O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), conversou com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre os problemas de fornecimento de energia elétrica no Ceará. A reunião, que ocorreu em Brasília ontem, 10, tratou de situações relacionadas às interrupções no serviço no Estado que têm prejudicado os cearenses.
O ministro já havia entrado com um processo disciplinar na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) contra a distribuidora Enel em São Paulo devido a problemas similares, fazendo duras críticas à atuação da empresa no estado paulista. Neste sentido, o governador Elmano volta às atenções para a problemática que ocorre não só em São Paulo, mas também no Ceará.
“Quero dizer ao povo cearense que estou acompanhando a situação, conversando com o Ministério e relatando os problemas para que possam ser resolvidos. Posso dizer com tranquilidade ao povo do Ceará que medidas serão adotadas”, informou Freitas, que afirmou ter recebido muitas reclamações dos serviços prestados pela Enel Distribuição Ceará.
“Na próxima terça-feira, 16, serão discutidas medidas que o Governo Federal adotará para o país e queremos que as questões que melhorem a vida dos cearenses estejam entre as medidas citadas. Não podemos pedir nada a menos que muito compromisso da empresa que serve o povo cearense”, acrescentou.
O consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço, comentou que a problemática da Enel Distribuição Ceará é relacionada a questões de gestão, na sua visão. “Não é um problema econômico, não é um problema de escassez de energia, é um problema de gestão”.
No entanto, Picanço vê com bons olhos as mudanças de gestão na presidência da empresa a nível nacional e estadual. “Isso eu não acredito que seja só uma mudança de nomes. Mas eu acho que é um propósito de fazer realmente uma mudança na gestão”, disse em entrevista no evento Intersolar Summit Brasil Nordeste, em Fortaleza, ontem.
Algo visto com normalidade pelo especialista, que afirmou já ter presenciado outras empresas com essas dificuldades anteriormente. “Aconteceu com a Coelce (Companhia Energética do Ceará) no passado, ela já privatizada, e foi um exemplo de que é possível transformar em alguns anos uma empresa.”
O presidente do conselho da Associação Brasileira de Armazenamento de Energia (Absae) e diretor da Newcharge Energy, Markus Vlasits, não descartou que questões relacionadas a eventos climáticos extremos também afetam a rede elétrica, mas que isso não é justificativa para que as pessoas fiquem sem energia durante dias.
“Isso não é aceitável, simples assim, e mostra um descaso na verdade por parte da distribuidora. (Enel) Não se preparou devidamente, mas deveria e precisa fazer investimentos, seja na infraestrutura dela ou em equipes de manutenção para que isso não se repita”, esclareceu o especialista.
Além disso, o gestor da Absae enxerga o cenário difícil como uma oportunidade para os consumidores investirem em geração própria ou no armazenamento de energia, como a aquisição de geradores, a fim de alcançar autonomia e não depender de empresas como a Enel.
“A boa notícia é que o preço de painéis de baterias de todos os componentes está caindo e mão de obra qualificada tem. Se a gente não gostaria de depender das empresas, cada um tem que se prevenir, com certeza”, explicou Markus Vlasits.
Em relação ao futuro do setor energético, as fontes renováveis têm ganhado cada vez mais destaque, como a energia eólica, solar e, até mesmo, o hidrogênio verde (H2V), especialmente no Ceará.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), Luis Carlos Queiroz, disse que é importante fomentar, cada vez mais, políticas e estabelecer estratégias para alcançar a transição energética efetivamente.
A Medida Provisória (MP) das Energias Renováveis é um exemplo positivo disso, mas não suficiente, para Queiroz. A proposta pretende destravar R$ 165 bilhões em investimentos em energias renováveis e baratear as contas de luz em até 5%.
Outro ponto é a necessidade de se criar associações de empresas voltadas ao H2V para resolver problemas relacionados especificamente ao desenvolvimento do setor, que tem o Ceará como um dos principais polos via Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), segundo o especialista do Sindienergia.
Ceará ultrapassa 78 mil conexões em geração própria
O Ceará ultrapassou 78 mil conexões de geração própria de energia solar em telhados e pequenos terrenos. Os dados mapeados pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) mostram que o Estado possui 885,8 megawatts (MW) em operação em residências, comércios, indústrias, propriedades rurais e prédios públicos.
O Estado atraiu, ainda, cerca de R$ 4,4 bilhões em investimentos com a geração própria ou distribuída de energia solar desde 2012.O que propiciou a geração de 26,5 mil empregos e a arrecadação de R$ 1,1 bilhão aos cofres públicos.
