O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) marcou as datas das audiências públicas do projeto que visa minerar urânio e extrair fosfato no Ceará por 20 anos. Elas acontecerão nos dias 11 e 13 de março, às 14 horas.
Esta é uma das etapas obrigatórias do processo para o aval do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e posterior licenciamento para exploração da mina de Itataia.
Caso haja aprovação, o Consórcio Santa Quitéria, formado pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil e a Galvani Fertilizantes, poderia começar as quatro fases da mineração (planejamento, implantação, operação e desativação).
O intuito da audiência é dirimir dúvidas e colher críticas e sugestões ao Relatório de Impacto Ambiental (Rima) relativo ao empreendimento denominado Projeto Santa Quitéria (PSQ), localizado na Fazenda Itataia, no município de Santa Quitéria, a 222,3 quilômetros de Fortaleza.
No dia 11, o momento ocorrerá no espaço CFR Academia, na rua Coronel Antônio Ernesto de Andrade, 134, no Centro do município, com ponto de apoio e transmissão na Escola Municipal Francisco Paiva Rodrigues, na rodovia CE-366, em Riacho das Pedras.
Para o dia 13 está reservada a Quadra de Eventos São Francisco da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na avenida Trajano Honorato, em Lagoa do Mato, no município de Itatira, com ponto de apoio e transmissão na Escola Municipal de Ensino Fundamental Coronel Artur Themoteo, no distrito Saco do Belém, Zona Rural.
As audiências também serão transmitidas em plataforma virtual, online, no link www.youtube.com/@ProjetoSantaQuiteria. Já o EIA/Rima foi disponibilizado para consulta na internet.
Conforme O POVO publicou em novembro de 2024, o Ibama adiou a realização do encontro que seria em dezembro.
O momento deve contar com representantes do Consórcio Santa Quitéria, Ibama, Ministérios Públicos (Federal, Estadual e do Trabalho), prefeituras, Comissão de Nacional de Energia Nuclear e, possivelmente, Secretarias Estaduais e organizações sociais e comunidades.
Até então, o órgão ambiental analisa os novos estudos das empresas, que estimavam a licença prévia para o primeiro trimestre de 2025 e a operação para o fim de 2028.
E mesmo com as atualizações das datas das audiências públicas, o Consórcio sempre frisou que não há impacto ao cronograma do Projeto Santa Quitéria. Para chegar a 2028 como querem, o caminho exige licenças prévia, de instalação e operação.
Procurado, o PSQ informou à coluna que reconhece a importância das audiências públicas como parte do processo de licenciamento ambiental e, portanto, "se empenha ativamente em apoiá-las".
Destaca ainda que as audiências são momentos importantes para promover a troca de informações, esclarecer dúvidas e ouvir as contribuições da sociedade.
"No entanto, vale destacar que, além das audiências, o projeto mantém contato constante com a comunidade por meio de uma equipe de relacionamento dedicada e dois escritórios locais (municípios de Itatira e Santa Quitéria), facilitando a comunicação contínua com as comunidades."
O Consórcio considera os escritórios como canais adicionais para que os moradores possam dialogar diretamente com a equipe do projeto e "acessar informações de forma constante e transparente."
"Assim, as audiências públicas são uma parte do processo, mas o contato direto com as comunidades é promovido de várias formas."
Na audiência pública, os detalhes do EIA/Rima serão apresentados e as dúvidas serão esclarecidas.
Conforme o documento com o estudo ambiental, o Consórcio terá que implementar medidas mitigadoras para reduzir, prevenir e controlar os efeitos negativos, como a circulação de veículos e outros impactos.
Um exemplo é que o PSQ tem estimativa de R$ 10,8 milhões em compensação ambiental e R$ 81 milhões para recuperação da área impactada ao término das atividades.
Os programas destacados incluem coexistência, gestão do patrimônio arqueológico, monitoramento da qualidade das águas superficiais e sedimentos, monitoramento de ruídos e vibrações, controle da supressão vegetal, recuperação de áreas degradadas, monitoramento da fauna terrestre e aquática, comunicação social, educação ambiental, gestão de tráfego e segurança e monitoramento de interferências em infraestruturas e serviços públicos.
Também serão detalhados os impactos positivos na economia, que são listados, sobretudo, em geração de empregos e oportunidades de negócios.
Como o investimento total de R$ 2,3 bilhões na região pelas empresas, abrangendo Santa Quitéria, que tem a maior extensão territorial do Ceará, com 4262,293 km². O município é o 40º Produto Interno Bruto (PIB) do Estado e tem 40.183 habitantes.
Dentre as quatro fases do projeto, são estimados 2.096 trabalhadores especializados em construção industrial na fase de implantação e 4.192 indiretos. O Consórcio prevê o aproveitamento de até 20% de residentes da região, o que engloba Santa Quitéria, Itatira, Canindé e Madalena.
Na etapa de operação o número de empregos cai consideravelmente, com previsão de 538 diretos e de de alta qualificação, sendo 56 voltados para a instalação de urânio e 1.076 indiretos.
Ao fim dos 20 anos, na fase de desativação da mina, são prospectados 21 empregos diretos e 42 indiretos.
