Sem terminal de regaseificação móvel no Ceará para abastecer o Estado de gás por uma decisão do governo estadual, petroleiros e especialistas falam em limitação da expansão industrial cearense.
O alerta veio devido à dependência do gás natural liquefeito (GNL) de fontes de fora e a um incidente no gasoduto da TAG.
O Governo do Estado comunica ao O POVO que a Companhia do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp SA) vai abrir "em breve" processo para atração de um novo operador para o terminal de regás no Pecém.
"É para permitir o uso do gás natural para a transição energética, substituindo carvão e óleo combustível nos usos térmicos e não térmicos."
Relatos dos dirigentes do Sindicato dos Petroleiros do Ceará e Piauí (Sindipetro/CE-PI) são de que a Termoceará ficou sem gás e tem usado diesel para produzir energia para o País.
Segundo Douglas Uchôa, diretor sindical no Sindipetro/CE-PI, o diesel é o dobro do preço do gás, e isso impacta ainda mais na tarifação (bandeira) da conta de luz.
A usina é da Petrobras, fica no Cipp e tem potência de 220 megawatts (MW), equivalente a mais de 900 mil casas, ou 23,5% do Estado, que tem 3.824.577 domicílios, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No Ceará, que demanda 500 mil m³ de gás por dia, o que aconteceu é que o navio Energos Winter, terminal de regaseificação da Petrobras, operava no píer 2 do Pecém e foi para Santa Catarina em dezembro de 2023.
Em janeiro deste ano, após manifestação contrária do Sindipetro/CE-PI, o então presidente da estatal, Jean Paul Prates, informou que a decisão de retirar o navio não foi da Petrobras.
Quem decidiu pela mudança foi a Cipp SA. A estratégia cearense é para viabilizar o hub de hidrogênio verde.
O píer 2, inclusive, onde estava o navio, será dedicado exclusivamente para as operações estimadas em 1 tonelada anual de hidrogênio e amônia verdes.
Bruno Iughetti, especialista no mercado de Petróleo e Gás e presidente da Câmara Setorial de Logística do Ceará (CSLOG), diz que a situação logística do GNL no Ceará merece um estudo mais aprofundado quanto aos potenciais riscos de desabastecimento quando fica na dependência de um único fornecedor, no caso, a 3R.
Já Ricardo Pinheiro, consultor em Engenharia de Petróleo e Energias, avalia que a situação do Ceará é "muito crítica" e que toda a indústria cearense não pode ficar "pendurada em um processo da 3R" Petroleum.
"Nós do Ceará estamos abastecidos apenas com o gás proveniente da empresa 3R Petroleum, em Guimarães (RN). Normalmente nós estaríamos interligados nacionalmente no gasoduto da TAG (a TAG era da Transpetro/Petrobras e foi privatizada). Mas a TAG teve uma falha no gasoduto, em um ponto próximo ao Polo industrial de Macaíba (RN)", detalha Uchôa.
Vale acrescentar que além da Termoceará, a Usina Vale do Açu (RN), da Petrobras, também foi prejudicada com a restrição de gás, conforme comunicado da estatal.
Em nota ao O POVO, a TAG confirma o sinistro, mas não que houve uma interrupção: "Sem qualquer interrupção ou falha no serviço de transporte de gás natural que abastece os estados do Ceará e Rio Grande do Norte".
Além de dizer que o atendimento a termelétricas no Ceará e Rio Grande do Norte está limitado não pela empresa, mas em função da saída do terminal de GNL de Pecém.
Apesar de a TAG negar a parada, nota do Governo do Estado diz que um comitê de monitoramento, formado por produtores ligados ao Polo de Guamaré, carregadores e a TAG, juntamente com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Ministério de Minas e Energia (MME) está analisando as melhores alternativas para a normalização do gasoduto.
Ademais, a Companhia de Gás do Ceará (Cegás) assegura que não há risco de desabastecimento, que "tem participado ativamente junto ao comitê e tem mantido a Agência Reguladora do Estado (Arce) atualizada a respeito da questão."
Demanda do Estado por gás chega a 500 mil m³ por dia
Hoje, a demanda não termelétrica do Estado por gás é de cerca de 500 mil metros cúbicos (m³) por dia, segundo cálculos do Sindipetro/CE-PI, para abastecer locais como hospitais, condomínios e indústrias.
Para se ter ideia, o navio ancorado no Pecém tinha a capacidade de regaseificar 14 milhões de m³ de GNL por dia. Hoje não há mais esta opção e o combustível vem do Rio Grande do Norte.
