O julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre possível abuso do Google de sua posição dominante no mercado de buscas e pela exibição de conteúdo jornalístico em suas plataformas sem a devida remuneração foi interrompido.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) considerou como positiva a suspensão. “É muito relevante que o tema das plataformas siga em discussão no Cade. Com o pedido de vistas, acredito que as questões levantadas pelo relator, incluindo os impactos da inteligência artificial no motor de buscas e o que isso representa para os produtores jornalísticos, poderão vir a ser clarificadas e atualizadas”, avaliou Marcelo Rech, presidente-executivo da entidade.
Em sessão realizada ontem, o relator do inquérito, conselheiro Gustavo Augusto, votou pelo arquivamento da investigação. No entendimento dele, a forma como o Google atua na recomendação de conteúdos resulta em receitas para os veículos de mídia.
Ele observou que a investigação não considerou o uso de inteligência artificial no serviço de indexação de notícias, um sistema que, na visão dos publishers, pode causar mais prejuízo aos veículos de notícias.
A sessão foi suspensa a partir do pedido de vista feito pelo conselheiro Diogo Thomson, que tem a prerrogativa de solicitar novos estudos e informações às empresas sobre o caso durante os 60 dias que ele tem para devolver o processo à julgamento.
A ANJ, assim como Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), defendem que o inquérito seja convertido em processo administrativo, o que permitiria apurar com mais clareza os efeitos das práticas do Google e, mais à frente, estabelecer condições igualdade concorrencial no ambiente digital.
No entendimento das entidades, o Google exibe trechos de notícias produzidos por veículos jornalísticos em plataformas como Google Search e Google News, mas não remunera os produtores desses conteúdos. A prática chamada de “scraping” é vista com preocupação pelas associações, pois retém o tráfego, reduz o acesso aos sites de notícias e limita a distribuição de receitas com publicidade digital. Além disso, há o temor de que o Google esteja priorizando seus próprios serviços nos resultados de busca, uma prática chamada de “self-preferencing”, prejudicando a concorrência.
A ANJ, que representa 100 jornais, enviou nesta semana manifestação ao Cade. “A utilização/indexação dos conteúdos de terceiros pelo Google resulta na retenção de usuários em seu ecossistema, o que aumenta, direta e indiretamente, sua captura de dados e sua captação de verbas publicitárias, em detrimento dos acessos aos sites dos produtores de conteúdo”, afirma o documento. Segundo a ANJ, os veículos noticiosos não têm como se manter competitivos e “continuar a produzir conteúdo de qualidade sem a visibilidade que o Google proporciona”.
A Fenaj e a RSF também enviaram documento ao Cade, pedindo que o conselho prossiga com o inquérito, “diante de um caso que caracterizaria duas condutas descritas nas teorias de dano, já aventadas nos autos”. Segundo as entidades, “a conduta exploratória – decorrente do fato de que os serviços do Google utilizam conteúdo jornalístico em seus produtos sem prover nenhuma compensação financeira aos editores de notícias – e a conduta exclusionária, que retém o tráfego de sites de notícias ao exibir conteúdos decorrentes das postagens originais em suas páginas de busca”.
O caso foi aberto pelo próprio Cade em 2018, arquivado em 2024 e reaberto no começo deste ano. Agora, será retomado em outra sessão com os votos dos demais membros do colegiado do órgão.