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Brasil e Argentina debatem criar moeda comum para operações comerciais
Economia

Brasil e Argentina debatem criar moeda comum para operações comerciais

|POLÊMICA| Ideia é vista entre a cautela e o ceticismo por especialistas, que veem dificuldades na proposta por conta das disparidades econômicas entre os países
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LULA confirmou estudar moeda em encontro com presidente argentino (Foto: Reprodução/ @LulaOficial)
Foto: Reprodução/ @LulaOficial LULA confirmou estudar moeda em encontro com presidente argentino

A primeira viagem internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trouxe à tona uma velha discussão sobre a possibilidade de se criar uma moeda comum para o Mercosul (bloco econômico criado em 1991), ou pelo menos, entre Brasil e Argentina.

Com nome sugerido de "sur", a ideia apresentada pelo mandatário brasileiro e pelo presidente argentino, Alberto Fernández, seria utilizá-la apenas em transações comerciais e financeiras, como um modo de diminuir a dependência do dólar nessas operações, ao mesmo tempo em que há dificuldades em trabalhar trocas diretas entre o real e o peso argentino, cotado hoje a apenas R$ 0,02.

O país vizinho atravessa uma grave crise financeira, com inflação registrada em 2022 de 94,8%, ante 5,79% aferida no Brasil. Além disso, há escassez de reservas em dólar na Argentina, cenário inverso ao que acontece no contexto brasileiro. Até por conta dessas disparidades, especialistas ouvidos por O POVO reagiram entre o ceticismo, a crítica e a cautela diante das tratativas entre Lula, Fernández e suas respectivas equipes econômicas.

"O que estamos tentando trabalhar agora é que os nossos ministros da Fazenda, cada um com sua equipe econômica, possam nos fazer uma proposta de comércio exterior e de transação entre dois países que seja feito em uma moeda comum a ser construída com muito debate e muitas reuniões. Isso é o que vai acontecer", declarou o presidente brasileiro à imprensa, em discurso feito na Casa Rosada, sede do poder Executivo da Argentina.

Para a gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Karina Frota, "a ideia inicial de uma moeda comum visa facilitar o comércio entre as duas nações tornando os custos operacionais mais competitivos. Para melhor compreensão, facilitação de comércio é a simplificação das transações comerciais bilaterais ou multilaterais. No caso do "sur", seria inicialmente entre Brasil e Argentina".

As primeiras indicações são as de que a moeda seria virtual e poderia ser estendida aos demais países do Mercosul (Paraguai, Chile e Uruguai), embora ficasse restrita inicialmente às duas nações. Até por conta da grande polêmica gerada o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se apressou em rechaçar a ideia de que seria criada uma moeda única, nos moldes do euro, tal como chegou a ser publicado em postagens nas redes sociais.

"Recebemos dos nossos presidentes uma incumbência de não adotar uma ideia que era do governo anterior, que não foi levada a cabo, da moeda única. O meu antecessor, Paulo Guedes, defendia muito uma moeda única entre Brasil e Argentina. Não é disso que estamos falando", enfatizou o ministro a um grupo de empresários em Buenos Aires.

Segundo Haddad, a ideia se trata de avançar em "instrumentos previstos e que não funcionaram a contento. Nem pagamento em moeda local e nem os CCRs (Convênios de Pagamentos e Créditos Recíprocos) dão hoje uma garantia de que podemos avançar no comércio da maneira como pretendem os presidentes (Lula e Fernández)".

Nesse sentido, o economista Ricardo Eleutério explica que "uma moeda comum para estimular o comércio internacional é bem-vinda, mas não há uma integração econômica no Mercosul como a que evoluiu para criação do euro. Quando a moeda se torna única, o país só tem liberdade para política fiscal, não mais para política monetária ou cambial".

Por sua vez, o professor de macroeconomia e finanças da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), Claudio de Moraes, avalia que "o Brasil não tem espaço na agenda econômica para fazer isso. Acho que é muito mais uma postura do governo brasileiro no intuito de mostrar apoio à Argentina". (Com Agências)

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Como a moeda deve funcionar?

Lula e Fernández assinaram um artigo publicado no último domingo, 22, no jornal argentino Perfil, declarando que irão avançar nos estudos para a criação de uma moeda sul-americana comum para transações comerciais e financeiras, "reduzindo custos operacionais e nossa vulnerabilidade externa", escreveram.

A medida foi formalizada ontem, pelo presidente Lula, em memorando de entendimento com o governo argentino. O documento traz a criação de um grupo de trabalho para viabilizar nos próximos anos a implementação da moeda comum, visando fortalecer as exportações brasileiras ao país vizinho. Este grupo de trabalho deve direcionar questões sobre o eventual funcionamento da moeda comum.

No mesmo projeto, haverá estudos para o lançamento de linhas de crédito de bancos privados e públicos para que importadores argentinos comprem produtos brasileiros.

Os países, inclusive, devem abandonar o nome "moeda comum" e se referir ao projeto como unidade de conta sul-americana, para diminuir ruídos.

O real irá acabar se a moeda comum sul-americana for criada? E o peso argentino?

Uma eventual moeda comum, nos moldes em que tem sido discutida, não acabaria com o real nem com o peso. Diferentemente do euro, que é a moeda em circulação em vários países da União Europeia, esta moeda comum seria formatada para o propósito específico de ser usada em transações comerciais e financeiras entre os países, para que haja uma menor dependência do dólar.

Qual o objetivo da criação de uma moeda comum sul-americana?

A Argentina é um importante parceiro comercial do Brasil, mas as trocas comerciais entre os países regrediram, sobretudo diante da crise econômica no país vizinho.

O diagnóstico do governo Lula é que o comércio entre o Brasil e a Argentina teve uma "derrocada monstruosa" e essa perda de participação do Brasil foi ocupada pela China. Na avaliação do governo, a China conseguiu aumentar as vendas para os argentinos e ocupar espaço dos exportadores brasileiros.

A criação da moeda comum, portanto, seria uma medida visando elevar as exportações brasileiras para a Argentina.

A ideia de uma moeda comum na América do Sul é nova?

A ideia da adoção de uma moeda comum ou até uma moeda única (são conceitos diferentes) para os países da região já surgiu algumas vezes antes.

No ano passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e seu secretário-executivo, Gabriel Galípolo, escreveram um artigo propondo o uso de uma moeda comum no comércio sul-americano para impulsionar a integração na região e fortalecer a soberania monetária dos países do continente.

A moeda comum seria implantada imediatamente?

A implantação da moeda comum sul-americana não seria para agora, mas sim para daqui a alguns anos. O plano seria começar com Brasil e Argentina e eventualmente estender o mecanismo para os países da região.

No último domingo, o britânico Financial Times publicou reportagem na qual o ministro da Economia da Argentina, Sérgio Massa, fala em estudos sobre uma moeda comum com definição de papéis dos bancos centrais. Massa afirmou ao veículo que serão estudados os parâmetros necessários para uma moeda comum, mas que é o primeiro passo de um longo caminho a trilhar.

Segundo o jornal, o movimento pode eventualmente criar a segunda maior moeda de um bloco econômico do mundo.

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