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Ceará na rota da mineração: quantidade de projetos salta 260% em um ano
Economia

Ceará na rota da mineração: quantidade de projetos salta 260% em um ano

| SETOR | Em 21 anos, a área de mineração do Ceará avançou 55 vezes, chegando a 4,1 milhões de hectares. Atualmente, cerca de 30% do território cearense tem área de exploração ou interessa o setor, aponta estudo do Movimento pela Soberania Popular na Mineração. Entenda as perspectivas e riscos envolvidos na atividade e como os envolvidos tratam os projetos
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SANTAQUITERIA, CE, BRASIL, 12-05.2022: Assentamentos de Queimados. Jazida de uranio e fosfato na regiaão de Santa Quiteria. em epoca de COVID-19. (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO) (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves SANTAQUITERIA, CE, BRASIL, 12-05.2022: Assentamentos de Queimados. Jazida de uranio e fosfato na regiaão de Santa Quiteria. em epoca de COVID-19. (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO)

A quantidade de projetos para atividades de mineração em solo cearense deu salto de 260% entre 2020 e 2021. As iniciativas envolvem desde a areia e o granito, até ouro e urânio. Entre jazidas, minas e projetos de estudo, cerca de 30% do território cearense é cobiçado pelo setor.

Estudo desenvolvido pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (Man) questiona a forma como esse avanço ocorre, ponderando os riscos envolvidos na atividade. Pedro D'Andrea, geógrafo da Man e especialista em Conflitos Socioambientais/Territoriais, e espera que o Ceará, que está nos holofotes do setor de mineração, possa desenvolver um modelo de impactos e como definir o que é aceitável.

Pedro defende, inclusive, que as comunidades tenham o direito de “dizer não" sem serem taxadas como trava ao desenvolvimento. Ele levanta o histórico de diversas comunidades prejudicadas por esse setor econômico, que explora recursos naturais, é concentrador da renda proveniente dos negócios e deixa uma herança negativa, elenca.

O termo “estado minerado” foi utilizado por Pedro para definir exemplos de empresas que usam os recursos naturais e a riqueza gerada vai embora. "O que se traduz nessas comunidades onde se instalam esses projetos, na verdade, é que elas se tornam zonas de sacrifício".

Governo cria política para o licenciamento ambiental de mineração
Governo cria política para o licenciamento ambiental de mineração (Foto: )

“Entendemos que a mineração é importante para o desenvolvimento tecnológico e econômico, mas é preciso rever o modelo de exploração e concentração de riquezas, pois entendemos que esse modelo “reprimariza” nossa economia, exportando produtos de pouco valor agregado, enquanto precariza as relações trabalhistas”, pontua.

Em 2021, o setor mineral avançou 62% no faturamento em relação a 2020, totalizando US$ 339,1 bilhões, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM). No mesmo período, as exportações subiram 58,6%, alcançando US$ 48,9, respondendo por 80% do saldo da balança comercial brasileira.

Esse mercado vislumbra uma nova fronteira produtiva e o Ceará aparece bem. Desde o ano 2000, a área de mineração do Ceará avançou 55 vezes, chegando a 4,1 milhões de hectares.

O presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores e Granitos do Estado do Ceará (Simagran-CE), Carlos Rubens Alencar, destaca que “tudo que gera conforto e que todos adoram”, precisa de minerais, desde os smartphones, até os sapatos da moda. E que os regulamentos do setor têm um alto nível de exigência, o que impede que “qualquer um” explore minerais no Brasil.

Ele avalia também que o marco regulatório sobre o setor de mineração é muito pesado, o que torna os processos lentos, às vezes demorando décadas.

Mas, segundo ele, após anos de pesquisas e processos em andamento nos reguladores e licenciamento ambiental, nos próximos anos veremos maior diversidade de projetos no Ceará no setor de mineração.

Ao fim de 2021, um total de 6.369 processos minerais estavam em andamento no Ceará. Destes, 5.229 estão nas etapas de requerimento e autorização de pesquisa, requerimento de lavra e licenciamento. Ou seja, 82% estão em etapas distintas dos procedimentos administrativos. O que significa um cenário de aumento acelerado e significativo de aumento da atividade minerária nos próximos anos.

"Os processos são lentos, mas o setor vem se desenvolvendo, as empresas crescendo, principalmente nas exportações. Em 2022, vamos fechar o ano com US$ 42 milhões em exportações, enquanto em 2014 foram US$ 15 milhões", destaca ele, ponderando que o valor poderia ser ainda maior não fossem a grande especificidade de alguns regramentos que só existem no Brasil, mesmo considerando os países desenvolvidos.

