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BNB quer aprofundar estudos em energias renováveis, diz economista-chefe
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BNB quer aprofundar estudos em energias renováveis, diz economista-chefe

| ENTREVISTA | Economista-chefe do BNB, Rogério Sobreira comenta sobre o cenário sustentável e outras áreas em entrevista exclusiva ao O POVO
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ECONOMISTA-CHEFE do BNB, Rogério Sobreira, foi nomeado em agosto deste ano (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS ECONOMISTA-CHEFE do BNB, Rogério Sobreira, foi nomeado em agosto deste ano

O Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene) do Banco do Nordeste (BNB) deve aprofundar suas análises em energias renováveis, incluindo áreas voltadas ao hidrogênio verde (H2V), solar e eólica, de acordo com o economista-chefe da instituição, Rogério Sobreira.

A ideia é que o braço de inteligência do BNB volte-se ao aprofundamento dos temas relacionados à sustentabilidade, já que é uma “demanda fundamental”, segundo Rogério. “O banco precisa conhecer melhor esses segmentos, seus problemas, possibilidades e riscos.”

Confira abaixo os principais pontos abordados pelo especialista em entrevista ao O POVO e ao programa Guia Econômico da rádio O POVO CBN.

O POVO: Falando um pouco sobre a área de pesquisa do banco com o Etene, como vocês pretendem fortalecer esse segmento? Quais áreas dentro da pesquisa devem ser priorizadas e qual é a importância dessas áreas?

Rogério Sobreira: O Etene é absolutamente fundamental para o banco, pois fornece inteligência. O que o Etene precisa adicionar em relação ao que já faz é discutir e estudar ainda mais profundamente os segmentos e atividades relacionadas à sustentabilidade.

Essa é uma demanda fundamental, porque o banco precisa conhecer melhor esses segmentos, seus problemas, possibilidades e riscos.

Além disso, o Etene tem uma quantidade vastíssima de informação, e hoje não faz sentido ter essa quantidade de dados sem empacotá-los e endereçá-los adequadamente, por exemplo, utilizando ferramentas de Inteligência Artificial e outras tecnologias que permitem isso.

São informações proprietárias do banco. O objetivo é que essas informações estejam ao alcance de um clique, facilitando a tomada de decisão do banco. Esse é um caminho que o banco precisa seguir, aproveitando as novas tecnologias disponíveis.

OP: Quais áreas o banco pretende direcionar esses estudos, especialmente em setores que ainda não são o foco principal?

Rogério: Uma área que certamente o banco precisa e quer entender melhor é a energia renovável. Por exemplo, o desenvolvimento do hidrogênio verde é um tópico importante, mas não é o único.

A própria energia eólica e solar também são áreas em que, embora já tenhamos conhecimento, é preciso avançar mais e o banco quer isso.

OP: Qual é a sua avaliação sobre as novas economias que estão surgindo, como o hidrogênio verde? Qual é o papel do BNB nesse contexto?

Rogério: Em primeiro lugar, eu acredito que essas tecnologias, como o hidrogênio verde, são fundamentais.

Estamos falando de tecnologias que conversam com o que deve ser o futuro. Tudo o que envolve sustentabilidade na verdade.

Essa matriz econômica atual precisa mudar, é absolutamente impossível não fazer essa mudança, e essas tecnologias são bem-vindas.

Um banco como o BNB, na condição de banco de desenvolvimento, tem a capacidade de atuar, porque, nessa primeira fase dos investimentos, se você não tem um banco de desenvolvimento ofertando recursos a custos menores, muitos desses investimentos não sairiam do papel.

OP: Sobre as estratégias de financiamento do banco, como vocês têm atuado na área de energia? A gente vê que os custos de energia têm aumentado. Como o banco tem pensado em termos de distribuição, mercado de geração e transição energética?

Rogério: Primeira observação é que, como eu estou chegando agora, ainda não tenho todos os detalhes mais específicos, mas estou me inteirando. No entanto, é fato que o banco está comprometido com a área de energia.

Estamos empenhados em apoiar investimentos voltados para a transição da matriz energética, incluindo investimentos em energia limpa, como hidrogênio verde e outras fontes. Isso, sim, é um dos programas do Banco relacionados à área de energia.

OP: Considerando que o senhor chegou há pouco tempo no Banco do Nordeste. Quais são as perspectivas que o senhor tem para essa nova fase junto à gestão do banco? E quais desafios enxerga?

Rogério: Primeiramente, ao longo da minha trajetória profissional, sempre estive preocupado com a questão do desenvolvimento, especialmente com o financiamento do desenvolvimento.

Quando se pensa, ainda que academicamente, no financiamento do desenvolvimento e no papel dos bancos de desenvolvimento, é claro que esses bancos têm um papel central, tanto no Brasil quanto no mundo.

Especialista concedeu entrevista ao O POVO e ao programa Guia Econômico da rádio O POVO CBN. (Foto: Fernanda Barros / O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Especialista concedeu entrevista ao O POVO e ao programa Guia Econômico da rádio O POVO CBN. (Foto: Fernanda Barros / O Povo)

Isso se deve ao fato de que certas tecnologias são muito inovadoras, e muitas vezes, ainda não têm resultados comprovados.

Isso faz com que os bancos convencionais hesitem em financiar essas tecnologias devido ao alto custo do crédito tradicional e ao maior nível de incerteza.

O papel de um banco de desenvolvimento é, portanto, fundamental. Ter a oportunidade de me juntar ao time do Banco do Nordeste é, para mim, um presente.

OP: O senhor já trabalhou com microcrédito antes?

Rogério: Não, formalmente não, estudei bastante sobre microcrédito, especialmente no contexto teórico e em casos como o do programa Crediamigo.

Este programa é frequentemente citado como um dos exemplos mais bem-sucedidos de microcrédito na América Latina.

No passado, tive a oportunidade de debater sobre o Crediamigo em congresso, e também explorei o tema em outras pesquisas.

Um caso oposto é o do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), que tentou implementar um programa de microcrédito, mas enfrentou sérios problemas devido a fraudes e alta inadimplência.

O sucesso do Crediamigo é um exemplo mundialmente estudado de como enfrentar esses desafios.

OP: Por conta do crédito orientado como diferencial?

Rogério: Não sei se é só um diferencial, mas a forma como ele endereçou uma questão que está muito associada ao microcrédito, porque estamos falando de um tomador que não tem garantia, a informação é frágil.

Ainda que os tickets da operação sejam baixos, mas também por força dessa baixa informação e da ausência de garantia na operação, isso acaba sendo um incentivo à fraude.

E como o Banco do Nordeste endereçou esse tipo de problema realmente é um caso muito interessante, em nível mundial.

O Crediamigo é estudado fora do Brasil como exemplo de microcrédito bem-sucedido.

Em contraste, houve tentativas internacionais que falharam, como a tentativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de replicar o modelo Crediamigo em outros países, como o Peru, que resultaram em fracassos críticos.

OP: O que é preciso ainda para se ampliar o acesso ao microcrédito, em políticas como Crediamigo e Agroamigo?

Rogério: O microcrédito é fundamental na economia, porque estamos falando de pessoas, geralmente microempresas e microempreendedores individuais, que, via de regra, não têm acesso a crédito pelo sistema financeiro convencional.

Isso indica o papel social do BNB como um banco de desenvolvimento extremamente importante.

O desafio é ampliar o número de pessoas que possam ter acesso ao microcrédito. Estamos falando aqui não só da ampliação em termos geográficos, de chegar à última milha, que certamente tem pessoas que necessitam desses recursos.

Aos olhos do dito mercado parecem recursos muito pequenos, mas para essas pessoas e microempresas são recursos fundamentais. É o que faz a diferença entre a microempresa viver ou morrer.

Mas também em termos de cadastro, porque claro microcrédito existem questões relacionadas à fraude, que é muito comum não só no microcrédito, mas no crédito em geral.

Então o banco tem que estar bem posicionado para expandir o microcrédito, mas ao mesmo tempo evitar um crescimento de inadimplência, por exemplo, por força de uma eventual expansão de fraude, falta de informação, o que pode fazer com que microempresas não tenham acesso a esse recurso tão importante.

OP: A gente tem visto preocupações em torno de uma possível recessão nos Estados Unidos. Eu queria entender melhor quais os impactos disso para a economia brasileira, especialmente para o Nordeste e Ceará? E se o banco poderia ter suas operações de alguma forma influenciadas por esse cenário?

Rogério: Eu acho que o cenário de recessão nos Estados Unidos tem se tornado cada vez menos provável.

A forma como vemos é que os Estados Unidos estão experimentando uma situação de “soft landing”, ou pouso suave na economia.

Apesar da alta taxa de juros, a economia americana ainda exibe um nível de força muito forte, mas está desacelerando. Os indicadores mais recentes que acompanhamos não sinalizam uma recessão iminente.

Há um indicador fora da expectativa que gerou certo susto no mercado, mas o que observamos é uma desaceleração da economia, seguida pelos cortes na taxa de juros, a começar agora em setembro e indo até junho pelo menos.

"O banco precisa conhecer melhor esses segmentos, seus problemas, possibilidades e riscos", segundo Rogério Sobreira. (Foto: Fernanda Barros / O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS "O banco precisa conhecer melhor esses segmentos, seus problemas, possibilidades e riscos", segundo Rogério Sobreira. (Foto: Fernanda Barros / O Povo)

O mercado, por exemplo, trabalha com um total de corte que varia de 1,75 a dois pontos percentuais da taxa. Se for o caso de um corte de dois pontos, a taxa de juros cairia para algo em torno de 3,25% a 3,50%.

Isso seria uma queda bastante significativa, ainda que alta para os padrões americanos, que historicamente operam com uma taxa de juros em torno de 2%.

Se o mercado estiver correto, seria uma redução bastante significativa em um período relativamente curto.

Isso é bom para o Brasil porque, com a economia americana desacelerando mas não entrando em recessão, o mundo, por consequência, não entra em recessão.

Assim, o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos fica mais favorável para o Brasil. Isso é um fator que pode contribuir contra a ideia de aumentar as taxas de juros no Brasil.

Portanto, mesmo que possamos experimentar alguma desaceleração no terceiro e quarto trimestres, mas, com o mundo não entrando em recessão global, o quadro para o Brasil é bastante auspicioso.

Considerando que há alguns meses havia uma expectativa de recessão nos Estados Unidos que impactaria negativamente o Brasil, o atual cenário é muito mais positivo.

Para o Nordeste, isso também é extremamente positivo, porque não apenas mantém o nível de demanda agregada, mas também evita que haja um aumento nas taxas de juros.

Análises em energias renováveis incluem áreas voltadas ao hidrogênio verde, solar e eólica. (Foto: Fernanda Barros / O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Análises em energias renováveis incluem áreas voltadas ao hidrogênio verde, solar e eólica. (Foto: Fernanda Barros / O Povo)

A manutenção ou eventual redução das taxas de juros tem um impacto fiscal que não é tão significativo, permitindo ao governo manter algum impulso fiscal seja na forma de gastos no geral ou na forma de políticas compensatórias, que têm impacto significativo em todos os estados da Região.

O cenário para este ano e especialmente para 2025 é mais favorável do que o esperado anteriormente. A situação é de acomodação, mas com uma intensidade menor do que se pensava.

É importante observar, porém, que qualquer evento adverso, como uma nova guerra ou uma pandemia, poderia alterar esse quadro.

No entanto, em termos médios, o que se espera é a manutenção desse estado de coisas com uma intensidade um pouco menor, o que é muito bom para o Brasil e para a região.

Lembrando que o Nordeste, dentro da nova política industrial e na busca por sustentabilidade, tem uma posição privilegiada devido a fatores como insolação e vento.

Assim, o quadro para a região é bastante auspicioso, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista.

*Em colaboração com Irna Cavalcante e Beatriz Cavalcante

Guia Econômico com Rogério Sobreira, do BNB:

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