Deputados e senadores - inclusive da base do governo - aprovaram ontem o projeto de decreto legislativo que susta os efeitos do novo decreto do governo Lula sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A matéria vai à promulgação.
A derrota governista foi impactante não só no placar, que teve 383 votos favoráveis na Câmara e uma votação simbólica no Senado em que apenas o PT votou contra.
Esta foi a primeira vez em 33 anos em que o Parlamento brasileiro derruba um decreto presidencial. O último foi em 1992, durante o governo Collor e seis meses antes da Câmara abrir processo de impeachment contra o ex-presidente.
A crise começou quando o Ministério da Fazenda editou um decreto assinado pelo presidente Lula. O texto previa o aumento do IOF como uma das principais frentes para cumprir a meta fiscal do orçamento de 2025.
Diante da rejeição, o governo recuou em alguns pontos e apresentou outras medidas, como aumento na taxação das apostas eletrônicas (bets), de 12% para 18%; das fintechs, de 9% para 15% a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), igualando-se aos bancos tradicionais; e a taxação das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), títulos que atualmente são isentos de Imposto de Renda.
O Congresso reagiu e se reuniu com o Governo Federal. O encontro, segundo o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi histórico, mas, mesmo assim, o decreto foi derrubado.
No parecer favorável à derrubada, o senador Izalci Lucas (PL-DF) argumentou que o novo decreto do governo reintroduz um "substancial aumento da carga tributária sob o disfarce de ajustes técnicos". Ele classificou o novo decreto como uma "reedição normativa que aprofunda vícios, reforçando a percepção de improviso".
Em diálogo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), mostrou preocupação com a derrubada.
"Pessoalmente, eu acho essa votação bastante traumática. Vossa excelência acompanhou que fizemos uma reunião de 6 horas, onde todos saímos todos bastante empolgados com o nível da reunião e o governo, conforme combinado, retirou o decreto anterior e fez um decreto muito mais suave do que o primeiro, numa demonstração de que o governo não estava em posição de intransigência."
Ele seguiu. "Não quero entrar no mérito de como isso foi decidido, mas foi decidido às 23h30 - meia-noite, quando o presidente da Câmara anunciou que ia pautar hoje (ontem) numa sessão virtual, pautado sem maiores discussões. E o decreto do presidente da república visa fazer justiça tributária. [...] Mas a vida não pára aqui hoje."
Foi de supetão, sem que Governo Federal e oposição soubessem, o presidente da Câmara, Hugo Motta, pautou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que suspende os efeitos do decreto presidencial, assinado por Lula, que aumentava o IOF. "Nem nós sabíamos", disse o deputado Tenente Coronel Zucco (PL) autor do PDL.
O governo também reclamou. Líderes governistas alegaram que Hugo Motta e Davi Alcolumbre decidiram entre si votar a matéria e descumpriram acordo feito com Lula. No diálogo, acordou-se que qualquer votação do tipo seria feita só no início de julho, após as férias do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com mais gente na Casa para discutir o assunto.
Não foi o que ocorreu. Hugo Motta pautou a matéria na terça-feira, perto da meia noite, e Davi Alcolumbre levou o texto ao plenário no mesmo dia.
Mesmo com a crise política, Davi Alcolumbre e os líderes do governo nas duas casas, José Guimarães e Jaques Wagner, negaram que haja rompimento entre legislativo e governo. Guimarães foi sucinto. "Não há possibilidade", afirmou. Jaques Wagner preferiu fazer uma analogia. "É como um casamento. Às vezes, tem brigas, mas não quer dizer que, se brigou, vai separar", avaliou.
Já Davi Alcolumbre foi além e lembrou as votações feitas pelo Congresso a favor do Governo, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. "É uma derrota emblemática, mas construída a várias mãos. Nós muito mais ajudamos o governo do que atrapalhamos", concluiu. (Colaborou Maria Luíza Souza/Especial para O POVO)
Impacto
A alta do IOF foi inicialmente anunciada em 22 de maio, com previsão do governo de gerar arrecadação de R$ 61 bilhões em dois anos, sendo R$ 20 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026