Um conjunto de professores e pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) reforçaram apoio ao movimento antinuclear que critica a possibilidade de concessão de licenciamento ambiental ao projeto minerador de Santa Quitéria. Lideranças indígenas participaram de eventos e lançaram Protocolo de Consulta Prévia cobrando respeito aos territórios.
Na última sexta-feira, a Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) sediou audiência pública presidida pelo deputado Renato Roseno (Psol), para a apresentação do Protocolo de Consulta Prévia, composto pelas etnias Tabajara, Potiguara, Tubiba-Tapuia e Gavião. Quase mil famílias de 28 aldeias foram ouvidas e falaram suas histórias.
Pesquisas nas áreas de Saúde Pública e Engenharia Ambiental estão em curso e informes sobre seus andamentos foram apresentados durante a IV Jornada Antinuclear do Ceará, promovido pela Seção Sindical de Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc).
Esses projetos científicos se juntam a outros pareceres que analisam a possibilidade de exploração de urânio e fosfato na região. São trabalhos nas áreas de Saúde Pública, Geologia, Hidrologia, Serviço Social, Sociologia, Economia, Direito e Física.
A médica e doutora em Sociologia Raquel Rigotto lidera a equipe do Núcleo Tramas - Trabalho, Meio Ambiente e Saúde e afirma que as produções científicas ajudam a compreender as múltiplas dimensões do impacto ambiental, social e econômico do projeto de mineração e critica a postura do Governo do Estado, o qual, segundo ela, dá maior peso ao investimento sobre o tamanho do risco envolvido.
"Além de artigos científicos, dissertações e relatórios de pós-doutorado, produzimos dois pareceres robustos sobre os estudos de impacto ambiental apresentados ao Ibama nas tentativas de licenciamento do consórcio. Esses documentos destacam as inconsistências e irregularidades do processo, evidenciando também os desafios metodológicos e epistemológicos envolvidos no estudo de problemas tão complexos", afirma.
Na ocasião da Jornada Antinuclear do Ceará, os reitores das principais universidades públicas do Estado participaram do painel de abertura. O reitor da UFC, Custódio Almeida, destacou a abertura da Universidade ao diálogo e a valorização aos produtos científicos, sempre respeitando a vida como forma de encontrar solução para o caso.
Já o reitor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Hildebrando Soares, enfatizou a necessidade de desenvolvimento econômico para evolução social do Estado, mas a forma para superação da pobreza deve ocorrer por meio de um modelo de desenvolvimento inclusivo.
Também participaram do evento realizado semana passada lideranças indígenas, que vieram à Capital para as duas agendas para se firmarem contra o projeto.
O Kacique Aroerê Tabajara participou da mesa de abertura junto do Pajé Akumaru, ambos do Movimento Indígena Potigatapuia, da Terra Indígena Serra das Matas. "Para nós, o bem mais precioso é a vida, e a essência disso está na defesa do território. Conviver com o sol ardente, com a escassez de água, com o mínimo que temos, é um desafio. E esse bem tão precioso, que é a água, está no centro da questão. É algo que deveria ser priorizado para a sobrevivência das comunidades", afirma.
O Kacique se refere à previsão de que o empreendimento pretende utilizar 855 mil litros de água por hora, com o Governo do Estado se comprometendo a construir uma adutora para bombear água do açude Edson Queiroz, responsável por abastecer Santa Quitéria, que vive uma realidade em que muitas comunidades dependem de carros pipa - como por exemplo a própria comunidade indígena local, que precisa realizar racionamento de água.
O projeto de exploração de urânio e fosfato na Usina de Itataia é conduzido pelo Consórcio Santa Quitéria, formado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e pela empresa do setor de fertilizantes Galvani.
O Governo do Estado tem um memorando de entendimento dando aval à instalação do negócio no Estado e a empresa tenta conseguir a liberação do Ibama para avançar com os planos para o empreendimento.
A jazida de urânio em Santa Quitéria é a maior já descoberta no País e a perspectiva de exploração de fosfato gera expectativas em relação ao fornecimento para a indústria de fertilizantes.
O investimento previsto para o projeto é de R$ 2,5 bilhões, com perspectiva de exploração de quase 9 milhões de toneladas de fosfato e 80 milhões de toneladas de urânio. A produção anual deve ser de cerca de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados e cerca de 2,3 mil toneladas de urânio.
Conforme O POVO publicou em novembro, o Ibama adiou de dezembro deste ano para fevereiro de 2025 a realização das audiências públicas do Projeto Santa Quitéria. O processo é obrigatório para haver a possibilidade de liberação da licença.
Mesmo com a mudança de data efetuada pelo órgão ambiental, o Consórcio Santa Quitéria afirmou que não há impacto para o cronograma de instalação e operação estimado. Após a entrega de um novo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), as empresas estimavam a licença prévia para o primeiro trimestre de 2025 e a operação para o fim de 2028.