seus gastos e rendimentos, o que contribui para um melhor controle dos níveis de endividamento. Porém, o economista e professor Eldair Melo, questiona essa afirmação.
"Fazer planejamento financeiro familiar está além do que simplesmente anotar as contas do mês. Trata-se também de controlar e planejar, ter um fundo de reserva para um certo período quando os imprevistos acontecerem (emergência)", explica.
Assim, ele afirma que este endividamento atual é reflexo do alongamento de dividas anteriores e atuais que comprometem a renda familiar como um todo. "Para diminuírem este endividamento as familiar deveriam procurar fazer a portabilidade de suas dívidas para pagar juros menores. Procurarem realizar compras de supermercado para pagarem à vista, no lugar de parcelar no cartão e estabelecer um prazo para liquidação total destas dívidas."
Porém, ele ressalta que estas ações não serão fáceis. "O cenário atual é de alta inflacionária, desemprego e diminuição de renda. Então, a família terá que ser bastante seletiva em seus gastos e controles financeiros com foco na redução do endividamento e criação de um fundo de reserva. O importante é fazer um plano e seguir ele", indica o economista, lembrando que se a família não souber como realizar isto, deve procurar profissionais da área que podem ser indicados pelo Conselho Regional de Economia.
Dos entrevistados, 15,4% relataram que fazem orçamento dos rendimentos, mas sem controle eficaz dos gastos e 11,2% informaram não possuir orçamento e tampouco controle dos gastos.
Fatores apontados pelos consumidores que os deixariam endividados:
• Falta de orçamento e controle dos gastos, com 52,1% das respostas;
• Redução dos rendimentos, com 22,4%;
• Desemprego, com 22,0%;
• O aumento dos gastos considerados essenciais, com 21,8%;
• As compras por impulso, sem necessidade ou além do necessário, com 19,2%; e
• Gastos imprevistos, com 15,8%
Expectativa é de aumento de consumo
Apesar do aumento da inadimplência, o índice de endividamento em Fortaleza, de 74,8%, é 1,1 ponto percentual abaixo do registrado no bimestre anterior (75,9%).
Segundo o superintendente de Ações Integradas do Sistema Fecomércio Ceará, Henrique Gonzaga, esse é o menor índice deste ano. "Com os índices melhorando, a nossa expectativa é de melhora no comércio. Menor endividamento é igual a maior consumo."
Analisando o comportamento do consumidor da capital, ele afirma que mesmo não ocorrendo com rapidez, há uma queda gradativa do endividamento que, aliada ao pagamento do 13º salário, que ocorrem no próximo bimestre, fazem com que o setor fique otimista para esta reta final de ano.