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Falta de infraestrutura no País põe em risco projetos de hidrogênio verde no NE
Economia

Falta de infraestrutura no País põe em risco projetos de hidrogênio verde no NE

Manifesto assinado por ABIHV e Abeeólica cobra do Governo Federal por atraso em cronograma de pesquisas para ampliação de transmissão. Três projetos do Ceará são citados
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CERIMÔNIA de assinatura da MP das Energias Renováveis e de redução de impactos tarifários. Empresas cobram celeridade do Governo (Foto: TAUAN ALENCAR MME)
Foto: TAUAN ALENCAR MME CERIMÔNIA de assinatura da MP das Energias Renováveis e de redução de impactos tarifários. Empresas cobram celeridade do Governo

Problemas de planejamento para elaboração de pesquisas para ampliação da infraestrutura de transmissão de energia põem em risco investimentos bilionários em hidrogênio verde no Nordeste. Isso é o que afirma um manifesto assinado pela Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV) e a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica).

Há ainda uma cobrança expressa ao Ministério de Minas e Energia (MME) para a antecipação do cronograma do estudo R1, conduzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Esse estudo é essencial para indicar os investimentos necessários na transmissão de energia elétrica, garantindo a viabilidade de projetos de hidrogênio verde.

Três projetos de hidrogênio verde no Ceará são citados pelas entidades, que temem que atrasos possam inviabilizar investimentos no Brasil. O POVO apurou que o prazo para a entrega dos estudos que permitirão novos leilões de transmissão para atender a demanda dos projetos de hidrogênio deve ficar pronto em outubro e não mais em dezembro.

O cronograma oficial - até agora confirmado pelo MME - prevê que o estudo seja concluído até o fim de 2025 e a demanda é que ele seja adiantado em pelo menos um semestre. No entanto, ABIHV e Abeeólica alertam que esse prazo é apertado e "não acompanha o ritmo de investimentos no setor".

Atualmente, possuem projetos mais adiantados no Nordeste empresas como Casa dos Ventos, Fortescue e Voltalia (no Ceará), Solatio (no Piauí) e European Energy (em Pernambuco) preveem tomar decisões finais de investimento até 2025. Em Minas Gerais, a Atlas Agro também se encontra nessa fase decisiva.

O temor é que a demora na conclusão dos estudos inviabilize a produção de hidrogênio verde no Brasil, já que os projetos possuem curva ascendente entre os anos de 2029 e 2030, justamente o período ao qual foi prometida a entrega da infraestrutura de transmissão.

"A eventual falta de acesso desses projetos ao sistema elétrico pode significar um risco concreto de futura não implantação total dessa nova indústria no país e a consequente frustração dos investimentos bilionários a ela associados", destacam as entidades na carta enviada ao MME.

Adão Linhares, presidente da Energo Soluções em Energias, explica que os prazos para ampliação da rede de transmissão estão muito apertados. Já que, em meio aos trâmites burocráticos, a viabilização de linhas para atender a demanda do hidrogênio verde pode durar até sete anos, estima.

Ele destaca ainda que o MME precisa ser mais ágil ao avaliar a situação do sistema atual e as demandas futuras para desenvolver um plano de infraestrutura para os próximos dez anos.

"A transmissão de energia envolve obras de grande porte, especialmente no atual contexto brasileiro, marcado pelo crescimento da geração eólica e solar. Isso exige uma interconexão robusta entre as regiões Nordeste, Norte e Sudeste. Essas linhas demandam um planejamento de longo prazo, levando de cinco a sete anos para serem implantadas, considerando processos de licenciamento, licitação e servidão", pontua.

Ao O POVO, o Governo do Ceará, por meio da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), informou que tem prestado toda assistência necessária à elaboração dos estudos da EPE.

Somente no Pecém, hub de hidrogênio verde e a instalação de projetos de data center estimam uma potência necessária de 10 GW para atender a demanda dos empreendimentos.

Juntando todos os investimentos em transmissão, o Ceará tem 1.900 km de linhas em obras, num aporte de R$ 5,4 bilhões da União, oriundo do último leilão de energia, em fevereiro de 2024.

O Estado ainda diz que recebeu a informação de que o prazo dos estudos foi adiantado para outubro e só depois será possível marcar leilões para construção dessas linhas.

"O Governo do Ceará tem atuado em parceria com o Governo Federal e tem plena convicção de que esses prazos serão cumpridos e que todos os importantes empreendimentos de Hidrogênio Verde serão plenamente contemplados", diz em nota.