Em nota ao O POVO, a Petrobras se manifestou sobre toda a situação no Ceará. Informou que, no dia 24 de junho, a estatal e os demais usuários do serviço de transporte da TAG foram notificados sobre a ocorrência no sistema de transporte da TAG no Rio Grande do Norte.
"Tal ocorrência limitou a capacidade de atendimento da TAG à UTE Vale do Açu, localizada também no Estado do RN", destaca a empresa.
Acerca do Terminal de Regaseificação de GNL de Pecém, a companhia reitera que, conforme já divulgado anteriormente, a operação terminou em 31 de dezembro de 2023, "como decorrência do encerramento do prazo do Contrato de Operação Portuária, celebrado entre a Petrobras e a Cipp", acrescenta, sem responder ao questionamento se o Governo do Ceará entrou em contato para a volta do navio de regaseificação.
Também procurada pelo O POVO, a 3R Petroleum confirma em comunicado que foi informada pela Transportadora TAG sobre o isolamento e despressurização de um trecho do gasoduto no Rio Grande do Norte, sem responder sobre quanto de demanda do Ceará por GNL aumentou na 3R Petroleum após o sinistro na TAG.
Apesar dos relatos, a TAG nega que houve interrupção. "Para garantir a segurança e o abastecimento do mercado, a TAG mobilizou as equipes técnicas para tratamento da ocorrência e adoção de medidas mitigadoras que, no momento, garantem o pleno atendimento do volume de gás natural contratado. De forma proativa e prudente, a Companhia mantém os seus clientes e as autoridades competentes informados a respeito da situação."
Utilização de diesel para produzir energia vai na contramão
O caminho inverso para o que se pensa de um Ceará está sendo realizado com a utilização de diesel para produzir energia em vez de gás. É o que avalia o consultor em Engenharia de Petróleo e Energias, Ricardo Pinheiro.
Ainda em relação ao cenário cearense, para ele, não há garantia que vai ter volume de gás para o Estado para uma expansão.
“Pode até garantir um volume de gás de manutenção, mas a nossa indústria fica limitada para crescer. O processo da 3R eu conheço com alguma alguma propriedade, porque eu trabalhei muito tempo naquela área ali de produção do Rio Grande do Norte, e a gente sabe que não tem gás para expandir”, diz.
E complementa que a produção de gás, a princípio, cresce e depois vai decaindo, a não ser que apareçam outras outras descobertas.
“E não estão tendo essas novas descobertas. O que está se produzindo de gás no Rio Grande do Norte, que é o processo da 3R que está vindo para cá, é do que já está posto. Esses campos vão entrar em declínio e duram, estourando, talvez uns 15 anos, 20 anos.”
Para ele, o que tornaria segura a operação de gás no Ceará seria o que sairá futuramente do pré-sal, pois seria um combustível que entraria na rede de gasodutos do Sudeste e depois no antigo Nordestão, que tem como fim da linha as terras cearenses.
“Isso sim garantiria para a gente um fornecimento de gás seguro. O outro seria o terminal de regaseificação, que está desativado. Essas duas portas de entrada de gás, elas realmente seriam mais robustas. A produção de campo do Rio Grande do Norte não é suficiente de jeito nenhum para dar robustez. Ela até serve para fornecer como manutenção de consumo, mas se tiver acréscimo de consumo, se precisarmos desenvolver a indústria do Ceará, vamos ter llimitação.”
Segundo Pinheiro, outro ponto é que o Brasil precisa ampliar a transição energética e o uso de combustíveis como óleo diesel em vez do gás natural, que é menos poluente, e está invertendo a lógica. “Totalmente ao contrário do que se espera de uma transição energética diante de uma crise climática”, acrescenta.
Bandeira amarela
A bandeira amarela foi acionada em julho em razão da previsão de chuvas abaixo da média até o fim do ano (em cerca de 50%) e pela expectativa de crescimento da carga e do consumo de energia no mesmo período.
Essa é a primeira alteração na bandeira desde abril de 2022. Ao todo, foram 26 meses com bandeira verde.
Fonte: Aneel
Píer 2
O píer 2 vai abrigar a operação de hidrogênio e amônia verdes do Complexo. A tubulação que percorre as pontes de acesso até o píer, feitas inicialmente com objetivo de operar óleo e combustível para uma refinaria, serão substituídas.
Diesel
Conforme o Sindipetro, a Termoceará tem disponível dois tanques, com reserva total de 4 mil m³ de diesel. Um caminhão que vem para abastecer tem cerca de 60 m³. Como estão em operação diária, a entidade frisa que são cerca de 20 caminhões por dia se for utilizada a plena carga do diesel.