A PEC da Segurança Pública, que busca integrar as forças de segurança nos três níveis da federação, é a principal aposta do Governo Federal para conter o avanço do crime organizado no País, na avaliação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em entrevista exclusiva ao O POVO, ao ser questionado sobre os recentes ataques das facções no Ceará a serviços como o de internet, o presidente destaca que a estratégia é enfraquecer financeiramente as organizações criminosas. Segundo ele, apenas no ano passado, a Polícia Federal impôs às facções um prejuízo de R$ 5,6 bilhões em ações como apreensão de bens – 70% a mais do que em 2023.
Também afirmou que, na área da saúde, garantir o acesso da população ao serviço médico das mais diferentes especialidades e reduzir as filas para cirurgias estão entre as prioridades da gestão. Hoje, ele participa em Fortaleza da inauguração do Hospital Universitário do Ceará (HUC), construído na sede da Universidade Estadual do Ceará (Uece). O equipamento vai agregar 476 novos leitos de internação e 176 de UTI no Estado.
Na entrevista, destacou ainda o potencial do setor de energia do Ceará e as medidas que pretende adotar para resolver os gargalos nas linhas de transmissão. “Para que o problema seja definitivamente resolvido, o leilão de linhas de transmissão que faremos em 2025 incentivará que os novos empreendimentos entrem em operação o mais rapidamente possível. Além disso, o Ministério das Minas e Energia está estudando modos de antecipar a entrada em operação de linhas de transmissão cujas obras já estão em andamento.
As perguntas e respostas foram feitas a Lula por intermédio da assessoria de imprensa. As respostas são publicadas na íntegra. (colaboraram Beatriz Cavalcante, Tânia Alves e Érico Firmo)
O POVO - O senhor vem no Dia de São José inaugurar o Hospital Universitário do Ceará (HUC), na Universidade Estadual do Ceará (Uece). O que esta entrega simboliza em termos de aporte do governo na área da saúde e como pensam em ampliar o acesso da população a uma vida mais saudável, além de medidas já anunciadas, como a dos remédios gratuitos (Farmácia Popular)?
Luiz Inácio Lula da Silva - O hospital que estamos inaugurando simboliza a revolução que estamos promovendo na saúde: garantirá 476 leitos de internação e 176 de UTI, estará integrado às pesquisas e à formação de profissionais da Universidade Estadual do Ceará e oferecerá atendimento em mais de 30 especialidades médicas. Tudo de graça e com qualidade. Tudo pelo SUS. Com esse hospital funcionando, vamos reforçar o acesso da população ao serviço médico das mais diferentes especialidades e reduzir as filas para cirurgias. São nossas prioridades atuais, depois que conseguimos recuperar muito do estrago que foi feito no atendimento básico à saúde no governo passado.
Desde que recuperamos o Mais Médicos, o número de profissionais do programa no Ceará cresceu de cerca de 1.200 para 1.680. Já temos 571 drogarias operando no Farmácia Popular no estado e, apenas no ano passado, mais de 870 mil cearenses foram beneficiados com o programa, que agora permite que eles retirem 41 itens sem pagar nada, a exemplo de medicamentos de uso contínuo para doenças como asma e diabete, entre outros. Ainda na semana passada, estive na fábrica onde são feitas as ambulâncias do Samu para anunciar o envio de novas viaturas para o Brasil todo – e 44 delas virão para 37 municípios do Ceará.
OP - O Ceará vem sofrendo uma série de ataques das facções, sobretudo, em comunidades e também no interior do Estado. Inclusive, com cobrança de pedágio para uso de serviços como a Internet. Sabe-se que o Governo Federal tem projeto para a área de segurança, comandado pelo Ministério da Justiça, mas ainda não saiu do papel. Quais medidas o governo vislumbra no combate às facções e, além disso, de que forma e quando pretendem tirar esse projeto para a área de segurança do papel?
Lula - A única forma de acabar com a violência que ocorre no Brasil hoje é quebrar a espinha dorsal das facções – e isso é uma tarefa que não pode ser feita apenas pelos Estados, mas sim com a participação muito forte do Governo Federal. É justamente por isso que, na semana passada, conseguimos fechar uma proposta de Emenda Constitucional para a criação de um Sistema Único de Segurança Pública, que define muito bem como as forças federais, estaduais e mesmo as municipais atuarão em conjunto. O ministro Lewandowski dialogou muito com os governadores e a sociedade para construir essa proposta, e agora a ministra Gleisi está conversando com as lideranças do parlamento para encaminhar em breve a proposta para o Congresso.
Para termos uma ideia, apenas no ano passado a Polícia Federal impôs às facções um prejuízo de R$ 5,6 bilhões em ações como apreensão de bens – 70% a mais do que em 2023. Isso aconteceu porque intensificamos as ações de inteligência, repressão econômica e combate à lavagem de dinheiro.
Com uma integração ainda maior entre a atuação das polícias, como propomos na PEC, tenho certeza de que esses números vão aumentar ainda mais, e isso irá derrubar, e muito, a força das organizações criminosas.
OP - Tem muita gente querendo ser candidato a senador pelo Ceará no ano que vem. Gente como Guimarães, Eunício Oliveira. O Cid Gomes hoje tem mandato. E outras pessoas. O senhor tem preferência? Acha que o PT deve disputar o Senado no Ceará?
Lula - O José Guimarães, que tem feito um excelente trabalho como nosso líder na Câmara, e o Eunício Oliveira, que já foi ministro em meu primeiro mandato e um grande presidente do Senado, terão papéis importantíssimos nas eleições de 2026. Sempre estaremos juntos na luta para garantir que o Brasil siga mudando para melhor, sem dar chance àqueles que só pensam em promover o atraso e minar nossa democracia.
