Após ganhar força nos últimos dias, as discussões sobre a proposta de emenda à constituição (PEC) de mudança na jornada de trabalho 6x1 – seis dias de trabalho e um de folga – têm dividido opiniões no setor produtivo. Enquanto entidades patronais se preocupam com impactos econômicos, representantes dos trabalhadores defendem mais qualidade de vida no trabalho.
Um abaixo-assinado do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que conta com mais de 2,3 milhões de assinaturas, analisa que a carga de trabalho na escala 6x1 ultrapassa limites razoáveis, sendo uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores, além de comprometer a saúde, o bem-estar e as relações familiares.
Todavia, os setores produtivos temem as mudanças. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) entende que a eventual redução na escala traria retrocessos e acarretaria em um aumento de até 15% nos preços dos cardápios. “Uma proposta estapafúrdia e que não reflete a realidade”, na opinião do presidente Paulo Solmucci.
Tanto a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) quanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI) manifestaram posições contrárias à proposta, citando elevação dos custos operacionais e pressão no setor produtivo. Para esta última entidade, a negociação coletiva é o melhor caminho.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza), Assis Cavalcante, afirma que quem pagará por isso são os consumidores, já que as grandes empresas até suportariam as mudanças de ter que contratar mais pessoas para reduzir a carga horária, mas, em contrapartida, subiriam os preços dos produtos.
Assis vê a alteração na jornada como uma medida populista e que não necessariamente geraria mais empregos. Ele diz, ainda, que pequenos negócios não devem conseguir se adequar, passando à informalidade ou até mesmo fechando as portas. “Em outros países, propostas assim talvez funcionem porque não há essa carga de encargos trabalhistas.”
A Central Única do Trabalhadores (CUT) lançou nota frisando que avançar na proposta de redução das jornadas de trabalho sem redução salarial é reconhecer e apontar soluções para problemas históricos gerados pelo capitalismo.
"Nesse sentido, reconhecendo a importância desse momento, a Cut reafirma seu compromisso histórico em defesa dos trabalhadores e das trabalhadoras, contra todas as ameaças de retirada de direitos, contra a redução do orçamento para as políticas públicas e em defesa do fim da escala de trabalho semanal de 6×1 sem redução de salários e sem a retirada de direitos de redução da jornada já conquistadas por algumas categorias por meio da negociação coletiva."
Também reforça que o "crescimento e o desenvolvimento do país somente serão possíveis com distribuição de renda, com políticas permanentes de proteção social e de valorização do salário mínimo, com redução da jornada de trabalho sem redução de salários e com o povo brasileiro no orçamento público."
O supervisor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, avalia que a escala 6x1 acumula desafios em todas as dimensões, pois “a intensidade do trabalho é alta, a distribuição das horas é cansativa e a remuneração nem sempre compensa.”
“O verdadeiro problema está na lógica de maximizar a produtividade a qualquer custo, sem considerar o impacto na saúde e no bem-estar do trabalhador. Com uma regulação adequada, seria possível implementar jornadas mais curtas sem prejuízo para as empresas”, conforme Reginaldo.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, disse estar aberto ao diálogo para compreender as circunstâncias. Entretanto, pontua que todos os setores da indústria estão precisando de mão de obra e que seria necessário refletir sobre como a mudança poderia impactar na produção e no abastecimento do mercado.
O vice-presidente de relações trabalhistas do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Ceará (Sinduscon-CE), Marcelo Pordeus, diz que a entidade apoia qualquer debate para a melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores, mas que isso deve vir acompanhado de estudos. Ele afirma, ademais, que a construção já adota um modelo de 5x2.
Já o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE) e deputado federal, Luiz Gastão Bittencourt (PSD), não é contra o trabalho em escalas diferentes a depender do setor, mas, assim como a CNI, acredita que isso deve ser definido em negociações coletivas e considerar os impactos de cada setor.
Luiz Gastão ressalta, inclusive, que considera a discussão importante e que, muitas vezes, a assinatura de uma PEC é o primeiro passo para abrir um debate. Ele explica que vai analisar criteriosamente o tema antes de tomar qualquer decisão definitiva e que considera importante ouvir também os trabalhadores, bem como pensar em alternativas. (Colaboraram Armando de Oliveira Lima, Lara Vieira e Vítor Magalhães)
Elmano: penso que é bom e deve ser discutido
O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), pensa que a proposta de emenda à constituição (PEC) da escala 6x1 é boa e que deve ser discutida com uma postura de tentar "construir", viabilizando diálogos com o setor produtivo brasileiro.
Elmano afirma que tudo que puder ser feito para a vida dos trabalhadores melhorar deve ser feito, mas sem imposição e, sim, por meio de conversas. "É um tema muito importante, porque diz respeito ao dia a dia da classe trabalhadora no Brasil."
"Ao mesmo tempo, acho que isso não pode ser feito sem sentar com o setor empresarial, sem sentar com as centrais sindicais, para entender qual é o benefício e quais são as repercussões", disse em entrevista ao O POVO.
O secretário do Trabalho do Ceará, Vladyson Viana, declara, também, que solicitou informações ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sobre como a escala 6x1 está distribuída entre os postos de trabalho no Ceará e no restante do País.
A ideia é identificar quais setores seriam diretamente impactados por uma possível alteração da escala de trabalho e, a partir dessa análise, estabelecer conversas com o setor produtivo e com os representantes dos trabalhadores, especialmente os sindicatos.
Vladyson pontua que qualquer alteração terá um impacto profundo em toda a sociedade e, assim, necessita do levantamento dos dados para que haja um debate mais fundamentado e assertivo na melhoria da vida dos trabalhadores, sem desconsiderar a economia.
Apesar de inicialmente não parecer ter muita adesão, esse movimento tem ganhado força nos últimos dias, inclusive nas redes sociais, de acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Antônio de Oliveira Lima, em entrevista à rádio O POVO CBN.
"É um debate que traz um contraponto, porque, de repente, se tiver uma adesão da população à proposta, é possível que haja uma aprovação em um momento de mobilização social", na avaliação de Antônio.
"Como nós temos um Congresso extremamente conservador e muito representativo do setor patronal, é muito difícil alterar a jornada para redução. O que tem acontecido nos últimos anos é o contrário, alterar a legislação trabalhista para retirar direitos, não para aumentar direitos", acrescenta.
O presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Rafael Sales, avalia que essas discussões sempre geram interesse, especialmente da classe trabalhadora, porque tocam na questão do equilíbrio entre viver para o trabalho e trabalhar para viver.
Adesão
Com a pressão social, cresceu, no intervalo de uma semana, de 60 para 134 o total de deputados que assinaram a proposta de emenda à Constituição (PEC) que muda a escala 6x1. São necessárias 171 assinaturas para a PEC começar a tramitar na Câmara