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SANTAQUITERIA, CE, BRASIL, 12-05.2022: Entrada da Cidade de Santa Quiteria, com placa de KM. Jazida de uranio e fosfato na regiaão de Santa Quiteria. em epoca de COVID-19. (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO)
SANTAQUITERIA, CE, BRASIL, 12-05.2022: Entrada da Cidade de Santa Quiteria, com placa de KM. Jazida de uranio e fosfato na regiaão de Santa Quiteria. em epoca de COVID-19. (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO)

Jazida de Itataia promete salto no PIB, mas recebe críticas de ambientalistas

Com investimento de R$ 2,3 bilhões, o Projeto Santa Quitéria quer explorar urânio e fosfato no Ceará é um dos mais visados dos últimos anos. A previsão de produção anual chega a 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio e mais de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados e 220 mil toneladas de fosfato bicálcio.

Os fosfatados devem atender a agropecuária, enquanto o concentrado de urânio, destinado ao enriquecimento no Exterior para fabricação de combustível, vai ser usado nas usinas nucleares brasileiras de Angra 1 e 2.

O projeto é tocado pelo consórcio formado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes. O processo está na fase final de análise no Ibama, enquanto segue em processo de licenciamento nuclear sob análise da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem) desde maio.

Apesar de projetar 8 mil empregos diretos e indiretos durante as obras e cerca de 2,8 mil na operação, o projeto recebeu pareceres negativos da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e pesquisadores da área. O MAN pondera que, no Ceará, ainda temos a preponderância de mineração de pequeno e médio porte, que explora areia, calcário, granito e saibro. Mas há uma alteração no perfil produtivo. E é aí que entra o projeto Santa Quitéria. Pedro comenta que esse é o único projeto, em 26 anos, que se propõe a produzir mais de 1 milhão de toneladas.

O único projeto que pode ser comparável ocorreu em Quiterianópolis, num projeto da empresa Globest em sociedade com duas outras empresas estrangeiras, que se instalaram na Serra do Besouro para exploração de ferro, que recebeu 14 embargos.

Os trabalhos foram paralisados em 2017 com denúncias de assoreamento e poluição do Rio Poty, além de contaminação do solo e plantações dos produtores locais, morte de animais que estavam contaminados com o pó de ferro.

"No quintal das pessoas que moram próximo de onde havia exploração o chão brilha por conta do pó de ferro. Mesmo com a atividade embargada há mais de cinco anos", complementa Pedro D'Andrea, da Man.

Ressalta ainda que o Ceará não possui uma infraestrutura para lidar com projetos dessas envergaduras e os riscos envolvidos. "Falta infraestrutura, inclusive de saúde para tratar o meio ambiente, trabalhadores e moradores que podem ser impactados pelo projeto".

Ele ainda espera que a eleição de Elmano de Freitas (PT) como governador permita que os projetos sejam analisados de forma mais ponderada e inclusiva. Vale lembrar que Elmano foi deputado estadual que manteve postura de ressalvas em relação ao projeto Santa Quitéria.

Ainda diz que a síntese de implantação de projetos de mineração envolve avanços sem transparência e diálogo com a sociedade. "Esse discurso de utilidade pública é discutível, lemos como chantagem."

"Como a mineração do Ceará hoje está num estágio inicial, o governo Elmano pode contribuir fortalecendo os espaços de diálogo com a sociedade civil para que a gente possa a partir do Ceará o País retire dessas experiências para um novo modelo de mineração, mais atenta aos impactos do setor à sociedade."

 

Julio Nery, da IBRAM.
Julio Nery, da IBRAM.

Setor mira em novas práticas para reverter imagem negativa

No período entre 2000 e 2021 o setor de mineração no Ceará saltou de 242 processos minerários para 6.369 em 2021, um crescimento de 2.500% em duas décadas, segundo a ANM. Nos últimos cinco anos, o avanço foi de 70%.

Dados do Anuário Mineral Brasileiro, produzido pela ANM sobre 2021 e que leva em consideração os minerais metálicos, que informam ainda sobre as outorgas de títulos minerários, revelam que em 2020 foram liberadas 34 autorizações de pesquisa, enquanto houve uma concessão de lavra, mas nenhuma permissão de lavra garimpeira no Ceará.

Os dados mostram um mercado local em desenvolvimento. Agora, os entes da mineração correm para se aproximar das comunidades e reverter imagens negativas que pairam no imaginário do público.