Ainda não está na hora, contudo, de fecharmos como serão as chapas. Nosso trabalho, em 2025, é garantir que o povo possa colher o que o Governo Federal vem plantando desde 2023, quando reconstruímos ministérios e programas sociais que haviam sido destruídos. Recuperamos nossa economia, o desemprego nunca foi tão baixo e, nos dois últimos anos, nosso PIB cresceu acima dos 3%, contra uma média de 1,4% do governo anterior. E dados ainda preliminares mostram que, no Ceará, o crescimento da economia tem sido superior à média nacional.
E a colheita não para por aí. Desde que retomamos o Minha Casa Minha Vida, já contratamos casas e apartamentos que se tornarão o lar de 40,1 mil famílias cearenses. Levamos o ITA para Fortaleza e estamos implantando 6 novos campi de Institutos Federais no Estado. Quase 290 mil estudantes do ensino médio estão recebendo a poupança do Pé-de-Meia. E todos os 184 municípios do estado aderiram à Escola em Tempo Integral, que já repassou R$ 169 milhões para fomentar 28,5 mil matrículas na modalidade, fazendo com que a educação cearense seja motivo de ainda mais orgulho para o Brasil.
OP - Sobre investimentos, um dos gargalos apontados por investidores de energias renováveis, sobretudo os que têm a promessa de se instalar no Ceará no chamado hub de hidrogênio verde, é a questão dos desligamentos de energia que o Nordeste tem de fazer para não causar um apagão no País, como consequência de uma falta de infraestrutura para escoar essa energia. O que o senhor tem a detalhar dos planos do governo em relação a isso?
Lula - O Ceará passa por um momento extraordinário na construção de plantas solares e eólicas e sua contribuição é fundamental para o Brasil se consolidar como a grande potência mundial da energia renovável. Mas ainda estamos resolvendo o prejuízo deixado pelo governo anterior, que não acreditou no Ceará e não investiu em linhas de transmissão – obras que levam tempo –, por isso algumas usinas ainda não conseguem escoar toda a energia que têm o potencial de produzir.
Desde que assumimos, já licitamos mais de R$ 60 bilhões em linhas de transmissão, justamente para garantir que o Nordeste se consolide como exportador de energia renovável. Só no Ceará, são 1.380 km de linhas, distribuídas em 20 empreendimentos. Se a elas forem somados os 50 empreendimentos de geração de energia na região, representam investimentos de R$ 13 bilhões do Novo PAC.
Para que o problema seja definitivamente resolvido, o leilão de linhas de transmissão que faremos em 2025 incentivará que os novos empreendimentos entrem em operação o mais rapidamente possível. Além disso, o Ministério das Minas e Energia está estudando modos de antecipar a entrada em operação de linhas de transmissão cujas obras já estão em andamento.
OP - No mercado de combustíveis, entra nos planos do governo encabeçar a volta de investimentos na usina de biodiesel que outrora já funcionou em Quixadá, no interior do Ceará? Quais são os planos do governo para essa área e para a usina no Estado?
Lula - A Usina de Quixadá pertence à Petrobras Biocombustível – uma subsidiária da Petrobras que estava à venda quando assumimos o governo em 2023. Felizmente, e com uma nova orientação estratégica, nossa gigante do petróleo ficou livre para retomar seus planos de se tornar também uma gigante na área de energia renovável, decidiu manter a sua área de biocombustíveis e aumentou sua previsão de investimentos em energia renovável.
Apenas em energia de baixo carbono, a Petrobras planeja investir quase 9 bilhões de dólares até o ano de 2029 em plantas de biodiesel, biometano, etanol e hidrogênio, entre outras. Agora cabe à empresa fazer os cálculos e os projetos para decidir especificamente sobre o futuro da planta de Quixadá, mas o certo é que, independentemente do que for decidido, o Ceará continuará sendo um dos motores da energia renovável no Brasil.
OP - O que o senhor pensa para viabilizar o diálogo com Trump sobre a taxação de aço e alumínio brasileiros e como essas atitudes podem até incentivar outras parcerias do Brasil com blocos comerciais e até a aceleração de uma criação da moeda dos Brics? O Governo estuda ampliar a taxação de outros produtos brasileiros para os EUA?
Lula - Taxar o aço e o alumínio, na forma como isso foi feito pelos Estados Unidos, não traz nada de bom para ninguém. Nosso governo considera essa uma medida equivocada e injustificada, pois afeta tanto as empresas daqui como as de lá, que trabalham há décadas em uma relação de parceria e complementaridade.
Para produzir aço aqui, importamos carvão siderúrgico dos EUA. A indústria norte-americana, por sua vez, depende de nosso aço semiacabado. Não há por que atrapalhar essa relação que funciona tão bem. Por isso, estamos trabalhando em conjunto com o setor privado para mostrar que essas medidas precisam ser revertidas e que a razão deve voltar a falar mais alto.
Ao mesmo tempo, como já declaramos na semana passada, estamos avaliando tudo o que podemos fazer no campo do comércio exterior, inclusive junto à Organização Mundial do Comércio. E seguimos fortalecendo a importância de grupos como o Brics.
Os países do bloco reúnem mais de 3,6 bilhões de pessoas e são responsáveis por mais de um terço de todo o PIB do mundo. Nos últimos 20 anos, o comércio do Brasil com esses países aumentou em mais de 12 vezes. E certamente se tornará ainda mais forte agora, pois os países do Sul Global estão tendo cada vez mais certeza de que é na união entre eles, em seu trabalho parceiro e conjunto, que reside o futuro do desenvolvimento.