Em julho deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL), por meio de decreto, definiu em 25% do salário mínimo (R$ 303) o patamar mínimo da renda dos clientes que deve ser preservada na hora de negociar dívidas, conforme previsto na Lei federal nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento.
É o chamado mínimo existencial que vai permitir que as pessoas possam negociar seus débitos em atraso sem comprometer as necessidades fundamentais, como alimentação, saúde, higiene e moradia do devedor e de todos que dele dependam.
O percentual, porém, está sendo alvo de críticas dos especialistas. Para Gilberto Barbosa, economista da empresa V8 Capital, esse montante pode restringir a oferta de crédito. Assim, muitos indivíduos possuem mais dificuldades para conseguir empréstimos. "Credores podem vir a ser mais criteriosos na concessão de dívidas, pois o mínimo impõe um teto às parcelas que poderão ser cobradas do devedor", explica.
Já Silvana Parente, presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon), decepcionou-se com o novo decreto. "Quando se tem o mínimo existencial com esses valores, o governo está dizendo que uma pessoa pode sobreviver com esse dinheiro. O resto ela pode pagar tudo que tem aos bancos. É como se estivesse totalmente contra o princípio da lei."
Em uma cidade como Fortaleza, na qual o total da cesta básica é equivalente a R$ 620,87, pouco mais da metade do salário mínimo atual (55,93%), segundo a pesquisa realizada pelo Dieese, a imposição do mínimo existencial em R$ 303, para Silvana Parente, é irrisório.
"Se você considerar a rigor, o mínimo existencial era pra pagar comida, aluguel, remédio e outras necessidades básicas da pessoa digna, e sabemos que não dá. Nem o salário mínimo dá, quanto mais o Auxílio Brasil e esse dinheiro determinado no mínimo existencial. Então realmente ficou algo inconsistente", defende.
Ainda conforme o levantamento do Dieese, o salário mínimo necessário, calculado com base no custo mensal das necessidades básicas do trabalhador e de sua família, composta por dois adultos e duas crianças, e cujo valor é único para todo o País, deveria ser R$ 6.306,97.
Dessa forma, a Lei do Superendividamento não consegue alcançar grande parte da população, visto que o montante estipulado para o mínimo existencial não cobre nem as despesas básicas de alimentação - fora os outros direitos acordados para uma vida digna.
"Não vai resolver o problema das pessoas porque se elas entrarem com o instrumento legal, que é da lei, elas vão ter que pagar tudo que elas ganham até sobrar R$ 303. Então, para poder pagar seus débitos, tem-se que abrir mão de uma quantia muito alta e ficar com pouco. Elas teriam direito de ter uma vida digna pela lei, mas, na prática, não. Então grande parte dos brasileiros não pode se beneficiar da lei", diz Silvana.