De acordo com o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, o Estado possui um potencial "imenso ainda a ser aproveitado" nas energias renováveis, em especial a energia solar. "Tem um recurso solar excepcional, muito acima da média mundial e muito acima da média do Brasil", disse ontem no evento Intersolar Summit Brasil Nordeste.
"O Ceará tem também áreas disponíveis para a adoção dessa tecnologia a preços competitivos. Tem um porto e uma vontade política do governo estadual de construção de um hub de hidrogênio verde, que pode ser um grande potencial de desenvolvimento para o Estado", acrescentou.
Apesar deste cenário promissor na visão de Sauaia, a participação da energia solar ainda é muito pequena na matriz elétrica. "São por volta de 100 mil consumidores que já geram a própria energia versus um universo de mais ou menos 4 milhões de unidades consumidoras no estado do Ceará, que poderiam instalar ou fazer uso da energia solar".
Algo que poderia ser melhorado com isenções tributárias, como já ocorre em estados do Sudeste. "Hoje, o Ceará está em desvantagem competitiva em relação a Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, que têm uma carga tributária menor para a energia renovável e energia solar, especificamente, na geração distribuída."
Ranking da geração distribuída em 2024 (Em potência instalada - MW)
> São Paulo
- 3.800,7
> Minas Gerais - 3.625,5
> Rio Grande do Sul - 2.681,4
> Paraná
- 2.591,2
> Mato Grosso - 1.661,1
> Santa Catarina - 1.639,6
> Goiás
- 1.189,3
> Bahia
- 1.180,0
> Rio de Janeiro - 1.082,4
> Mato Grosso do Sul - 1.057,3
> Ceará
- 885,8
> Pará
- 870,2
> Pernambuco
- 830,4
> Espírito Santo
- 599,6
> Rio Grande do Norte - 597,4
> Maranhão
- 576,7
> Piauí
- 493,2
> Distrito Federal - 379,7
> Paraíba
- 365,0
> Tocantins
- 355,2
> Alagoas
- 303,5
> Rondônia
- 292,6
> Sergipe
- 166,4
> Amazonas
- 165,5
> Acre
- 73,5
> Amapá
- 58,7
> Roraima
- 39,4
Fonte: Absolar/Aneel
CPI
No próximo dia 24 de abril está prevista a realização de uma oitiva com a direção da Enel na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tramita na Assembleia Legislativa
do Ceará
Geração distribuída no Brasil (em MW)
São Paulo
3.800,7
Minas Gerais
3.625,5
Rio Grande do Sul
2.681,4
Paraná
2.591,2
Mato Grosso
1.661,1
Santa Catarina
1.639,6
Goiás
1.189,3
Bahia
1.180,0
Rio de Janeiro
1.082,4
Mato Grosso do Sul
1.057,3
Ceará
885,8
Pará
870,2
Pernambuco
830,4
Espírito Santo
599,6
Rio Grande do Norte
597,4
Maranhão
576,7
Piauí
493,2
Distrito Federal
379,7
Paraíba
365,0
Tocantins
355,2
Alagoas
303,5
Rondônia
292,6
Sergipe
166,4
Amazonas
165,5
Acre
73,5
Amapá
58,7
Roraima
39,4
Fonte: Absolar/Aneel
Enel reforça investimento em melhorias da rede
Em resposta ao O POVO, a Enel Distribuição Ceará informa que segue trabalhando na melhoria da qualidade do fornecimento e na modernização do sistema elétrico do Estado. Em seis anos, a empresa reporta investimentos de R$ 6,7 bilhões, principalmente em expansão da rede, conexão de novos clientes, novas tecnologias, adequação da infraestrutura e construção de novas subestações.
Do montante, R$ 1,6 bilhão foi aplicado em 2023. Em nota, a empresa reforça que este foi o maior investimento da série histórica da distribuidora. "A mudança de gestão, como anunciado pela companhia na semana passada, reforça ainda mais o compromisso com o Ceará", ressalta o comunicado.
A companhia destaca também que o plano estratégico prevê "investimentos substanciais para os próximos anos e tem o objetivo de melhorar a resiliência do sistema elétrico, perante às agressividades climáticas".
Dentre as ações previstas para este ano, está a construção de uma nova subestação no Vale do Jaguaribe, no valor de R$ 40 milhões. A medida deve beneficiar os municípios de Iracema, Ererê, Alto Santo, Potiretama e Pereiro. Além da ampliação das subestações de Crato, Praia Bela e Pacatuba. "A Enel reitera também seu compromisso com a sociedade em todas as áreas que atua, reforçando que está aberta ao diálogo para os esclarecimentos necessários, afim de estar cada vez mais próxima do consumidor cearense."