O número de falências requeridas em janeiro atingiu o maior nível em três anos. Foram 72 pedidos no mês passado, ante 46 em 2022 e 40 em 2021, segundo a Serasa Experian.
Os pedidos de falência geralmente acompanham o de recuperação judicial e refletem as dificuldades financeiras. Normalmente, observa o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, a falência é usada como instrumento de pressão. Uma empresa pede a falência da qual é credora para receber o que lhe é devido.
Mas também há casos nos quais esse instrumento jurídico é usado em ocasiões extremas. O primeiro estágio é a companhia ficar inadimplente, diz o economista. O segundo é quando a companhia pede recuperação judicial.
Isto é, quando consegue a proteção da Justiça para negociar as dívidas e os prazos de pagamentos. O terceiro estágio é quando não há mais alternativas, e a falência é decretada.
Na primeira quinzena deste mês, a Pan Produtos Alimentícios, em recuperação judicial desde 2021, com dívidas de R$ 260 milhões, por exemplo, pediu a autofalência.
A Livraria Cultura, que não conseguiu honrar as dívidas no plano de recuperação judicial, teve a falência decretada no começo de fevereiro. Mas uma liminar reverteu a falência.
Segundo especialistas, o número de falências pode continuar subindo ao longo do ano.
"Podemos ter um novo pico de pedidos de recuperação judicial e de falências neste ano. Esses primeiros meses devem mostrar como será 2023. O endurecimento dos bancos com prazos e taxas pode aumentar esse número", afirma Renato Leopoldo e Silva, líder de contencioso empresarial do escritório DSA Advogados.
Para Aracy Barbara, sócia do VBD, especialista em contratos e recuperação judicial, o fim dos benefícios que foram concedidos pela Justiça e pelas instituições financeiras durante o período da pandemia, como a rolagem das dívida, pode acelerar as recuperações judiciais e, potencialmente, as falências.
A lei, diz ela, tem avançado para diminuir as falências. Porém os processos são longos e o Judiciário, lento. (Agência Estado)
A recuperação judicial das Lojas Americanas envolveu falhas não apenas dentro da empresa. Especialistas em direito empresarial consideram que o rombo, que começou em R$ 20 bilhões e depois subiu para R$ 43 bilhões, poderia ter sido descoberto mais cedo não fossem as falhas nos bancos e na auditoria.
Mestre em direito empresarial e cidadania, o advogado Alcides Wilhelm, com atuação em reestruturação de negócios, fusões e aquisições e Direito Tributário, diz que o elevado endividamento da empresa indica que a provável fraude contábil durou anos.
“Ou houve má-fé, fraude, por trás, ou incompetência geral, por todos os lados”, critica.
Segundo Wilhelm, os problemas contábeis vinham de 5 a 10 anos para chegar no valor atual.
“Os bancos passaram por cima de regras de compliance (cláusulas de responsabilidade), de análise de risco, de governança. As empresas de auditoria passaram por cima de regras de auditoria. Os bancos, que hoje estão extremamente indignados, também foram causadores, ao permitirem os descontos de títulos (das Lojas Americanas) sem a análise adequada”, avalia.
Em relação à auditoria, o advogado estranha como nunca houve desconfiança do alto volume de empréstimos com bancos numa empresa que tinha lucros elevados.
“Quando se audita uma empresa, é necessário verificar se ela continuará existindo. Mesmo que a companhia tenha apresentado números bonitos, caberia à auditoria perguntar por que a Americanas buscava tanto recurso financeiro se apresentava tanto lucro. É uma contradição”. diz.
O advogado Renato Scardoa, que lidera um grupo de médios fornecedores das Lojas Americanas e “O Grupo Americanas tinha uma dívida alta, mas aparentemente pagável. Estava num fluxo de pagamento aparentemente equilibrado”, ressalta. Mesmo assim, aponta falhas dos bancos e da auditoria e até dos órgãos públicos de fiscalização.
“A gente tem uma participação das instituições financeiras, que não fizeram a análise de risco como deveriam ter feito. Teve uma falha nas empresas de auditoria, certamente. Teve uma falha nos órgãos de controle e de fiscalização. Teve uma falha no conselho fiscal (da empresa), que não conseguiu enxergar isso. E a gente teve atos fraudulentos na contabilidade”, destaca.
Considerada um caso atípico de recuperação judicial por envolver suspeitas de fraude em vez de uma crise comum, a situação atual das Lojas Americanas, segundo os especialistas, não se gerou da noite para o dia.
A relação da empresa com as instituições financeiras, apontam os especialistas, merece ser investigada com o mesmo destaque que os procedimentos internos do Grupo Americanas.
Embora ainda não seja possível apontar de onde partiram as ordens para as irregularidades contábeis, Wilhelm disse que as informações divulgadas até agora permitem traçar um fluxo de como o rombo se originou e cresceu com o tempo.
Segundo ele, a triangulação entre a empresa, os bancos e os fornecedores que recebiam com atraso é um elemento central das dificuldades financeiras das Lojas Americanas.
Na versão de Wilhelm, tudo começa com o estilo de administração das Lojas Americanas e de outras empresas que estiveram sob o controle do trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Com gestões marcadas pela redução agressiva de custos, as empresas costumam esticar o pagamento a fornecedores, pagando em média com 6 meses de atraso. Em alguns casos, os atrasos se estendiam por até 2 anos.
Com um comitê interno para renegociar as dívidas com fornecedores, as Americanas faziam empréstimos com bancos, num tipo de operação conhecida como risco sacado, onde a empresa repassa o título vencido (uma espécie de promissória) aos fornecedores, que vão aos bancos e usam o documento como lastro para sacar o dinheiro, disse o especialista.
Os fornecedores conseguiam o dinheiro original, que era registrado como dívida com fornecedores no balanço das Americanas.
No entanto, aponta Wilhelm, a partir daí ocorreram dois problemas. Primeiramente, os débitos deveriam ter sido trocados para dívida financeira no balanço após o fornecedor sacar o valor no banco. Além disso, os juros desses títulos vencidos deixaram de ser contabilizados por anos, sendo essa a provável origem da dívida bilionária.
“Essa questão não está totalmente esclarecida, mas a conclusão a que chego é que o fornecedor X vendeu R$ 1 mil para as Americanas. Como a empresa não tinha recursos, ela fazia esse desconto, mas colocava na planilha um título vencido de R$ 1,1 mil, para que o fornecedor pudesse receber os R$ 1 mil da venda. Então, esses juros para cima cuja responsabilidade a Americanas acabou assumindo pode ter gerado esse buraco que não foi contabilizado”, explica Wilhelm.
Outra crítica apontada pelo advogado diz respeito a que as Lojas Americanas repassavam aos bancos a lista de títulos vencidos por meio de uma planilha de Excel, sem que as instituições financeiras se preocupassem com a veracidade dos números.
“Qual empresa consegue mandar aos bancos uma planilha Excel, sem segurança nenhuma de que aqueles números batem com as notas fiscais emitidas, com os vencimentos dos títulos?”, questiona. “As instituições financeiras, como sabiam que havia um grupo de bilionários por trás, emprestaram o dinheiro sem o devido cuidado. O mesmo vale para as auditorias”, critica. (Agência Brasil)