O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) abriu, a partir de hoje, 14, prazo de 30 dias para que mais contribuições possam ser anexadas ao processo de análise de impacto ambiental do Projeto Santa Quitéria (PSJ).
O parecer técnico produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e apresentado durante as audiências públicas que ocorreram nessa semana em Santa Quitéria e Itatira já foi anexado.
Segundo a legislação, o rito prevê que as transcrições das audiências públicas sejam incluídas no processo. Portanto, informações das comunidades, pesquisadores, profissionais e autoridades serão analisadas junto do EIA. As informações podem ser encaminhadas via e-mail para comipe.sede@ibama.gov.br.
Lisânia Rocha Pedrosa, representante da equipe do Ibama que analisa o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) apresentado pelo Consórcio Santa Quitéria - formado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes, destaca que esse é a primeira fase de licenciamento até uma possível operação.
Qualquer prazo para a emissão da licença prévia não foi confirmado. "O que estamos fazendo agora são audiências públicas para ouvir a população, saber das preocupações, dos anseios e tirar as dúvidas para que o processo ande da melhor forma possível. Ainda estamos na fase de licença prévia, analisando os estudos e ainda não existe nenhuma conclusão ou documento emitido", afirmou, ontem, durante o último dia de audiência pública, realizado na localidade de Lagoa do Mato, em Itatira.
Conforme Lisânia, no processo de análise do EIA, já foram feitas vistorias em campo, escuta às populações por meio das audiências públicas, além de novas consultas aos órgãos públicos, como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
"O momento de ouvir as populações e as contribuições é fundamental para que a conclusão seja o mais enriquecedor possível", conclui.
Desde os anos 1970, tentativas de exploração foram barradas por critérios ambientais. A proposta atual do consórcio, reformulada desde 2020, prevê um investimento de R$ 3 bilhões ao longo de 20 anos, com a produção anual de mais de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, 220 mil toneladas de fosfato bicálcico para suplementação animal e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio (yellowcake).
Movimentos sociais, indígenas e de defesa do meio ambiente protestaram antes do início da fala do representante do Consórcio Santa Quitéria, o gerente corporativo de Licenciamento, Meio Ambiente, Gestão Fundiária e Direitos Minerários, Christiano Brandão.
O executivo enfatizou neste último dia de audiências públicas o discurso da empresa, assegurando que o projeto não é perigoso e a mineração pode gerar desenvolvimento econômico para a região e contribuir para a transição energética.
"Em relação ao urânio, ele é considerado essencial para a produção de energia limpa. Já foi assumido por diversos países em conferências do clima que não é possível trabalhar a neutralização de suas matrizes energéticas sem inserção da energia nuclear", afirmou.
Movimentos sociais protestam contra exploração de urânio
As audiências públicas nas comunidades afetadas pela construção do empreendimento foram marcadas por momentos de tensão. Uma série de manifestações contra o Projeto Santa Quitéria foram feitas e as apresentações dos representantes do Consórcio receberam vaias do público.
Um desses momentos ocorreu durante a apresentação do EIA/Rima pelas empresas de consultoria contratadas pelo Consórcio Santa Quitéria, especialmente, no trecho em que tratou sobre a possibilidade de uso de água do açude Edson Queiroz, o que é motivo de preocupação por parte da comunidade local.
Rafael Dias de Melo, pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC), é um dos profissionais que assinam o parecer técnico da UFC, coordenado pelas professoras Raquel Maria Rigotto e Maxmiria Holanda Batista, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC.
"É um grande desafio apresentar em pouco tempo as conclusões de um parecer que se debruçou sobre um EIA/Rima tão complexo. Quero fazer isso com o compromisso que a universidade pública tem com todos esses povos. Esse projeto traz tantas ameaças a esses territórios. Não é possível ver tantas ameaças à saúde da população calado."
Renato Fraga Guterrez, assessor da diretoria de radioproteção e segurança nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), foi uma das autoridades que apresentou informações sobre o parecer que aprovou o licenciamento nuclear do PSQ.
Segundo Renato, as análises diferem e no licenciamento o quesito emissão de radiação é o principal ponto. Ele explica que as emissões podem causar danos, mas existe um nível de aceitação a partir de garantias de segurança.