Julio Nery, diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), defende que diversos benefícios econômicos são proporcionados para os estados e cidades que sediam projetos de mineração. Mas também avanços sociais são obtidos.

"Toda vez que um depósito mineral é descoberto, é uma riqueza que passa a fazer parte daquele território. A descoberta é análoga à de uma tecnologia inovadora: se desdobra desta riqueza o empreendimento em si, com geração de empregos e capital intelectual que se postergará para além do legado da mineração, desde que seja bem aproveitado e bem planejado o empreendimento e a diversificação econômica local", pontua.

Sobre a relação desses empreendimentos com os órgãos ambientais e comunidades locais, Julio destaca que há uma cobrança forte às empresas de mineração industrial, pelas características de operação e pelos impactos que podem gerar no entorno, mas que trabalham para mitigar tais reflexos.

"A mineração industrial é muito cobrada pela sociedade e pelas autoridades para agir com o melhor nível possível em termos de boas práticas ESG (boas práticas relacionadas ao meio ambiente, responsabilidade social e de governança)", afirma Nery.

O diretor do Ibram acrescenta ainda que a mineração tem estreitado as relações com os órgãos ambientais e também a sociedade assegurando "o máximo de transparência na circulação de informações sobre cada etapa dos projetos minerais, além de prestar contribuições técnicas para os órgãos de controle".

 

Os projetos que podem seinstalar no Ceará

Em termos de grandes projetos: Além de Santa Quitéria, que prevê exploração de urânio e fosfato na mina de Itataia,

Há um empreendimento em avaliação de viabilidade, da South Atlantic Gold, em Tauá, para minerar ouro.

Outro em fase de pesquisa, são jazidas de fosfato na zona costeira de Beberibe.

Na serra de Itaporanga, há interesse em minério de ferro. A população se opõe ao projeto.

Quiterianópolis é uma área em que pode ter o retorno da exploração de minério de ferro.

Mineração de saibro, em Independência. Há um processo em curso de pesquisa, com exploração próxima de comunidades, como Várzea do Toco.

Fonte: Movimento pela Soberania Popular na Mineração (Man)

 

DADOS

Os dados da ANM levantados pelo Ibram foram organizados pelo MAM para a coleção "O problema mineral cearense", que será lançado no início de 2023 e busca debater nos níveis de relações públicas, social e econômico da mineração no Ceará

MERCADO NACIONAL

Os principais mercados de mineração de 2021, em crescimento de produção, foram os estados do Pará ( 46,8%), Minas Gerais ( 44,7%), Goiás ( 1,6%), Bahia ( 1,7%), Mato Grosso ( 1%) e São Paulo (0,9%).

MOMENTO DO SETOR

Relatório da Bloomberg para o Brasil, assinado pelos economistas Felipe Hernández e Adriana Dupita, sobre o desempenho da indústria e do PIB no terceiro trimestre, a mineração subiu 1,6% em setembro em relação ao mês anterior, após cair em agosto, julho e junho. Ainda estava perto de seu nível mais baixo desde 2017. "Menores teores de minério, interrupções técnicas e restrições de abastecimento de água têm sido os principais empecilhos. A produção pode ter algum alívio adicional em outubro, mas deve permanecer baixa", estima.

ESTADO

Segundo dados do Anuário Mineral Brasileiro, produzido pela ANM sobre 2021 e que leva em consideração os minerais metálicos, o Ceará teve exploração de ferro (55,8 toneladas) e manganês (372,6 ton), sendo o 12º estado em produção desses minérios, respondendo por 0,03% da produção nacional.

Grandes empresas com projetos de mineração no Ceará

Dentre os 50 grupos que concentram o maior número de títulos minerários respondem por 35,9% dos quase seis mil títulos do Estado. Os dez maiores concentram 18% do total

- Codelco do Brasil Mineração (253 títulos)
- Terrativa Minerais S.A (144 títulos)
- Nexa Recursos Minerais S.A (138 títulos)

Codelco, Nexa e Terrativa, juntas, somam 915 mil hectares sob seu controle. Traçando um paralelo, essas empresas concentram o mesmo que toda área destinada à Reforma Agrária pelo Incra no Ceará, que beneficia mais de 21 mil famílias.

- Codelco do Brasil Mineração (471,2 mil hectares em projetos no Ceará)
- Nexa Recursos Minerais S.A (227,1 mil hectares)
- Terrativa Minerais S.A (216,9 mil hectares)
Fonte: ANM 2021

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