O POVO entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia, que reafirma a previsão de entrega do estudo para o segundo semestre. Segundo a pasta, "a possibilidade de antecipação de todo ou de parte do levantamento realizado só poderá ser avaliada ao longo do desenvolvimento do trabalho, a partir dos resultados parciais obtidos."

O MME reconhece que o estudo se trata de uma análise complexa, que além de analisar tecnicamente, observa a harmonização dos investimentos com a evolução da demanda e os projetos já mapeados. A procura já soma "dezenas de gigawatts", "evidenciando o apetite do setor por investimentos nesse segmento e a necessidade de planejamento robusto e seguro para garantir o desenvolvimento dessa indústria".

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O que falta para resolver a questão da transmissão de energia para o H2V

Uma série de reuniões já foi realizada a pedido do Governo do Ceará para buscar acelerar o cronograma da expansão dos projetos de transmissão de energia.

O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), já esteve reunido com o ministro Alexandre Silveira para tratar sobre o assunto. E, nesta semana, o secretário da Casa Civil do Estado teve o encontro mais recente com representantes do MME. A cúpula do Estado já chegou a querer bancar com os cofres estaduais a expansão da infraestrutura local, no entanto, os entraves regulatórios barraram a ideia.

Somente para os projetos de hidrogênio no Complexo do Pecém é estimada demanda inicial de transmissão para produção de 3 gigawatts (GW) de energia, o que já representa o dobro do consumo atual do Ceará em períodos pico. A produção de H2V no Pecém tem uma capacidade instalada projetada de 6 GW até 2034.

Em nível estadual, alguns projetos de expansão de capacidade de transmissão são vistos como importantes. São os casos da linha de transmissão que liga Quixadá a Teresina, com subestação em Crateús. Outros projetos que ampliam a capacidade de escoamento de energia são os reforços em Morada Nova, Jaguaretama e Pacatuba (que é passagem final antes do Pecém). Concluídos em abril do ano passado, as obras fizeram parte do Leilão de Transmissão nº 2/2018. A conclusão, portanto, ocorreu após seis anos do leilão. Foram R$ 37,4 bilhões em investimentos e 6,1 mil km de extensão.

Os 480 km de novas linhas transmissão interligadas às subestações Pacatuba, Jaguaruana II, Russas II, no Ceará e Mossoró IV e Açu III, no Rio Grande do Norte ampliaram a capacidade de transferência do Nordeste ao Norte para 6,2 GW e do Nordeste para o Sudeste/Centro Oeste para 7,2 GW, portanto, a capacidade de exportação foi expandida em 12,5 GW.

No fim de 2023, o MME divulgou balanço em que contabilizou quase R$ 40 bilhões em investimentos captados/projetados a partir dos leilões de transmissão, com destaque para a Região Nordeste e ampliação do escoamento para energia renovável.

Em 2024, outros dois leilões foram realizados, captando R$ 18,2 bilhões e R$ 3,35 bilhões, respectivamente. No entanto, o ano passado ficou marcado por um período de conflito entre os geradores de energias renováveis do Nordeste e o Operador Nacional do Sistema (ONS).

Conforme O POVO publicou em janeiro, somente as usinas renováveis do Ceará somaram R$ 190 milhões em prejuízos relacionados às restrições na geração nacional, que acarretaram em cortes de produção - ou seja, usinas foram desligadas do sistema.

A questão passou a gerar uma série de judicializações. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) obteve junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decisão favorável para evitar a compensação financeira aos geradores. A situação, entretanto, é vista por especialistas no setor de energia como déficit estrutural na transmissão. Gustavo Silva, diretor de Hidrogênio do Sindienergia-CE e diretor de Operações da Qair Brasil, confirma que há demora no início das obras e que o governo brasileiro, de fato, está criando uma condição que pode levar o País a perder "uma grande oportunidade" na implantação de projetos de hidrogênio verde e, além disso, à ampliação do uso das energias renováveis.

"O que temos observado nos últimos anos, principalmente a partir de 2023, é uma falta de prioridade para esse mercado. Há um aumento na participação de térmicas e a justificativa utilizada é a segurança energética. Mas como podemos almejar ser um país líder em hidrogênio verde se não investimos na expansão das energias renováveis?", questiona.

Estudos para ampliação de linhas

O estudo R1 é considerado um passo fundamental para a elaboração do Plano de Outorgas de Transmissão de Energia Elétrica (Potee), documento que orienta os investimentos no setor elétrico e será emitido pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

O Potee tem um papel crucial ao indicar os próximos empreendimentos de transmissão a serem concedidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), seja por licitação ou autorização.

A ideia é resolver os gargalos de transmissão de energia no Nordeste, que hoje tem de parar produção renovável para não sobrecarregar o sistema brasileiro.

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