"Não estamos falando de algo que possui risco nenhum, existem riscos, sim. E é por isso que a comissão está aqui e existe processo de licenciamento."
Entre as análises feitas, está a que considera o conceito de dose, sendo a medida da quantidade de energia radioativa transferida para o corpo ou outro material. Ele explica que a dose média de exposição à radiação de forma natural no planeta é de 2 a 3 milisievert (mSv) e o limite previsto na legislação do setor atômico é de 1 mSv para operações industriais, por exemplo.
No caso da mineração, o rigor é ainda maior, pois não é permitido que o projeto utilize todo esse limite, obrigando as empresas a otimizar a exposição radiológica. "O operador tem de demonstrar durante o processo de licenciamento que a proteção radiológica está otimizada de modo que as doses possíveis não vão superar 0,3 mSv de dose ambiental típica que temos no meio ambiente", explica Renato.
CONSUMO DE ÁGUA
Apesar do potencial econômico, o projeto enfrenta críticas, especialmente em relação ao consumo de água. A atividade exigiria cerca de 855 metros cúbicos de água por hora, o que tem gerado preocupação quanto ao impacto nos recursos hídricos locais.
Histórico do Projeto Santa Quitéria no Ibama
Níveis de radiação natural captados em Santa Quitéria (pesquisa recente, sem influência do PSQ): 0,91 mSv
Média mundial: 2,4 mSv
Outros exemplos no Brasil
São Paulo-SP: 1,36 mSv
Poços de Caldas-MG: 3,29 mSv
Guarapari-ES: 10 mSv
Fonte: Agência Internacional de Energia Atômica/ Comitê das Nações Unidas sobre os Efeitos das Radiações Atômicas/ Secretaria de Saúde de Minas Gerais/ José Marques Lopes - COPEE/UFRJ/ INB
Projeto Santa Quitéria
Histórico do Projeto Santa Quitéria no Ibama
2004: Primeiro projeto de exploração de urânio em Santa Quitéria deu entrada no Ibama em 2004. Sem viabilidade técnica comprovada, o projeto foi arquivado pelo Ibama em 2019.
2020: Os empreendedores trouxeram um novo projeto e foi aberto o processo de análise. Foi emitido um Termo de Referência, a empresa apresentou o EIA/Rima, foram ouvidas manifestações de órgãos como Funai, Incra e Iphan, além de emissão da Outorga Preventiva da Semace para uso de águas.
2022: Após uma série de audiências públicas, o Ibama emitiu o Parecer Técnico nº 148/2022, que apontou inadequações e insuficiências de informações no EIA/Rima.
2022/2023: Após a publicação do parecer do Ibama, em dezembro de 2022, a empresa reformulou o projeto e foi obrigada a produzir um novo estudo, em março de 2023. Em dezembro de 2023, o Consórcio Santa Quitéria entregou o novo EIA/Rima e o rito de licenciamento foi reiniciado.
2024: Atualmente, o processo segue na primeira fase do rito, na análise de requerimento de licença prévia, em que é analisado o EIA/Rima da empresa, realizadas vistorias de campo, escuta às comunidades impactadas por meio de audiências públicas e nova consulta aos órgãos públicos (Funai, Incra e Iphan). Segundo o Ibama, ainda não há decisão quanto à viabilidade ambiental do empreendimento.
Entenda quais os níveis de emissões de radioatividade permitidos na legislação internacional
Trabalhadores na jazida:
20 mSv/ano
População do entorno: 1 mSv/ano
Dose média de exposição à radiação de forma natural no planeta:
2 a 3 mSv
Limite previsto na legislação para operações de pesquisa e industriais, por exemplo: 1 mSv
Limite para exploração mineral que envolva exposição radiológica:
0,3 mSv
Níveis de radiação natural captados em Santa Quitéria (pesquisa recente, sem influência do PSQ): 0,91 mSv
Média mundial: 2,4 mSv
Fonte: Agência Internacional de Energia Atômica/ Comitê das Nações Unidas sobre os Efeitos das Radiações Atômicas/ Secretaria de Saúde de Minas Gerais/ José Marques Lopes - COPEE/UFRJ/ INB