O prejuízo das plataformas de apostas esportivas e de cassino online, conhecidas como "bets", no faturamento total da economia cearense pode variar entre R$ 717 milhões a R$ 8,3 bilhões por ano.
Os dados são do levantamento Panorama das Bets, realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), e consideraram os impactos econômicos das apostas on-line sob dois cenários distintos, com gastos de R$ 24 bilhões e R$ 240 bilhões anuais pelas famílias brasileiras.
No primeiro cenário, a economia sofre perdas estimadas em R$ 717 milhões no faturamento total, R$ 424 milhões no Produto Interno Bruto (PIB) e R$ 38 milhões na arrecadação tributária. Já na outra situação, os prejuízos sobem para R$ 8,3 bilhões, R$ 5,5 bilhões e R$ 278 milhões, respectivamente.
A atuação das bets no Brasil foi autorizada pela Lei Federal 13.756, aprovada em 2018. Desde então, elas cresceram no país e vêm investindo alto em publicidade, inclusive patrocinando clubes de futebol.
Conforme o estudo, o crescimento das apostas on-line já impactou negativamente o varejo brasileiro, com uma perda de R$ 103 bilhões do faturamento anual potencial devido ao redirecionamento dos recursos das famílias para os jogos.
De acordo com o deputado federal e presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE), Luiz Gastão (PSD), o dado já reflete o comportamento nocivo e deve ser tratado no Congresso.
"Essas questões precisam ser limitadas e regulamentadas com critérios. Devemos controlar quem pode jogar e de que forma. Um exemplo seria proibir que se jogue utilizando cartão de crédito, porque, muitas vezes, a pessoa não tem dinheiro, usa um crédito que não tem, perde, e ainda fica com dívidas para pagar."
Na pesquisa, por exemplo, é revelado que 1,8 milhão de pessoas, em todo o País, estão em situação de inadimplência por comprometer a renda com as bets.
Para a doutora em Economia e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre a Pobreza da Universidade Federal do Ceará (LEP/UFC), Alessandra Araújo, o impacto atinge mais regressivamente as famílias mais pobres, porque possuem um orçamento ainda mais curto.
"Se a família, ou algum membro, aposta e compromete parte do dinheiro, o impacto sobre o orçamento é muito maior para as mais vulneráveis, mais necessitadas. Não só no comércio, mas também falta para o transporte ou alimentação. E, em alguns casos, recorre até a empréstimos para jogar mais."
Além disso, comenta a parte social, que entra na questão da saúde mental dessas pessoas e pode gerar até um custo a mais para o governo.
"Por um lado, você tem impostos entrando por conta das bets, mas, por outro, você tem uma queda no PIB por conta da redução do comércio, do poder de compra das famílias. E pode gerar um custo a mais para o governo devido à deterioração da saúde mental dessas famílias."
Alessandra Araújo também explica que o marketing em torno dessas apostas esportivas contribui para o aumento do vício.
"Não é só uma marca aparecendo a cada minuto na tela do celular dos jovens, mas também está na televisão. Você vê propagandas das bets, vê famosos e influenciadores promovendo. O problema é que esses influenciadores ganham com a perda dos usuários, o que agrava ainda mais a questão."
Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) "não há previsão" para limitar o uso de recursos do Bolsa Família para apostas online
Por sua vez, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), informou que a "Secretaria de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, do MDIC, faz o acompanhamento dos dados do setor varejista por meio dos dados do IBGE e outras pesquisas oficiais".
E acrescenta que "a Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024, do Ministério da Fazenda, estabeleceu prazo até 31/12/2024 para adequação às disposições legais e regulamentares vigentes. Então, uma adequada avaliação do impacto das Bets exige determinado período sob as novas exigências".
Já o Ministério da Fazenda afirmou que "não vai se manifestar a respeito de estudos de terceiros", referindo-se à pesquisa da CNC.
O POVO também entrou em contato com o Governo do Ceará para entender se estão sendo realizados estudos sobre o cenário. Porém, ainda não houve retorno.
Na avaliação de Renata Abalém, advogada, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC), a legislação foi tímida em um momento em que deveria ser rígida.
"Entendo que a regulamentação é insuficiente, inclusive para conter os problemas que
temos e os que já antevemos."
O pensamento é compartilhado por Alessandra Araújo, pesquisadora do LEP/UFC. "O problema já está instalado. Dificilmente uma legislação vai conseguir dar conta do vício em jogos. Temos um caso positivo em que uma política pública conseguiu minimizar um vício: o caso do cigarro. Porém, o cigarro é uma política de dissuasão, e talvez pudéssemos nos basear nesse tipo de política pública."
Mas o problema do jogo é muito mais complicado, porque, para a pessoa apostar, ela não precisa sair de casa, está tudo no celular, na palma da mão. Acho que as limitações em relação às bets e à auto-regulação não vão adiantar muito", complementa.
Também aponta que uma solução poderia ser tirar recursos das próprias bets para investir em políticas públicas.
"Por exemplo, criar um fundo sustentado pelas bets para financiar iniciativas de educação financeira, saúde mental e controle do vício. Assim, elas financiariam essas políticas públicas, e o governo não teria que gastar recursos públicos com isso."
A maior preocupação apontada no estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) envolve as modalidades de cassino online, como, por exemplo, o Jogo do Tigrinho, presentes na maioria das bets.
O economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, explica que os prejuízos eram muito menores quando o volume de recursos era destinado apenas às apostas esportivas.
Além disso, a pesquisa defende que a Lei Federal 13.756 ainda carece de regulação do Ministério da Fazenda. Ao todo, foram destinados cerca de R$ 240 bilhões às bets em 2024.
Eles consideram que há um "limbo regulatório", pelo qual foi permitido aos sites de apostas esportivas incorporar livremente os cassinos online, que se proliferaram sem controle adequado.
"Além disso, a ausência de regulamentação facilitou a lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas, prejudicando a economia formal. A popularidade crescente dos cassinos online tem desviado recursos que poderiam ser gastos em outros setores produtivos, como o comércio varejista, influenciando toda a cadeia produtiva", revela o estudo.
Segundo a confederação, enquanto a modalidade online compromete a renda das famílias e impacta o varejo, os cassinos que possuem localização física geram emprego e renda onde são regulamentados.
O levantamento também dedicou um capítulo para apresentar informações sobre as experiências de outros países como Estados Unidos, China, Singapura, Reino Unido, Malta, França, Itália, Portugal, Alemanha, Argentina, Peru, Uruguai, Colômbia, Bolívia.
Para o Brasil, estimou-se que, com os cassinos físicos, haveria uma arrecadação anual de pelo menos R$ 22 bilhões em impostos.
"Comparativamente, segundo estimativas da Receita Federal, os cassinos online teriam potencial máximo de gerar R$ 14 bilhões por ano em arrecadação", informa a pesquisa. (Com Agência Brasil)