O maior impacto negativo é previsto no cenário ambiental. Para mitigar, a empresa promete o chamado circuito fechado, em que as águas usadas voltam para sistemas de tratamento para serem reutilizadas nos processos industrias.
Alega ainda que não haverá liberações de líquidos das instalações e que "tudo" será reciclado dentro do processo produtivo. Segundo o EIA/Rima, isso impede que líquidos e efluentes saiam do circuito e atinjam subsolo e cursos d'água.
Já na cava da mina, local de onde se retira o minério, cita-se que a água acumulada da chuva será retirada por bombeamento.
O documento detalha que ruídos e barulhos da construção e operação "não serão ouvidos pelos moradores", pois a comunidade mais próxima está a 3,5 km. Mas o texto detalha que haverá detonações na mina.
Porém, O POVO mostrou que explosões para obras no entorno da Transnordestina assustaram moradores no interior do Ceará, a uma distância maior, a mais de 10 km do centro do município de Quixeramobim.
Outro ponto levantado é que a circulação de máquinas e equipamentos poderá gerar poeira.
Quando as atividades forem encerradas, a promessa é de recomposição das áreas alteradas, de modo a restabelecer, "na medida do possível", a condição natural.
Na etapa de obras, são catalogados três impactos de baixa magnitude, quatro de média e três de alta, alcançando, por exemplo, qualidade das águas superficiais e dos sedimentos, na fase de preparação do terreno.
Também é apontada redução da cobertura vegetal nativa, perda de habitats e alteração da biodiversidade, com perda de representantes de espécies da fauna.
E na fase de operação são previstos dois impactos de baixa magnitude, cinco de média e duas de alta.
Após os 20 anos, para desativar, são listados cinco impactos médios, um baixo, e um alto.
Dentre as mitigações, elenca o EIA/Rima:
Não se espera ainda "impactos de elementos radioativos dispersados a partir de pilhas de materiais."
Na área do projeto foram registradas 24 espécies de mamíferos terrestres, sendo grande parte de médio e grande porte, e é citado o risco de perda de fauna.
Como exemplos de espécies catalogadas: gato-maracajá, mocó, gato-mourisco, onça parda, macaco-prego e tatu-galinha. Todos são considerados raros em outras regiões devido à caça ou destruição do ambiente em que vivem.
Para além destes, foram vistos abelhas, insetos e aves.
Das plantas, foram catalogadas 105 espécies e para a implantação do projeto é necessária a remoção de cerca de 360 hectares (504 campos de futebol) de cobertura vegetal, o que pode refletir na fauna e flora.
A compensação prevista tanto para animais quanto plantas é o resgate de espécies para, após os 20 anos, replantar e reintroduzir à natureza. Também há medida em caso de atropelamento de animais no EIA/Rima.
Em relação aos trabalhadores, devido à especialização da atividade, o estudo frisa que a maior parte virá de outras regiões.
"As comunidades, acostumadas com a tranquilidade do campo, passarão a ter, durante um bom tempo, uma vizinhança mais agitada", complementa o documento.
Neste caso, a estrada principal, a CE-366 é a que terá mais fluxo de veículos e é levantado que aumentará a busca por serviços públicos, como saúde e educação, durante 34 meses.
"Toda essa movimentação poderá ocasionar conflitos, pois nem sempre as necessidades de referências culturais da população de fora coincidem com a local."
Por outro lado, o Consórcio frisa que a economia será desenvolvida, pois os trabalhadores serão consumidores dos produtos e serviços da região, bem como haverá a arrecadação de mais tributos, sobretudo com os royalties da mineração.
Mas na fase de desativação da mina, o estudo mostra que pode haver preservação de alguns postos de trabalho, bem como negócios e fornecedores. "Os novos impactos ambientais deixarão de ser negativos e se intensificam medidas de recuperação."
Porém, há o alerta de que as lideranças e os governantes, com auxílio do plano de descomissionamento, deverão, com antecedência, planejar o futuro e buscar nova vocação para a região.
Descoberta na década de 1970, a reserva da Fazenda Itataia, em Santa Quitéria, é a maior jazida do País para o urânio.
A tentativa de uma nova exploração ocorre desde o início dos anos 2000 e teve, há três anos, mais uma investida pelas empresas. Com a apresentação do projeto, o Ibama pediu esclarecimentos e uma revisão do EIA/Rima foi feita.
Inédito no mundo, o processo de dissociação do urânio do fosfato é preciso para que os dois minerais encontrados no Ceará sejam aproveitados. O investimento previsto para as plantas minero-industrial é estimado em cerca de R$ 3 bilhões para 20 anos de exploração da jazida.
O objetivo é a produção anual de mais de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, 220 mil toneladas de fosfato bicálcico (suplementação animal) e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio.
Santa Quitéria é o município central do projeto, que abrange ainda Itatira, com o centro urbano mais próximo da mina, além de Madalena, que será afetada mais pela rota logística.
O projeto considera 97 localidades, com foco especial em 29, incluindo oito comunidades a menos de 5 km de distância, e quatorze próximas à rodovia CE-366.
Tem ainda Canindé, que é uma referência local para serviços especializados e é o mais populoso dos municípios estudados.
As oito comunidades próximas ao Projeto são compostas por:
Há também 14 comunidades localizadas perto da CE-366 que serão impactadas pelo tráfego de veículos do Projeto: